Ives Gandra – 03/01/2025 11h12
Anos detrás escrevi um pequeno livro intitulado Uma Breve Teoria do Poder. Hoje está na quarta edição, veiculado pela Editora Resistência Cultural, que se notabilizou pela primorosa apresentação gráfica de suas edições. As edições anteriores foram prefaciadas por dois saudosos amigos: Ney Prado, confrade e ex-presidente da Liceu Internacional de Recta e Economia e Antonio Paim, confrade da Liceu Brasileira de Filosofia. A atual tem uma vez que prefaciador o ex-presidente da República e confrade da Liceu Brasileira de Recta Constitucional, Michel Temer.
Chamo-a de “Breve Teoria” por dedicar-me mais à figura do detentor do poder, muito embora mencione as diversas correntes filosóficas que analisaram a ânsia de governar, através da história.
Invocar um estudo de “breve” é geral. Já é mais complicado invocar uma teoria de breve. As teorias ou são teorias ou não são. Nenhuma teoria é “breve” ou “longa”, mas somente teoria.
Ocorre que uma vez que me dediquei fundamentalmente à figura do detentor do poder e não a todos os aspectos do poder, decidi, contra a lógica, chamá-la de “Breve Teoria”.
Desenvolvi no opúsculo a “teoria da sobrevivência”. Quem almeja o poder luta, por todos os meios, para consegui-lo e, uma vez que a história demonstra, quase sempre sem moral e sem escrúpulos. Não sem razão, Lord Acton dizia, no século 19, que “o poder corrompe e o poder integral corrompe absolutamente”.
Ocorre que, no momento que o poder é apanhado, quem o detém luta para mantê-lo por meio da construção de narrativas, cada vez tornando-se menos ético e mais habilidoso, até ser semoto. As narrativas são sempre de mais fácil construção nas ditaduras, mas são comuns nas democracias e tendem a crescer quando elas começam a morrer.
A particularidade maior da narrativa é transformar uma moca numa verdade e torná-la para o povo um vestimenta inconteste, ora valorizando fatos irrelevantes, ora, com originalidade, forjando fatos uma vez que, aliás, Hitler conseguiu com a juventude alemã com a célebre frase: “O amanhã pertence a nós”.
Nas democracias, a luta pelo poder é mais controlada, pois as oposições desfazem narrativas e os Poderes Judiciários neutros permitem que correções de rumo ocorram. Mesmo assim, as campanhas para invadir o poder são destinadas, não a debater ideias, mas literalmente destruir os adversários. Quando Levitsky e Ziblatti escreveram Porquê as Democracias Morrem, embora com um viés nitidamente em prol do partido democrata, desventraram que as mais estáveis democracias do mundo também correm risco.
O manifesto é que, através da história, os que lutam pelo poder e os que querem mantê-lo, à luz da teoria da sobrevivência, necessitam de narrativas e não da verdade dos fatos, manipulando-as à sua maneira e semelhança, com interpretações “pro domo sua” das leis, reescrevendo-as e impondo-as, quanto mais força tem sobre os órgãos públicos, mesmo nas democracias, e reduzindo a única arma válida numa democracia, que é a termo, a sua frase menor, quando não a suprimindo.
É que, infelizmente, há uma escassez monumental de estadistas no mundo e um espantoso excesso de políticos tal qual único objetivo é ter o poder e, quando atingem seu objetivo, terminam servindo-se mais do que servindo ao povo, pois servir ao povo é somente um efeito paralelo e não obrigatoriamente necessário.
Os ciclos históricos demonstram, todavia, que quando, pela teoria da sobrevivência os limites do razoável são superados, as reações fazem-se notar, não havendo “sobrevivência permanente no poder”. As verdades, no tempo, aparecem, e, perante a história, as narrativas desaparecem e surge “a veras nua dos fatos”.
Ives Gandra da Silva Martins é professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, UniFMU, do Ciee/O Estado de São Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Tropa (Eceme), Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federalista da 1ª Região, professor honorário das Universidades Sul (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia), doutor honoris motivo das Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS, catedrático da Universidade do Minho (Portugal), presidente do Recomendação Superior de Recta da Fecomercio-SP e ex-presidente da Liceu Paulista de Letras (APL) e do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp). |
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