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A esquerda transformou o Brasil no ‘País do Susto’. Essa constatação é feita com coragem e lucidez pelo articulista da Revista Veja, Fernando Schüler, filósofo, professor do Insper e observador político, que há qualquer tempo vem falando dos desrespeitos a liberdade e a direitos fundamentais na República brasileira.
Eis o cláusula:
“O PAÍS DO MEDO
‘É um golpista’, diz, em síntese, a criminação contra o jurista Ives Gandra Martins. Na bizarrice em que se transformou o país, até isto é verosímil.
Seu transgressão: uma versão da Constituição. Há coisa de trinta anos, Gandra, hoje com 90, acha que a Constituição dá às Forças Armadas um papel moderativo em momentos de crise.
Discordo dessa visão, o que é irrelevante cá.
Qualquer um pode interpretar as leis ou o texto bíblico do jeito que quiser. O que se deve é satisfazer as leis. Concordar é outra história.
Diria que boa segmento do prédio republicano se encontra nesta elevação. Você assina o contrato político, defende sua visão, ganha ou perde e respeita a lei.
O que não envolve nenhuma operação no seu cérebro, ajustando as suas ideias.
Alguém pode votar, porque o voto é obrigatório, mas esgrimir que aquilo é um paradoxal. Que deveria ser opcional. E pode viver muito em uma república defendendo que deveríamos voltar à reino. E por aí vai.
É duro ter que redigir coisas perfeitamente óbvias em qualquer democracia. Mas é o Brasil de hoje.
O caso de Gandra Martins é somente uma pequena ponta do iceberg. Os casos mais complicados são ‘sistêmicos’. Dizem reverência a garantias e princípios tradicionais de nossa democracia. Cito dois deles, devidamente dinamitados nestes tempos tristes.
Um deles é a isenção parlamentar. Um deputado, Nikolas Ferreira, foi multado em 200 milénio reais por usar peruca amarela na tribuna da Câmara.
Outro, Marcel van Hattem, foi acionado por fazer uma denúncia contra um agente público, por injúria de poder. É evidente que os dois desagradaram a muita gente. E cá vai a grande novidade: é exatamente para isso que existe a isenção. Para que um parlamentar possa desgostar, errar nas palavras, no tom ou na sátira. E depois ser julgado pelos eleitores.
Outro princípio que estamos jogando pela janela diz um pouco muito simples: não cabe ao Poder Executivo funcionar porquê censor. Não importam as intenções. O roteiro é publicado: começa com a urgência de proteger crianças e mulheres. Mas logo surge o rabicho: salvar a democracia, tirar do ar um documentário, punir o jornalista ou deputado que chamou o presidente disso ou daquilo.
O Executivo é um poder político, expressa a visão de uma segmento da sociedade. Perfeitamente legítimo para governar. Nunca para arbitrar sobre liberdades e direitos individuais.
Foi por isso que o Congresso pôs no Marco Social da Internet a exigência de decisão judicial para responsabilizar redes sociais por oriente ou aquele teor.
Nesta última semana, vimos a AGU ir ao STF exigir exatamente o termo deste princípio. Isso às vésperas de um ano eleitoral.
Seria intolerável a um simpatizante de Lula que um governo de ‘direita’ fizesse isso; assim porquê é intolerável a um simpatizante da direita que um governo Lula faça a mesma coisa.
A sociedade é diversa, e isto é bom. Mas é preciso um pouco de lucidez para manter oriente prédio complicado de pé.
Minha tese sobre tudo isso: de um país esperançoso com a liberdade, que dez anos detrás definia o termo da exprobação em biografias, nos tornamos um país ranzinza. País de um autoritarismo difuso, não somente no projecto do Estado, do STF, da escol política. Mas na base da sociedade.
Em um dia, vemos um grupo de advogados governistas querendo processar a deputada Bia Kicis por um oração crítico ao STF; em outro, um grupo de estudantes de ‘direita’ expulsos a socos e pontapés do campus de sua própria universidade, a UFF.
A universidade é de todos, paga por contribuintes de todas as cores políticas. Mas o espaço institucional é conquistado. Obedece à monocultura ideológica. Ela é a tradução tão brasileira do ‘você sabe com quem está falando?’, descrita pelo rabi Roberto DaMatta.
O topo do ranking da mania vernáculo veio do Sul. A pena da jornalista Rosane de Oliveira a multa de 600 milénio reais por publicar os valores recebidos por um grupo de juízes no Rio Grande do Sul.
Rosane é uma jornalista com mais de quarenta anos de profissão, divulgou dados corretos e que constavam nas páginas oficiais do Judiciário. A criminação é de que ela teria falado a verdade, mas de um jeito ‘sarcástico’.
Logo estamos combinados: o Estado irá agora regular o tom usado pelo jornalismo. Imagino mesmo uma novidade curso: ‘analistas de tom’.
O jornalista faz a reportagem e manda para a médio de regulação. Quem sabe uma máquina de IA cheque se está o.k., se não tem sarcasmo, se não tem politicamente incorreto, se ninguém importante é ofendido. Ou se a coisa toda não está ‘descontextualizada’. Parece farra. Não é. É o Brasil de hoje. Tudo com nossa proverbial seletividade.
Na campanha eleitoral, matérias com informações reais foram censuradas pelo Estado, pois geravam ‘desordem informacional’.
Um filme foi censurado por uma ministra, que um dia disse ‘cala boca já morreu’, sem nem mesmo saber seu teor. E ainda agora o governo mandou exprobar um documentário sobre Maria da Penha por ‘distorcer’ fatos, segundo a visão do próprio governo.
Logo sejamos claros: não se trata de um veste só. Nós nos tornamos um país um pouco doentio. É constrangedor, aos 37 anos da Constituição de 1988.
Há quem diga que tudo isso não passa de um amontoado de mesquinharias. Ou, porquê escutei de uma figura do poder em Brasília, tudo não passa de acidentes de trajectória em uma democracia.
Discordo. Há uma lógica rudimentar. Se aqueles estudantes de ‘direita’ não podem se manifestar em uma universidade pública, porque levarão pancadas, logo o recado está oferecido: quem pensar dissemelhante que fique muito mudo; se um jurista não pode dar a sua visão sobre a Constituição, pois pode levar um processo, o recado está oferecido: você, que não tem 90 anos e nem é consagrado, não se meta a besta de pensar com a própria cabeça; se um parlamentar não pode fazer uma sátira ou denúncia que acha que deva fazer no Congresso, está oferecido o recado: ‘deputados, tomem desvelo, escolham as palavras’, pois a isenção não é para ‘quaisquer palavras’, porquê está dito na Constituição. E, finalmente, se uma jornalista foi multada por publicar uma informação pública, e inconveniente para o poder, e é multada em 600 milénio reais, o recado está mais do que oferecido: o melhor é marchar na risco, sob pena de rematar sem conta bancária, com passaporte retido ou coisa pior, porquê tantos por aí.
O resultado disso tudo é simples: nós nos tornamos o país do pavor. Não sei se esse era o projecto de muita gente. Mas funcionou. Uma boa democracia depende em muitos sentidos do que os gregos chamavam de parrésia: a disposição de falar com franqueza, de peito desimpedido, mesmo que isso desagrade.
Isso no jornalismo, nas universidades, no Parlamento e na redondel do dedo.
Alguma chance de mudarmos de rumo? Não sei. A tolerância é um tipo de cultura que se constrói ao longo de muito tempo, mas que pode se perder muito rapidamente.
É esse, no fundo, o dilema brasílio. Não penso que aqueles que detêm o poder, que sentiram o seu sabor, terão alguma disposição para a repúdio. De modo que estamos com um problema, diria, bastante difícil de resolver.”
Jornal da cidade
https://jornalbrasilonline.com.br/o-pais-do-medo-a-acusacao-contra-ives-gandra-o-maior-jurista-vivo-do-brasil//Nascente/Créditos -> JORNAL BRASIL ONLINE