Se alguém tinha alguma incerteza sobre os pendores ditatoriais do presidente do Supremo, ele fez questão de expô-los à luz do dia. “Questões complexas e divisivas” da sociedade devem ser decididas por luminares não eleitos, “imunes às paixões políticas”, e cuja legitimidade derivaria não do voto popular, mas de sua “formação técnica e imparcialidade”. Não sei porque, quando li essa última frase, veio a figura de Dias Toffoli à minha mente.
Barroso não deu detalhes sobre os critérios para definir quais seriam essas “questões complexas e divisivas”, que seriam excluídas do escrutínio da “paixão política” e entregues à egrégia crítica dos oráculos técnicos e imparciais. Mas descansem os brasileiros, esses critérios estão muito guardados nas mentes imparciais, muito formadas e livres de paixões políticas de nossos supremos.
A história mostra que não há “ditadura do mal”. Toda ditadura pretende o muito dos cidadãos, seja protegendo da malvadeza de inimigos externos, seja prometendo o nirvana de um porvir glorioso.
Toda ditadura, outrossim, despreza a bagunça própria das democracias, em que as paixões políticas, muitas vezes, não permitem progredir pautas relevantes (na visão do ditador, simples). Fiquemos tranquilos, porque Luís Perdeu Mané Barroso só quer o muito da sociedade brasileira.
Tivéssemos um Congresso digno do nome, uma fala dessas seria motivo para iniciar um processo de impeachment por atentado às instituições democráticas. Mas nossos congressistas estão mais preocupados em destravar as emendas parlamentares, única taxa que une o Congresso contra o STF. Resolvido oriente tópico, os representantes do povo voltarão a praticar os seus mandatos de vereadores federais, deixando as pautas “sensíveis e divisivas” nas mãos dos nossos déspotas esclarecidos.
Marcelo Guterman. Engenheiro de Produção pela Escola Politécnica da USP e rabi em Economia e Finanças pelo Insper. Jornal da cidade