O colunista de O Mundo, Eduardo Affonso, sempre irreverente e com um refinado toque de humor, publicou neste sábado (15) uma sensacional sátira sobre o recente incidente envolvendo o poder, o Planalto, o presidente e sua novidade ministra.
Transcrevemos:
“G.H. (iniciais meramente ilustrativas) sempre foi uma linda mulher. Isso lhe abrira todas as portas sem que precisasse pôr em prática seu talento de negociadora implacável ou dar sinais de seu caráter sem jaça. Era combativa e sagaz, porém os homens só prestavam atenção a seu muito proporcionado nariz e a seus cabelos, castanhos e naturalmente encaracolados. Para provar do que era capaz e se livrar do estigma que a venustidade lhe impunha, G.H. esticou e alourou as madeixas e — num enlevo de desprendimento estético — tosou o nariz, deixando-o impetuosamente arrebitado. Queria desmantelar o patriarcado somente com a força de seus argumentos. Transformar em aliados os inimigos sem precisar recorrer aos arquetípicos artifícios da sedução, que levaram à ruinoso Cleópatra, Ana Bolena e Mata Hari. Ambicionava ser reconhecida em razão de sua supina perceptibilidade, não pelo capital erótico.
Desafortunadamente, G.H. vivia um relacionamento tóxico. O marido, a quem devotava totalidade fidelidade, era mais enamorado pelas amantes que pela própria mulher. E, ainda por cima, tratava-se de um corintiano — o que significava ter licença para cometer violência doméstica depois do jogo, resultando numa média anual de 36,25 surras entre 2021 e 2024. A seu obséquio, há que reconhecer que, quando ele queria espancar nela, sempre batia noutro lugar — não dentro de moradia ou no Brasil.
Mas era um varão bom. Sabia ser a máquina de lavar uma coisa muito importante para pessoas do sexo feminino. Companheiro-homem moderno e desconstruído, tinha consciência de que o lugar da companheira-esposa era na cozinha, e ia até lá para, respeitosamente, ajudá-la em seu serviço de mulher.
Enquanto chefe-companheiro, tinha certa dificuldade de encontrar mulheres para preencher cargos na empresa — e as poucas que contratava acabavam fritadas, humilhadas, demitidas e substituídas por homens. Não que ele fosse misógino — oh, não! —, até porque ele tampouco encontrava muitos pretos com qualificação.
G.H. tinha uma profissão, um salário e nunca precisara que o pai lhe desse cinco reais para comprar batom, dez reais para comprar calcinha. Ela mesma conseguia comprar tudo isso — sozinha! Era — uma vez que o marido dissera um dia, todo orgulhoso — uma mulher de grelo duro. Daquelas que, quando estão em moradia, à noite, e um punhado de homens bate à porta, acham que são um presente de Deus.
G.H. sonhava com uma extensa prole, mas o marido dissera:
— Companheira, quando é que vai fechar a porteira, companheira? Não pode mais ter fruto.
E ela entendeu que era ele quem ditava as regras do corpo dela.
Más línguas lhe deram o cognome de Coxa — ainda que não se saiba se ela torce para o Coritiba. Outras, ainda mais maledicentes, a tratavam por Amante — certamente devido a seu paixão às democracias (a chinesa, a cubana, a venezuelana). São insultos que constam de listas de propina (apócrifas, a julgar pelas decisões do STF) e vindos da direita — uma gente preconceituosa e sem letramento de gênero.
Ainda que declare apreço ao marido e releve todas as suas falas, a paixão, segundo G.H., só será provável no dia em que a esquerda chegue ao poder, e as mulheres não sejam mais objetificadas, ultrajadas, julgadas pela semblante física e tratadas com desdém.”
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