Nos últimos anos, o transporte público se consolidou uma vez que um dos maiores problemas das cidades brasileiras. Tarifas extremamente altas, atrasos, tempos de espera absurdos, superlotação, falta de integração e veículos velhos e poluentes são alguns dos problemas cotidianos de qualquer cidade brasileira, principalmente nos bairros mais afastados dos centros.
Esse cenário é resultado de um setor historicamente desregulado. Nas últimas décadas, a atuação do poder público foi limitada a exclusivamente ‘regularizar’ um serviço precário, com contratos que não garantiram qualidade, não modificaram a estrutura de governança do setor, que permanece sob o controle das empresas, e mantiveram o custeio do serviço dependente, quase exclusivamente, da tarifa paga por quem usa o transporte.
Posteriormente a Constituição de 1988 e as leis que regulamentaram as licitações e as contratações no serviço público, os contratos de ônibus exclusivamente formalizaram empresas que já operavam há décadas. Eles falharam em instituir um padrão de governança que garantisse um mínimo de frequência e pontualidade e um sistema de financiamento que promovesse tarifas acessíveis. A teoria de um sistema de mobilidade urbana, integrando a mobilidade ativa, é ainda mais insipiente e recente.
Um sistema sustentado exclusivamente pelas tarifas depende da superlotação para ser rentável. Isso, coligado à falta de controle, faz com que o serviço priorize horários e áreas mais movimentadas, enquanto as regiões ‘menos rentáveis’ – via de regra as periferias – são negligenciadas. Leste padrão impõe uma lógica meramente econômica, em detrimento de uma lógica de recta, que deveria testificar universalidade e um atendimento mínimo em toda a cidade.
Esse padrão já vinha se esgotando há décadas: tarifas altas e um péssimo serviço resultam na perda de passageiros, o que reduz a arrecadação e agrava o ciclo de degradação do transporte. A pandemia de Covid-19, ao forçar a redução no número de passageiros, escancarou essa crise, exigindo mudanças estruturais no padrão. O Brasil, diante de um governo federalista reacionário e avesso às políticas públicas, não agiu em um primeiro momento e diversas cidades passaram a subsidiar o transporte, mas com soluções pontuais que prolongaram a crise. Hoje, começam a surgir mudanças mais estruturais.
Por um lado, algumas boas soluções locais começam a despontar, embora em meio a um mar de medidas paliativas que mantêm o padrão atual. Por outro lado, o governo federalista, agora sob liderança progressista, sinaliza com projetos que podem solidificar essas soluções e transformar profundamente o cenário do transporte coletivo no Brasil.
Além do mero subvenção, que exclusivamente cobre os custos do serviço sem modificar regras ou critérios de qualidade, algumas cidades começaram a modificar essas regras. A primeira mudança é a remuneração das empresas com base no dispêndio real do serviço necessário para atender muito toda a cidade. Isso garante disponibilidade e frequências estáveis, tornando o transporte um recta de veste. Cidades uma vez que Rio de Janeiro e Belo Horizonte estão começando a adotar esse padrão, ainda que de forma parcial ou tímida. São Paulo, Campinas e São José dos Campos sinalizam essa mudança, mas ainda não tiraram do papel.
A capital carioca também avança em novas formas de contratação, com a prefeitura adquirindo diretamente a frota de ônibus e deixando às empresas exclusivamente a operação, em contratos mais curtos e simplificados. Cascavel (PR), São José dos Campos (SP) e a Bahia também caminham neste sentido.
Essas iniciativas locais são interessantes, mas ainda limitadas e incompletas, pois não abrangem toda a cidade ou não reformulam completamente o contrato e o padrão de gestão. No entanto, o governo federalista está desempenado com essas inovações, iniciando ações que podem torná-las mais robustas e duradouras.
A iniciativa federalista mais impactante deve ser o Programa de Renovação de Frota lançado dentro do PAC, elaborado com pedestal de organizações da sociedade social uma vez que o Idec e o ITDP. O projeto prevê o financiamento para que prefeituras adquiram frotas de ônibus elétricos ou menos poluentes, garantindo controle público sobre a frota. Dessa forma, o projeto avança em três aspectos essenciais para a qualidade do transporte público: oferece pedestal financeiro às cidades, reduz a emissão de poluentes e promove uma gestão mais moderna, com impacto na qualidade do serviço.
Em paralelo, o Congresso discute novas legislações para o setor de transportes coletivos urbanos.
Na Câmara, tramita a Proposta de Emenda Constitucional 25 de 2023, de autoria da deputada Luíza Erundina (PSOL-SP), que institui o Sistema Único de Mobilidade Urbana, além de progredir na geração de fontes de receita e propor o estabelecimento porvir da Tarifa Zero em todo o País! Esta PEC aprovada exigiria uma profunda revisão legislativa no setor.
No Senado, o Marco Lícito do Transporte Coletivo, elaborado pelo Ministério das Cidades, foi incluído em um projeto de lei, de número 3278/2021, que continha um texto macróbio e mais simples sobre o tema. Apesar de algumas confusões internas na segmento de financiamento e pouco aprofundamento na segmento de participação popular, o texto é importante e avança em novas formas de financiamento, de planejamento e de governança no transporte coletivo.
Essas iniciativas federais são fundamentais, mas as prefeituras serão responsáveis pela implementação das medidas que impactarão a vida de milhões de brasileiros. Por isso, as eleições de 2024 serão cruciais. É importante que as candidaturas progressistas compreendam essas mudanças no transporte urbano, um tema que afeta diretamente o cotidiano nas cidades.
O progresso do debate nas cidades é perceptível e animador. De Setentrião a Sul, mais candidaturas discutem com profundidade e conhecimento de motivo os desafios e as soluções para o transporte coletivo. A tarifa zero é destaque nas propostas de Kleber Rosa, em Salvador, Candice Roble, em Aracaju, Maria do Rosário, em Porto Satisfeito, e Duarte Júnior, em São Luís. Já a urgência de mudanças nos contratos e na governança para melhorar a qualidade do transporte está sempre no exposição de Natalia Bonavides, em Natal, Guilherme Boulos, em São Paulo, e Rogério Correia, em Belo Horizonte.
É urgente que esse progresso no debate eleitoral se reflita em novos governos municipais, comprometidos com a transformação da gestão e do financiamento do transporte coletivo. Somente assim, em conjunto com as propostas do governo federalista, o Brasil poderá superar o estigma secular da má qualidade do transporte público, que marca o cotidiano da população. Essa mudança é vital para melhorar a qualidade de vida nas cidades e enfrentar a crise climática que já se impõe com força em nosso País.
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