Estou num momento muito pessimista com relação ao Brasil, e isso me deixa profundamente entristecido. Sinceramente, não vejo porquê podemos evoluir porquê sociedade e região, já que não há impulsos populares para isso. Enfrentamos vilões extremamente eficientes na arte de desajustar, subornar e destruir: idiotificação da cultura, politização extrema das relações humanas, economia pautada em pseudorreligiões ideológicas, mas sobretudo, um clima profundo de fragmentação social, de suspeição e hostilidade entre os indivíduos.
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Numa sociedade democrática, espera-se sempre que haja discordâncias, desavenças e, por vezes, até enfrentamentos mais calamitosos. Todavia, para que haja evolução da região, é necessário que se encontre o mínimo de concordância quanto aos valores primordiais, funcionamento institucional e regras gerais de convívio. Uma sociedade em ordenado e irremediável desavença, multifraturada, não pode gerar coesão basal para crescer. E vejam, essa coesão não se desenrola por meio de força de Estado e propagandas ideológicas, mas pela simples e orgânica crédito entre as pessoas.
Parece muito simplória a peroração, mas não é. Foi isso o que conjecturou, por exemplo, Adam Smith em seu monumental e esquecido Teoria dos Sentimentos Morais, onde ele afirmou que a empatia social entre os indivíduos era o poder unitivo da sociedade; mas isso também foi afirmado por outro responsável, esse ainda mais levianamente esquecido pela nossa sociologia — que se especializou em rodar detrás do próprio rabo marxista. Trata-se do sociólogo galicismo Alain Peyrefitte e seu extraordinário livro — atualmente fora de circulação no Brasil — A Sociedade da Crédito.
A crédito é um ativo invisível, e por isso, talvez, seja tão ignorada. Max Weber também já havia identificado seu poder, e a partir das sociedades protestantes, notou que um país dependia quase que completamente da união moral de seus indivíduos em torno de princípios basais e das instituições para que houvesse um desenvolvimento real e integral. A tese de Peyrefitte, no entanto, é muito mais alongada, ele mostra que o que realmente favoreceu o progresso das nações foi o surgimento de padrões estáveis de crédito pública e privada. Ele analisou países de diversas matrizes religiosas e culturais, identificando que quando há crédito no funcionamento institucional e nos princípios morais que gestam as relações interpessoais — independentemente de partidos e setores politicamente organizados — surge um círculo virtuoso de cooperação procedente na esfera micro e macro.
A crédito gera firmeza; a firmeza permite investimentos e trocas; isso gera incremento e reforça a crédito; e assim o ciclo se perpetua. Estados que garantem o cumprimento das leis, que não abusam do poder e que oferecem previsibilidade nas regras favorecem a construção da crédito de forma homogênea num país. A questão é muito simples: os indivíduos, as empresas e instituições não estatais sabem quais as regras do jogo desenvolvem suas premissas e objetivos a partir delas, e em consequência, conseguem ter previsibilidade em seus investimentos. E cá, “investimento” tem um sentido muito mais grande que o mero texto econômico: são pessoas desenvolvendo suas vidas, instituições religiosas planejando suas ações, empresas programando ampliações de atuação. E na base de tudo isso, prognóstico o galicismo, está a mera crédito de que determinados valores e leis serão seguidas pelo Estado e pelas comunidades privadas.
Apliquem essa percepção a tudo e verão que é uma verdade muito mais profunda que pode parecer. Desde a relação entre vizinhos, patrões, até nossa relação com o STF, tudo passa pela crédito de que regras serão respeitadas, e sem essas regras pré-estabelecidas, tudo recai num campo de relativismo e incertezas perturbadoras. Seu vizinho pode invadir sua propriedade à noite ou jogar veneno em seu quintal para matar seu cachorro; o patrão pode roubar seu salário, esconder seus benefícios; o STF pode embatucar sua boca nas redes sociais, roubar as funções do Parlamento e proporcionar criminosos.
Nenhum incremento eterno é provável sem a — literalmente simples e primordial — crédito privada e pública. Essa crédito deve estar enraizada na cultura, na ensino, nas instituições e no comportamento cotidiano dos cidadãos. Ela é a base invisível do progresso e da cultura.
O Brasil atual é a sociedade das desconfianças, onde as visões ideológicas quebram qualquer sentido de união em torno de princípios e regras. O mínimo, porquê a resguardo das liberdade de frase e o funcionamento técnico das instituições é solapado por interesses de setores políticos. Líderes que deveriam pensar o país porquê progresso a longo prazo estão preocupados em receber benefícios próprios ou partidários. Não tem porquê dar notório. O Brasil trilha hoje o roteiro de republiquetas, voltando à política de cangaço, um coronelismo soft com aportes de bilionários e ideólogos.
Sem uma cultura de união em torno de valores primordiais, qualquer país fica cativo de agentes e grupos, um envolvente mais que perfeito para surgimento de ditadores e ideias autoritárias. O Brasil que temos não é coeso e nem minimamente capaz de gerar prosperidade e ordem. E nesse sequestro das instituições e prostituição de valores, os reféns são os brasileiros; a sociedade se torna um grande cativeiro enfeitado de democracia funcional. Eis o drama profundo da nossa região: um país desunido, equivocado por bandoleiros profissionais e especialistas em arquitetura de democracias falsas. Trespassar desse cativeiro é uma escolha conjunta, que requer coragem, união e força para enfrentar os sequestradores; mas não parece possuir, infelizmente, muitas pessoas dispostas a romper suas bolhas, deixar seus fetiches ideológicos e seu confortável colchão nesse porão de ilusões e migalhas.
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