Representantes dos usuários do Favor de Prestação Continuada (BPC) estão de plantão na Câmara dos Deputados, em Brasília (DF), para pressionarem os parlamentares a rejeitarem mudanças no programa, que atende mais de 6 milhões de pessoas de baixa renda, entre idosos com mais de 65 anos e pessoas com deficiência. A mudança de regras no programa é um dos pontos do projeto de lei (PL) 4614/2024, de autoria do líder do governo, José Guimarães (PT-CE), que tem previsão de votação em plenário para esta quarta (18).
O PL é uma das medidas do pacote fiscal da gestão e propõe mudanças na licença do mercê social. Para o público do BPC, o projeto impõe regras mais rígidas para a liberação das prestações, porquê cadastro biométrico para licença, manutenção e renovação dos pagamentos; mudança dos critérios de elegibilidade para fazer segmento do programa; mudança no concepção de pessoa com deficiência, que passa a ser aquela que demonstre incapacidade para a vida independente e para o trabalho, com urgência de registro do código da Classificação Internacional de Doenças (CID).
Hoje, o Regimento da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) considera “pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em paridade de condições com as demais pessoas“. O projeto de lei também fixa obrigatoriedade de atualização do Cadastro Único (CadÚnico) a cada 24 meses, sob pena de suspensão do mercê – atualmente, o prazo é de 48 meses.
A proposta prevê ainda que o valor recebido porquê BPC ou mercê previdenciário por um idoso ou pessoa com deficiência passe a ser contabilizado no operação da renda per capita para fins de licença do mercê de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma unidade familiar. Na prática, as novas regras vão reduzir o número de pessoas atendidas pelo programa. O objetivo do governo é forrar, de forma associada a outras medidas do pacote fiscal, um montante de R$ 12 bilhões até 2030, caso o PL seja confirmado.
César Magalhães, representante da organização Retina Brasil no Juízo Vernáculo dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade), afirma que o PL 4614 tende a dificultar a vida das pessoas que dependem do BPC, hoje pago a cidadãos com renda familiar per capita igual ou inferir a um quarto do salário mínimo. O mercê reservado mensalmente pelo governo é de um salário mínimo.
“Para a gente, isso era uma questão pacificada. O BPC existe porque houve muita luta da sociedade, muito discussão cá dentro do Legislativo até que se virasse lei. Inclusive, nem deveria se invocar ‘mercê’, e sim auxílio, porque fica parecendo que é uma benesse, e não é. Pra ter entrada ao BPC, a pessoa precisa realmente ser muito carente, com carência comprovada. E, veja, se houver duas pessoas na família e uma lucrar o salário mínimo, se a outra for pessoa com deficiência, ela já não tem recta”, ressalta, ao mostrar que o programa “já é restringido”.
Magalhães afirma que a exigência de manutenção permanente do cadastro por meios virtuais, por exemplo, desconsidera a exclusão do dedo em que vive boa segmento das pessoas de baixa renda no país. “A pessoa que vive no interno vai ter dificuldade de acessar o mercê ou de manter. A biometria, por exemplo, pra nós, pessoas cegas, não está funcionando no entrada ao passe livre. Portanto, se já não está funcionando, trazer isso pro BPC é saber que muita gente vai ter problema”, reclama.
O integrante do Conade também rebate o argumento de que o programa teria entre seu público casos de depravação no entrada ao mercê. “É evidente que exceções há em tudo. Pode ter alguma fraude, mas o governo tem que ter seus próprios mecanismos pra resolver isso, e não jogar isso nas costas das pessoas mais frágeis. Para isso, existem os Cras [Centros de Referência de Assistência Social], os Creas [Centro de Referência Especializado de Assistência Social], os órgãos de fiscalização, etc., que podem satisfazer esse papel”.
“Fundamental”
Integrante da Associação dos Amigos dos Deficientes Visuais (AADV), Adalberto Rodrigues de Jesus é cego e recebe o BPC há 22 anos. Ele conta que o quantia tem sido, ao longo do tempo, uma manancial “fundamental” de sustento. “Se esse PL vier a ser confirmado, nós vamos ter uma perda muito grande porque, se deixarmos de receber o BPC, o que vamos fazer? Ofício pra pessoa com deficiência já é difícil. Pedir esmola também está complicado. Não sabemos o que iremos fazer. Só sei que, se isso vier a sobrevir, a maioria das pessoas com deficiência que recebem o BPC vai permanecer num estado de miséria, infelizmente”.
Deficiente visual de baixa visão, Tiago Farias Mota tem 35 anos e recebeu o BPC até os 16 anos, quando passou a ser contemplado com o Bolsa-Escola e foi excluído do programa porque não podia reunir os dois benefícios. Ele conseguiu atuar no mercado e trabalhou até recentemente em algumas empresas. Desligado nos últimos meses, hoje ele se vê engajado na luta contra o PL 4614. “Espero que esse negócio seja barrado. Hoje eu não estou recebendo nenhum mercê, mas estou cá pelos que precisam e também sei que um dia posso precisar de novo dele”, diz.
Vice-presidenta da AADV, Maristela Batista da Silva afirma que a preocupação com o PL 4614 hoje reina entre os associados. A entidade tem 90% do seu público porquê beneficiário do BPC e conta que o segmento tem se sentido apreensivo diante do risco de aprovação do PL 4614. “A gente representa praticamente todos os deficientes visuais de Brasília e a maioria depende do BPC para sobreviver, para remunerar chuva, luz, aluguel. E muitos deles sofrem preconceito pra procurar ofício”, narra. Ela conta que o grupo tem sentido baixa receptividade dos parlamentares quando interpelados para que rejeitem as mudanças no BPC. “Mas a gente segue lutando, andando de gabinete em gabinete e pedindo ajuda”, encerra.
Edição: Thalita Pires