Um ato em frente ao 1º Batalhão de Polícia do Tropa, na Tijuca, zona setentrião do Rio de Janeiro, reivindica neste sábado (11) a urgência de tombamento pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Vernáculo (IPHAN) do sítio para instalar ali um meio de memória e resistência contra os regimes de exceção.
A revelação foi em memória de Rubens Paiva e de outros 52 mortos ou desaparecidos por ação direta dos agentes do Destacamento de Operações de Informação-Núcleo de Operações de Resguardo Interna (DOI-Codi) do Rio de Janeiro que funcionava no quartel na Tijuca. Na Rossio Lamartine Babo, está instalado o busto de Rubens Paiva, inaugurado em 12 de setembro de 2014, pelo Sindicato dos Engenheiros do Estado do Rio e pela Percentagem Estadual da Verdade.
A Associação Brasileira de Prensa (ABI), o Grupo Tortura Nunca Mais RJ e a ONG Rio de Tranquilidade se uniram para realizar o ato com escora da Justiça Global e da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia Núcleo-RJ.
Segundo a ABI, a proposta de tombamento não visa ofender a instituição do Tropa, mas contribuir para que as próprias Forças Armadas se abram para a perspectiva de rever os crimes praticados por seus agentes dentro de suas organizações militares, para que não se repitam nunca mais.
O ato teve a participação de ex-presos políticos que conseguiram sobreviver ao principal meio de prisão proibido, tortura, morte e desaparecimento forçado instalado no estado do Rio de Janeiro no período do regime militar implantado pelo golpe de 1964. O DOI-Codi funcionou entre os anos de 1970 e 1979, dentro do 1º Batalhão de Polícia do Tropa. Situado nos fundos do recinto do quartel, o prédio de dois andares do Pelotão de Investigações Criminais (PIC) serviu de base para as suas operações, segundo relatório da Percentagem Estadual da Verdade.
O fundador da Rio de Tranquilidade, Antonio Carlos Costa, disse que até hoje existem brasileiros que flertam com o regime militar. “Tombar esse quartel significa também nós darmos oportunidade para as nossas crianças e gerações futuras de tomarem conhecimento do que aconteceu cá de modo que esse pretérito nunca retorne porque foi um período de trevas na história do nosso país. Período no qual o Estado usou de práticas fascistas a término de supostamente preservar o país de uma ameaço comunista. O que nós esperamos é que nesse cenário de retorno desse debate, em razão do filme Ainda Estou Cá, nós possamos vencer essa guerra. Queremos esse quartel para a promoção de uma cultura democrática no Brasil”.
Ainda Estou Cá conta a história da família Paiva, que, em 1971, com o endurecimento da ditadura militar, precisa enfrentar o desaparecimento e assassínio de Rubens Paiva, engenheiro social e político brasiliano. A história é contada do ponto de vista de quem fica, a esposa Eunice Paiva, interpretada por Fernanda Torres, que ganhou o Orbe de Ouro por sua atuação.
O ex-preso político Álvaro Caldas, professor, redactor e sobrevivente do DOI-Codi, retornou ao sítio para participar do protesto. “Eu entrei nesse quartel quatro vezes. Duas vezes recluso com capuz e outras duas vezes porquê membro da Percentagem da Verdade do Rio de Janeiro para fazer a vistoria lá dentro. Fui recluso pela primeira vez em fevereiro de 1970, um ano antes do Rubens Paiva. Fui torturado porquê todos os presos que entravam cá. Foram três meses cá. Eu era militante político e fazia resistência à ditadura. Eu me sinto grato por ter podido sobreviver”.
Segundo o diretor do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, Rafael Maul de Roble Costa, falar do tombamento do batalhão onde funcionou o DOI-Codi é falar da luta dos direitos humanos no Brasil, de familiares e de ex-presos políticos e falar das violências que continuam acontecendo até hoje. “O Brasil não superou a perspectiva do militarismo, das relações autoritárias tanto nas ameaças de golpe quanto nas políticas do cotidiano. O tombamento do DOI-Codi em espaço de memória é um passo para fortalecer a democracia, que não seja pactuada com a violência de Estado”.
DOI-Codi
De concórdia com dados fornecidos pela Percentagem Vernáculo da Verdade, do totalidade de presos políticos que passaram pelas dependências do DOI-Codi do Rio, ao menos 53 foram mortos, dentre os quais 33 permanecem desaparecidos até a presente data. Relatório da Percentagem Estadual da Verdade lista 163 mortos e desaparecidos só no estado do Rio. O DOI-Codi foi exclusivamente um entre 19 locais usados pela repressão política porquê delegacias de polícia, quartéis e centros clandestinos de interrogatório e tortura de opositores do regime militar.
O DOI-Codi era subordinado ao portanto I Tropa (hoje Comando Militar do Leste) e responsável por concentrar e coordenar a realização de ações repressivas, porquê a conquista, o sequestro, a tortura, o assassínio e o desaparecimento de militantes de oposição à ditadura militar.
A partir de 1970, o 1º BPE abrigou o DOI-Codi ao mesmo tempo em que manteve seu funcionamento enquanto batalhão de polícia. Por isso, muitas vezes, nos testemunhos de ex-presos políticos, o sítio é referenciado porquê DOI-Codi ou Polícia do Tropa (PE) da Barão de Mesquita.
A geração dos DOI-Codis foi resultado de uma política repressiva implantada pela ditadura militar no final da dez de 1960 e início dos anos 1970 para expulsar as organizações de esquerda. Para tanto, os diversos órgãos militares e policiais, federais e estaduais passaram a atuar de forma conjunta e coordenada no combate à chamada subversão. Foram criados DOI-CODIs em diversos estados .
Desde 2013, o Ministério Público Federalista (MPF) pede junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Vernáculo (IPHAN) pelo tombamento do prédio onde historicamente funcionou o DOI-Codi.
*Com a colaboração de Fernanda Cruz, da TV Brasil