“Se eu puder participar da vida política do meu país de uma forma saudável, democraticamente falando, eu sempre vou fazer isso. Infelizmente, tem muita gente que não quer misturar os assuntos. Mas a vida da gente é essencialmente política”, afirma Fernanda Takai.
Em entrevista ao Brasil de Traje RS, a cantora, compositora e escritora fala do momento atual e do papel da arte. Ela esteve na 70ª Feira do Livro de Porto Feliz, onde conversou com os jornalistas Arthur de Faria e Katia Suman. E autografou Quando Curupira Encontra Kappa, livro que assina com o ilustrador Daniel Kondo.
Além de vocalista da filarmónica Pato Fu e também com curso solo, Fernanda Takai escreve contos e crônicas, assim uma vez que literatura infantil. Tem sua assinatura Nunca Subestime Uma Mulherzinha, de 2007, e A Mulher que Não Queria Crer, de 2011, sem narrar as obras infantis A Gueixa e o Panda Vermelho, de 2013, e O Cabelo da Rapariga, de 2016.
Brasil de Traje RS – Uma das pautas que ganhou destaque essa semana foi a jornada 6X1. E me veio a frase do sociólogo e jornalista Antonio Cândido: “A luta pela justiça social começa por uma reivindicação do tempo: ‘Eu quero aproveitar o meu tempo de forma que eu me humanize’. As bibliotecas, os livros, são uma grande urgência de nossa vida humanizada.
Fernanda Takai – Essa frase é certeira. Penso muito nisso porque tenho uma jornada de trabalho completamente dissemelhante das outras pessoas. É muito intensa. No término de semana, quando está todo mundo saindo para se divertir, eu entro em plantão 24 horas. Geralmente começa na quinta à noite e vou voltar para moradia só na segunda. Aí tenho segunda, terça, quarta, às vezes, quinta, para ler o livro que eu sabor, ver o show que eu sabor, que no meio da semana está mais tranquilo, cuidar do jardim, dividir o meu tempo de uma forma mais saudável.
Você tem que aproveitar a sua vida enquanto é uma pessoa produtiva
Ficamos muito restritos aos horários das coisas que se tem que fazer obrigatoriamente. Agimos muito sob demanda. Quando você tem mais tempo, seu cardápio se abre de uma forma incrível. Gostaria que fosse para todos. É uma luta super válida e já foram feitos vários experimentos mundo afora. As pessoas ficam mais produtivas e felizes porque sabem que têm aquele horário para render bastante porque depois tem os outros dias para usufruir a vida.
Você tem que aproveitar a sua vida enquanto é uma pessoa produtiva.
E, nessa questão do 6×1, as mais prejudicadas são as mulheres…
Sim, já que têm uma jornada infinita… Sei porque chego em moradia, antes dos prazeres… Às vezes, estão o John e a Nina. Somos uma família pequena, com mais três bichinhos de estimação. Tem uma faxineira que vai uma vez por semana mas o resto é a gente que faz.
Eu cozinho, às vezes chego de viagem e falo ´Pô, John e Nina, vocês não botaram roupa para lavar`. Chego e tenho que botar a roupa toda para lavar, roupa de leito, mesa, roupa deles. Esperar que tenha um bom tempo pra secar porque senão vai emendar com a outra viagem. Logo tem muitas coisas assim.
Muitas pessoas da classe artística tem se posicionado politicamente nos últimos anos e você é uma delas. Qual a valia da categoria se posicionar com nitidez nesse espaço?
Isso aí vai depender muito da personalidade de cada artista. Tem artista realmente que fala que ´Não, eu sou só artista, não tenho que dar opinião’. Mas acho que a gente é artista cidadão, cidadã. E temos os direitos e temos visibilidade para poder levar as nossas questões junto às outras pessoas. Logo, não posso permanecer silenciada. Sei também que não posso permanecer botando o dedo na rosto das pessoas que estão querendo permanecer quietas. Mas se me pedirem a opinião, sempre vou dar.
Se você não se posicionar, você tá tomando posição
Se eu puder participar da vida política do meu país de uma forma saudável, democraticamente falando, sempre vou fazer isso. Infelizmente, tem muita gente que não quer misturar os assuntos. Mas a vida da gente é essencialmente política.
Viver é um ato político…
Se você não se posicionar, você tá tomando posição. É isso que eu falo, assim, ‘Poxa, você fazendo isso, falar que não quer se posicionar, você tá tomando uma posição que, de repente, as pessoas vão entender incorrecto’. Nem você vai falar de qual lado que está. É estranho.
Porquê a experiência da maternidade influenciou tua visão sobre o universo infantil e a forma uma vez que você aborda temas de paixão, fantasia e invenção em seu livro? Qual a diferença entre redigir para crianças e para o público adulto?
Não escrevo para garoto pensando que estou escrevendo para garoto. A garoto entende muito mais do que geralmente a gente acha. Logo, os meus textos, algumas vezes, são criticados. Principalmente no meu primeiro livro A Gueixa e o Panda Vermelho, que ele tinha muitas questões…
A gueixa já é uma figura sobre a qual as pessoas ficam falando, ‘Ah, o papel da gueixa, artística, tem um papel, tem uma coisa sexual ali junto`. Falo que é uma vez que um restaurante onde tem gente que vai cozinhar uma comida de um jeito e outra de outro. E aí tem gueixas que tem papéis além daquele que historicamente poderíamos imaginar.
Quis usar o papel de uma gueixa novato justamente porque ela está naquele momento inicial, de aprender a trovar, a tocar um instrumento, a se vestir, a dançar. Só que ela não sabe exatamente se quer ser gueixa. E vai encontrar um ser, um bicho, que é o panda vermelho, que é completamente sumido pela figura do panda gigante.
Quando escrevo um livro infantil, os próprios adultos têm que gostar
Quando imaginei essa história, pensei ´Mas as pessoas não conhecem nem o panda vermelho e o panda gigante tem o Kung Fu Panda, que já ocupa todo o espaço imaginário das pessoas`. Não é isso. É justamente aquela história de uma pessoa que está em formação. Mas ela não sabe se a formação que está recebendo é o que ela quer ser. E com um animalzinho em que o tempo todo ninguém olha, que ninguém sabe que existe. É o que acontece com a gente. São coisas humanas, sentimentos humanos, mas estavam representados no bicho.
Muita gente fala que isso é muito difícil, que é para crianças mais velhas. Não, você pode narrar isso para garoto pequena porque ela vai permanecer se perguntando, vai perguntar para outras pessoas, vai fazer a pesquisa dela, vai se questionar também.
Quando escrevo um livro infantil, os próprios adultos têm que gostar desse livro. São eles que vão comprar para a garoto. Tenho que atingir desde os pais e mães ou o irmão e a mana mais velhos até a garoto.
Nas minhas redes, vou extinguir e bloquear a pessoa se ela for desrespeitosa comigo. É minha moradia
Eu não simplifico as coisas. O Cabelo da Rapariga, por exemplo, é um livro, teoricamente, com texto mais simples, mas com questões de corroboração e de validação muito importantes. Da mãe validar uma ação, da filha, da professora também, na sala de lição, observar aquela aluna onde estava todo mundo rindo um pouco dela. Mas aí ela inverte o jogo e fala, ‘Ah, vocês tão rindo mas querem fazer o que ela fez, né?’
Sempre presto muita atenção. Não quero que a pessoa fale, ´Ah, é só diversão`. Livro não é só diversão, uma vez que arte não é só diversão. A arte é fazer você pensar. Tem hora que você gosta muito. Vê um quadro e fala, ‘Nossa, que quadro lindo’. Tem hora que vê um quadro e fala ´Que incômodo esse quadro, eu não sabor, eu me sinto mal`. Por que você se sente mal? É por culpa do sangue que está ali? Ou porque tem uma coisa, um objeto que você não gosta ou porque está contando uma história que você não quer?
Arte não pode ser só conforto. Tem uma segmento que é entretenimento, mas tem uma segmento que é fazer pensar.
Falando em arte que faz pensar, gostaria que nos falasse do álbum “Será que você vai crer?” feito durante a pandemia e que pontua sobre o negacionismo com músicas uma vez que Terreno Plana e uma regravação de Não Creio Em Mais Zero.
A gente fez o videoclipe com a imagem da estação espacial. É aquela coisa: as pessoas lêem a manchete ou vêem uma foto sua e não sabem nem se está falando de muito ou de mal. Tem muita gente que entra no Terreno Plana achando que eu sou terraplanista. Entra no vídeo e se dá conta que não sou terraplanista e aí deixa um recado super desaforado.
Só que dentro ali do próprio o ecossistema do YouTube ou de outras redes, outras pessoas, em sã consciência, vão falar, ‘Meu, o que você está fazendo? Você entendeu incorrecto. Você acha que é verdade isso? Vocês acham que a Fernanda vai ser terraplanista? Não tem requisito, não é provável isso, vê muito a história toda dela!’
Se você é uma pessoa que vai recorrer à internet superficialmente, sem estudar, sem ler, vai consumir só porcaria
É para invocar para essa discussão através desse hábito dos dias atuais em que as pessoas são fisgadas realmente pelas coisas. Logo, Terreno Plana fisga tanto quem é terraplanista quanto quem vai tutorar a teoria do nosso mundo científico, do mundo real. É um jeito de você discutir ideias de uma forma educada. Faço a pessoa escutar a minha música, ver meu clipe, e aí ela vai deixar o recado lá.
E na minha política, dentro das minhas redes, vou extinguir e bloquear a pessoa se ela for muito desrespeitosa comigo, se me xingar ou xingar alguém de quem eu sabor. É minha moradia. Não pense também que aceito tudo. Mas quando vem alguma pessoa e manda um argumento falando sobre a terreno plana, tipo ´Porquê assim a terreno plana?` Eu sei que tem gente que já vai responder portanto deixo esse debate sobrevir ali.
Porquê você vê o impacto das tecnologias da informação e informação na heterogeneidade da cultura e da arte no país? Podemos relacionar mais com esperanças ou desafios?
Hoje, quem tem um celular tem um modo de produção de teor, de pesquisa, documentação do mundo em que vive. Realmente abriu uma possibilidade. Mas tudo depende do uso que você faz. Se você é uma pessoa que vai recorrer a esse mundo da internet superficialmente, se não for casar zero à sua vida, você passa horas navegando e não vai estudar, não vai ler, não vai trabalhar recta e vai consumir só porcaria. O repto é você fazer teor lítico para as pessoas para que elas se prendam a esse teor também e que isso traga alguma coisa para vida delas.
Até nas minhas redes tento mourejar com esse veste de ser uma cantora, ser uma escritora, ser uma pessoa pública. Mas, ao mesmo tempo, ser mãe, filha e ser pró-adoção de bichinho de estimação, de rua e tudo mais. Tudo isso jogo nessa salada que são as minhas redes e tento jogar de uma forma positiva.
Se nesse mundo do dedo os desafios do porvir forem menos tóxicos, seremos seres muito melhores.
O Rio Grande do Sul passou por uma enchente, a própria rossio cá onde estamos ficou inundada. Nessa perspectiva dos desastres climáticos, qual seria o papel da arte, da literatura e da música?
Estive cá em janeiro, no Porto Verão Feliz, e estava tudo muito, aparentemente. Passei quatro dias na cidade, vi vários espetáculos do festival, saí com os meus amigos e amigas todas daqui, passei um tempo muito lítico.
E aí voltei e vi essas notícias horríveis. Falei, ´Não é provável. Não tinha nem sinal que esse tipo de coisa fosse sobrevir cá.’
E aí depois me falaram, ‘Não, tinham projetos aprovados que nunca foram feitos e tudo o mais’. Onde eu moro, em Minas Gerais, temos o caso das barragens, das mineradoras, passamos por Mariana e por Brumadinho. E tem hoje todo mundo correndo detrás de mudar as barragens, o formato delas, para que não aconteça de novo. Mas já se sabia que não era para usar daquele jeito mais, para vigiar resíduos, e tudo o mais.
O meu livro (Quando Curupira Encontra Kappa), por exemplo, toca nesse ponto da Amazônia, um tema que é velho, que há muitos anos já vem se falando. Temos uma escritora cá do Rio Grande do Sul, a Eliane Brum, que está morando lá na Amazônia. Ela foi morar lá porque de longe sentia que não estava mais ajudando. Tinha que ir para lá para estar perto das pessoas das quais falava. Tem muita gente que vai fazendo, mas é um trabalho muito de formiguinha. Enquanto os governos, as grandes corporações, não se envolverem, é muito multíplice, muito difícil.
Eu nasci na Amazônia, no Amapá, no meio da floresta. Logo, quando escrevo um livro uma vez que esse, também resgato esse meu papel. Nasci na floresta, mas depois saí de lá e perdi um pouco a relação com ela. Só fui me reencontrar quando levei minha filha para saber a floresta amazônica.
Quantos brasileiros viajam o mundo e não conhecem a nossa própria floresta? Não viajam para dentro do próprio país para entender a valia desse lugar para nós e para o mundo.
Quantos brasileiros viajam o mundo e não conhecem a nossa própria floresta?
Se a arte consegue espelhar um pouco disso e fazer grelar, uma vez que no livro, essa semente que indica ´Olha, a gente vive nesse mundo, o mundo é um só, e a nossa raça humana tem que trabalhar coletivamente`. Não adianta só um grupo permanecer muito. Não adianta você ser de um grupo super rico se esse mundo uma vez que a gente conhece não viver mais. Para você ter tudo o que tem e que não foi distribuído deixou um monte de gente morrendo de miséria, um monte de gente em guerra, matou um monte de pássaros, de bichos e tudo o mais. Porquê vai viver? Vai comprar um pedaço do espaço? Parece livro da (escritora norte-americana de ficção-científica) Ursula Le Guin. Vai viver em outros planetinhas…
Manadeira: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Ayrton Centeno