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A Revista Veja acaba de mostrar diálogos de Mauro Cid, que provam que ele mentiu no interrogatório da suposta trama golpista, veja aquém toda a material da Revista Veja
A resguardo de Jair Bolsonaro nunca escondeu que uma das estratégias para tentar livrar o ex-presidente da denúncia de golpe é desqualificar as revelações feitas pelo tenente-coronel Mauro Cid. O ex-ajudante de ordens fez um entendimento de delação premiada e, em troca de benefícios, ajudou a PF a montar o quebra-cabeça do suposto projecto urdido no término de 2022 para anular as eleições, impedir a posse de Lula e manter o ex-capitão no poder. Na segunda 9 e na terça 10, o Supremo Tribunal Federalista começou a interrogar os oito réus acusados de integrar o núcleo meão da conspirata. Cid foi o primeiro a ser ouvido. De uma maneira universal, repetiu boa segmento do que já havia dito antes. Em vários momentos, no entanto, soou tatibitate ao narrar certas passagens e foi atacado por alguns estranhos lapsos de memória. Ao longo de quase quatro horas de prova, repetiu incontáveis vezes “não me lembro” e “não me recordo”.
Uma novidade capaz de provocar uma turbulência surgiu no final da audiência, quando um dos advogados de Jair Bolsonaro, Celso Vilardi, fez uma pergunta fortuita. “Quero saber se ele fez uso em qualquer momento para falar de delação de um perfil no Instagram que não está no nome dele”, indagou. Cid disse que não. O patrono do ex-presidente insistiu: “Ele nunca usou perfil de mídia social para falar com ninguém?”. Cid, de novo, garantiu que não. “Conhece um perfil chamado @gabrielar702?”, tentou mais uma vez o legista. Cid, nesse momento, gaguejou: “Esse perfil, eu não sei se é da minha esposa”.
Era uma emboscada — e o tenente-coronel, ao que parece, caiu nela sem perceber. Ao assinar o entendimento de delação premiada com a Justiça, ele assumiu o compromisso de falar a verdade, manter em sigilo o texto de suas revelações, não ter contato com outros investigados nem usar redes sociais. Vilardi sabia que Cid havia desrespeitado ao menos duas determinações impostas pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do processo no STF — e as provas de que isso de roupa aconteceu estão em um conjunto de mensagens trocadas entre o tenente-coronel e uma pessoa do círculo próximo a Jair Bolsonaro. VEJA teve aproximação aos diálogos. Eles mostram que Cid, já na quesito de delator, fazia jogo duplo. Enquanto fornecia à PF informações sobre a movimentação antidemocrática, contava a pessoas próximas uma versão completamente dissemelhante do caso. Nessas conversas, revelou a terceiros o texto de seus depoimentos à PF e bastidores do que se passava durante as audiências. O militar fala em pressões, conta que o representante responsável pelo sindicância tentava manipular suas declarações e diz que Alexandre de Moraes já teria sentenciado improbar alguns réus antes mesmo do julgamento. Essas confidências, em tese, podem resultar na anulação do entendimento de colaboração e, por consequência, na revisão dos benefícios dados ao tenente-coronel. Há um problema suplementar para o delator. Antes do início do interrogatório, Cid foi inteirado por Moraes sobre a obrigação de falar unicamente a verdade. Ao declarar, na sequência, que não usou a rede social, ele mentiu.
As mensagens obtidas por VEJA foram trocadas entre 29 de janeiro e 8 março de 2024. O entendimento de colaboração premiada havia sido homologado por Alexandre de Moraes cinco meses antes. Nesse período, Cid usava tornozeleira, tinha obrigação de se apresentar semanalmente a um juiz e já estava proibido de se remeter com investigados e falar sobre o teor de sua delação. Por alguma razão, ele decidiu trampolinar a preceito de Moraes, usando o Instagram @gabrielar702 para conversar com colegas e pessoas diretamente interessadas no curso das investigações. Nos diálogos, fala claramente das longas oitivas que estava tendo de enfrentar — “Foram três dias seguidos” — e do desconforto em relação ao trabalho dos investigadores — “Toda hora queriam jogar para o lado do golpe… e eu falava para trocar porque não era aquilo que tinha dito”. Há várias citações a Alexandre de Moraes, identificado pelas iniciais “AM”. Em uma delas, o tenente-coronel diz ao interlocutor que o “jogo é sujo”, que as petições dos advogados não adiantam zero e que o ministro “já tem a sentença pronta” para improbar ele, o “PR, Heleno e BN” — referência a Jair Bolsonaro e aos generais Augusto Heleno e Walter Braga Netto.
Em outra conversa, ao fazer considerações sobre os depoimentos que estava prestando, o delator é indagado sobre a postura do representante que conduzia o sindicância. “Sabe tentar te conduzir para onde ele quer chegar”, ressaltou Cid. O interlocutor logo pergunta se o “ele” é Alexandre de Moraes ou Luís Roberto Barroso, presidente do STF. Cid responde: “AM é o cão de ataque”, “Barroso é o iluminista pensador”. E arremata: “Quem executa é o AM”. As críticas a Moraes, aliás, são constantes, com algumas variações de nível. O ministro, segundo o delator, “tem talento”, mas para ser um “grande pensador Netflix”. “Não precisa de prova!!! Só de Narrativas!!!! E quando falam de provas… Metem os pés pelas mãos… Porquê foi com FM… que não viajou aos EUA”, ressalta o tenente-coronel, se referindo a Filipe Martins, o ex-facilitar de Bolsonaro recluso por ordem do ministro por supostamente ter tentado fugir do país, o que até hoje não foi comprovado.
Cid se mostra resignado com o porvir. “Eu acho que já perdemos… Os Cel PM (coronéis da Polícia Militar do Província Federalista) vão pegar 30 anos… E depois vem para a gente”, diz. Uma das alternativas naquele momento para evitar as prisões de todos, na avaliação dele, seria um movimento transportado pela cúpula do Congresso. “Só o Pacheco ou o Lira vai (sic) nos salvar. O STF está todo comprometido. A PGR vai denunciar”, diz. A outra selecção vislumbrada era a subida de Donald Trump, logo candidato a presidente nos Estados Unidos, que poderia impor sanções ao Brasil. “Uma coisa que pode mudar… é uma vitória do Trump… E o Brasil principiar a ter sanções… igual Nicarágua e Venezuela”, escreveu, antecipando, sem saber, o que, de roupa, pode ocorrer. Cid também faz questão de deixar simples nas mensagens que não fez acusações de golpe contra Jair Bolsonaro. “Eu falava que o PR não iria fazer zero”, diz. O delator fala do libido de reagir a Moraes e das estratégias de resguardo dos seus advogados, que ele considera inúteis. “No final todo mundo acha que não dará em zero… Só eu voltar para a prisão… junto com o PR”, diz.
Braço recta de Bolsonaro durante os quatro anos de governo, o tenente-coronel acompanhava reuniões e conversas de toda natureza e tinha aproximação à cúpula militar. Em agosto de 2023, convicto de que poderia ser réprobo a até trinta anos de prisão, o tenente-coronel decidiu delatar. As revelações dele foram consideradas fundamentais para a apresentação da denúncia contra o chamado “núcleo crucial” da tentativa de golpe — formado pelo ex-presidente, os ex-ministros Walter Braga Netto, Augusto Heleno, Anderson Torres e Paulo Sérgio Nogueira, pelo ex-chefe da Sucursal Brasileira de Perceptibilidade (Abin) Alexandre Ramagem e pelo ex-comandante da Marinha Almir Garnier. Cid foi citado 179 vezes na peça de denúncia da Procuradoria-Universal da República e prestou nove depoimentos antes da tempo de interrogatório. Sua colaboração serviu uma vez que risco mestra da denúncia. As provas fornecidas por ele incluíram nove celulares, três computadores, além de tablets e um sem-número de mensagens e arquivos que deram dimensão, rosto e seriedade à tentativa de golpe.
O entendimento de colaboração tem cláusulas rígidas. Para ter recta a benefícios, Cid não pode mentir, omitir, desviar a investigação com versões conflitantes nem proteger ninguém. No interrogatório do STF, ladeado de Bolsonaro e outros cinco integrantes da subida cúpula do idoso governo — Braga Netto, que está recluso, prestou prova por videoconferência—, ele reafirmou ter presenciado reuniões entre o ex-presidente e militares nas quais foram discutidas medidas que poderiam ser implementadas para impedir a posse de Lula, disse que Bolsonaro acreditava em fraude nas urnas eletrônicas, repetiu que o ex-candidato a vice enviou verba para os militares das Forças Especiais do Tropa, reproduziu os xingamentos que eram proferidos contra o ministro Alexandre de Moraes e confirmou ter ouvido que o logo comandante da Marinha teria posto suas tropas à disposição do ex-presidente. Para o Ministério Público, essas informações, aliadas a documentos e outros depoimentos colhidos durante a investigação, não deixam dúvidas de que Bolsonaro e seus auxiliares tentaram um golpe de Estado no término de 2022.
O delator, no entanto, também minimizou a relevância do que havia descrito. Segundo ele, apesar de ter analisado minutas que previam anular a eleição e até a prisão de ministros do STF, Bolsonaro nunca pensou em golpe — um tanto claramente sem sentido dentro do contexto. Muitos dos diálogos comprometedores encontrados nos telefones dos envolvidos, inclusive no dele, seriam “conversas de bar”, “bravatas” ou lamúrias. Disse que uma de suas funções era servir de “cautela” do presidente, evitando que ideias e propostas esdrúxulas chegassem ao superintendente. Afirmou ainda não se lembrar ao claro em que sítio do Alvorada teria recebido de Braga Netto um maço de verba para remunerar militares que supostamente atuariam na operação golpista. A postura pouco firme do delator no Supremo abriu o flanco para a resguardo de alguns réus. O general negou ter endossado ou financiado planos golpistas, alegou que não deu ordens para desqualificar militares que, segundo a denúncia, eram reticentes ao golpe e acusou Cid de mentir a seu saudação. Principal atingido com a delação de seu idoso facilitar de crédito, Bolsonaro também negou todas as acusações. Refutou ter planejado um golpe de Estado, resumiu reuniões com militares a conversas informais, disse que as discussões que teve miravam uma “selecção constitucional” e afirmou não ter mexido em minuta golpista ou oferecido ordens para prender autoridades. Para a resguardo do ex-presidente, o interrogatório de Cid foi a melhor coisa que aconteceu desde o início do processo.
Pelas cláusulas do entendimento do ex-ajudante de ordens, se a delação for cancelada, ele volta a responder pelos mesmos crimes dos demais réus. Se réprobo, pode pegar até quarenta anos de prisão. Em troca das revelações, o tenente-coronel pediu a licença de perdão judicial ou uma pena não superior a dois anos. Porquê ele já ficou recluso preventivamente por cinco meses e está com tornozeleira há mais de dois anos, a pena já estaria devidamente cumprida. Livre da prisão, Cid poderia seguir a curso militar, inclusive com recta a promoções. Os benefícios da delação são extensivos ao pai dele, o general Lourena Cid, que está sendo investigado por ajudar Bolsonaro a vender presentes recebidos durante o manobra do procuração, à esposa e à filha. Encerrado o processo, todos ainda teriam recta à segurança da Polícia Federalista. Tudo isso agora corre risco. “Porquê grande segmento do conjunto probatório demonstrativo da autoria delitiva decorreu da colaboração premiada, se ela tombar, de uma certa maneira isso vai ensejar o prostração universal do conjunto probatório”, diz Gustavo Sampaio, professor de recta constitucional da Universidade Federalista Fluminense, falando em tese.
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O texto das mensagens no Instagram é parecido com os áudios obtidos e divulgados por VEJA no ano pretérito, ocasião em que Cid acabou recluso e seu entendimento de delação por pouco não foi rompido. Na estação, justificou que as conversas eram um mero desabafo de quem atravessava uma situação difícil. Essa explicação, se repetida hoje, provavelmente será insuficiente. Além de desrespeitar as regras de confidencialidade, ele dessa vez mentiu ao tribunal, o que é transgressão. Todos os envolvidos no caso podem pedir o rompimento do entendimento de delação e utilizar a transgressão de Mauro Cid para tentar colocar em incerteza boa segmento do que foi levantado no processo — hoje são quase 80 terabytes de evidências — ou mesmo usar a invenção para conseguir uma divergência na Primeira Turma e transferir os embates para o plenário do STF, onde, acreditam, o caso pode tomar outro rumo. A PF e a PGR também podem requisitar a rescisão da delação. A decisão caberá a Alexandre de Moraes. Seja qual for ela, vale lembrar mais uma vez: a denúncia elencou muitas provas, não se fiando unicamente nas palavras do tenente-coronel. Em tempo: o perfil @gabrielar702 foi retirado do ar logo depois do interrogatório do ex-ajudante de ordens.
Revista Veja https://veja.abril.com.br/brasil/provas-obtidas-por-veja-mostram-que-mauro-cid-mentiu-no-stf-sobre-mensagens/
https://jornalbrasilonline.com.br/urgente-veja-denuncia-e-mauro-cid-e-pego-na-mentira-em-interrogatorio//Nascente/Créditos -> JORNAL BRASIL ONLINE