A formação sociocultural, política, econômica e ambiental brasileira é estruturada a partir do racismo, da misoginia e da exploração de classes. Isso pretexto impactos profundos na nossa identidade e pertencimento pátrio.
A Independência do Brasil aconteceu em 1822. Porém, ela só foi consolidada um ano depois, com o 2 de julho de 1823 na Bahia, movimento que contou com mais participação popular, integração e estratégia.
A valia da independência baiana no contexto historiográfico pátrio foi evidenciada nos últimos anos pela luta dos movimentos negros e feministas, que destacam nossas heroínas e heróis populares, em privativo as mulheres.
Memória
Quem é de matriz africana sabe que o verdejante e o amarelo são o signo da celebração dos caboclos, ancestrais vivos dessa terreno. O pacto de sobrevivência daqueles e daquelas que vieram de Luanda, Cabinda, Congo e, posteriormente, de outros territórios africanos contou fundamentalmente com a sapiência dessa ancestralidade.
O verdejante e o amarelo também estão nas miçangas com as quais fazem as contas de proteção de divindades importantes do Candomblé de Tradição Congo-Angola responsáveis pela transformação. O velho e bom Candomblé de Angola foi trazido pelos Bantu, primeiros povos africanos escravizados que pisaram em território brasílio.
Somos descendentes do legado oriundo de Dona Maria Neném e de toda a sua linhagem de autoridades e lideranças tradicionais, que atravessaram a história da formação social e cultural brasileira e ousaram vocalizar suas próprias narrativas, a partir do tirocínio do poder nas suas “pequenas áfricas” — terreiros.
O regime escravista perdurou por três séculos sob as bençãos do cristianismo, enquanto os povos de matriz africana enfrentaram de todas as formas as atrocidades desse período.
Os povos escravizados utilizaram da luta armada, com inúmeras insurreições e revoltas, da malemolência de preservar a força vital, para não sucumbir em horas exaustivas de trabalho, e da quilombagem, ao gerar estratégias de fuga e recriar sistemas comunitários que rememorassem a terra-mãe. Ou no mandinga, já que “quem não pode com mandinga não carrega patuá”.
Legado escravagista
Ainda assim, nota-se que a legado escravagista perdura, muito muito articulada e ininterrupta, por meio do projeto da escol brasileira, que foi responsável por fazer uma extinção paulatina em 50 anos e, posteriormente, tendo porquê base as ideias eugenistas, erigir um processo de clarificação da população, na pele e no pensamento.
A perenidade desse projeto se expressa no genocídio dos povos indígenas e no extermínio da juventude negra, mas também na infiltração do pensamento eurocêntrico e branco no modo com o qual a negritude vive a relação com legado diaspórico.
Uma música de Geraldo Filme retrata muito o que quero manifestar: “Hoje preto vai à missa [as inúmeras igrejas pentecostais] e chega sempre primeiro. O branco vai para a macumba e já é babá de terreiro”.
Poderia até ser provável manifestar que isso representa a pluralidade religiosa e que não tem origem no “mito da democracia racial”. Porém, seria a feição uma novidade vestes do racismo. Ainda mais quando isso danifica a cosmovisão de mundo preservada por esses povos.
Cabe lembrar que, durante o golpe midiático, jurídico e parlamentar de 2016, que culminou no impeachment de Dilma Rousseff (PT), o Congresso Vernáculo publicizou um exposição teocrático e de ódio, votando em nome “de Deus e da Família”. Além da derrubada da presidenta em tirocínio, houve o desmantelamento de políticas públicas importantes, sobretudo as voltadas para população negra e indígena.
Proteger a tradição
Diante desse cenário, é necessário preocupar-se e proteger a tradição incorporada nos livros-humanos antigos que vivem nos terreiros de Candomblé tradicionais e que sabem o significado de uma quartinha com chuva. Sobretudo, as mulheres negras.
Essas senhoras que exercem a política contra colonial diariamente, ao nutar o adjá na sarau pública do terreiro e no operacionalizar das funções internas. Essas ações explicitam quem é a mando, a termo viva e o comando do matriarcado daquela comunidade.
Ao mesmo tempo, no atual contexto de redes sociais, cancelamentos e linchamentos virtuais, essas mulheres são postas porquê pessoas não pensantes, frágeis ou manipuladas por figuras masculinas. Também podem ser descritas porquê mulheres raivosas e mal-educadas. Quando se usa a viseira da misoginia e do racismo, a dificuldade é identificá-las porquê detentoras de autonomia, empáfia, saberes e poderes.
Uma sociedade racista, patriarcal e de exploração de classe, porquê a brasileira, não estava preparada para conviver com uma mulher na instância máxima da República, sem que ela se subordinasse ao Congresso Vernáculo, que historicamente é ocupado por homens, héteros e brancos.
Da mesma forma, na atualidade, a folclorização da tradição de matriz africana e a tentativa de esvaziamento do poder das mulheres negras dentro dessa tradição, sobretudo das mais velhas, revela tempos obscuros, ainda que aparentemente democráticos.
Essa reflexão é fruto da última atividade comunitária de 2024 realizada pelo terreiro Nzo Jindanji Kuna Nkos’i com a regência de uma senhora negra na plenitude e sagacidade dos seus 70 anos. Nengua Monasanje é matriarca, mestra popular da capital mineira e herdeira das raízes de Nkos’i.
Apontamentos
Inspirada no tino comunitário desse período e pela força e leveza de Matamba, exponho alguns apontamentos para 2025. É fundamental intensificar a nossa organização para acessar e erigir políticas públicas, por meio de nossas instituições jurídicas.
Essas políticas devem proteger o patrimônio material e o intangível presente em cada nzo, além de prometer condições dignas de vida nos territórios. Isso implica em democratizar o entrada aos editais públicos e que eles sejam escritos a partir de uma linguagem popular.
Ou seja, é necessário que as planilhas financeiras contemplem rubricas que permitam utilizar os insumos da tradição, ter mais orçamento e desburocratizar as prestações de contas, inclusive substituindo-as por relatórios de realização.
A questão fundiária que nos atravessa desde 1850 com a Lei de Terras perpetuou a institucionalização do grande latifúndio improdutivo, a especulação imobiliária e a periferização, restringindo e impondo limites ao nosso modo de existência.
Essa deve ser uma preocupação recorrente nos espaços de reflexão comunitária e no agenciamento com o Estado para a demarcação de terras indígenas, quilombolas e para fins de reforma agrária.
Também é preciso prometer linhas de crédito de financiamento públicos, via bancos estatais, para reforma ou obtenção de imóveis, muito porquê outros bens duráveis.
Ou por outra, é necessário instruir a nossa juventude de terreiro para ocupar espaços de ensino formal e informal, de cursos livres e técnicos até universidades. Também precisamos fortalecer a nossa presença em conselhos deliberativos de controle social, muito porquê certificar o reverência aos mais velhos na tradição e nas instituições e fomentar a participação e o esteio na política representativa.
É crucial promover, incentivar e facilitar o intercâmbio entre espaços de diálogo político e tradicional que conectem os terreiros, os territórios e os movimentos populares.
Por termo, outro paisagem prioritário é erigir uma informação eficiente, com uma estética negra que combata e denuncie a teocracia do Congresso Vernáculo, o preconceito, e o racismo religioso, reforçando a valorização de nossas tradições e identidades.
2025, cá te espero!
*Makota Kinanjenu é presidenta da Associação Sociocultural Nzo Jindanji Kuna Nkos’i e pesquisadora do mestrado do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federalista da Bahia (UFBA).
*Leste é um item de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a traço editorial do Brasil de Veste
Manancial: BdF Minas Gerais
Edição: Ana Carolina Vasconcelos