A publicação da reportagem sobre as condições de trabalho na Companhia Zaffari, fruto de uma parceria entre o Jornal O Horizonte e o Brasil de Trajo, abriu a porta para uma série de novas denúncias de atuais e ex-funcionários da empresa. Eles não só reafirmam as violações de direitos já denunciadas, uma vez que apontam novos problemas que reforçam a teoria de condições degradantes de trabalho: adolescentes trabalhando na graduação 10×1 e por mais de 10 horas nos “dias de prega”, constantes desvios de função, controle do uso do banheiro, constrangimentos e adoecimento mental.
Por outro lado, trabalhadores relataram que, com a repercussão da denúncia e a realização de três manifestações no interno das lojas Zaffari, a empresa imediatamente iniciou uma operação para a mudança da graduação, a termo de findar com a de dez dias trabalhados para um de folga (10×1) e impedir que os funcionários trabalhem por três domingos seguidos.
Restrição do uso do banheiro durante a jornada
Uma denúncia que geralmente coloca as operadoras de caixa em uma situação constrangedora é o controle rigoroso do uso do banheiro (o “21”, uma vez que é chamado na loja). Segundo uma funcionária, que preferiu manter anonimato, para ter recta a utilizar o banheiro, é preciso pedir permissão para um fiscal, que pode autorizar ou não. Quando é feita uma solicitação, a operadora entra numa espécie de “lista de espera”. Ela explica: “Quando tu pede o ’21’, eles anotam numa prancheta. Tem vezes que a gente espera uma, até duas horas. Teve uma vez que pedi às 19h e me liberaram para o banheiro só pelas 21h. Porque eles não querem liberar. Daí, quando eles liberam, às vezes não dá tempo. Já teve quatro operadoras na minha loja que chegaram a fazer na roupa mesmo porque não deu tempo de chegar no banheiro.”
Seu colega empacotador complementa: “Na quinta (12) mesmo isso aconteceu. Uma operadora pediu pra ir, passou meia hora, depois uma hora, e zero. Aí, ela pediu pra eu ver se tinham anotado pra ela, e o fiscal não anotou. Ela teve que botar o caixa em pausa e decorrer pro banheiro.” O ’21’, que também é usado pra tomar chuva e dar uma pausa no ritmo intenso de trabalho, tem o limite de 10 a 15 minutos. “Se permanecer mais, somos cobrados”, explicou o empacotador. A mesma situação também é reiterada por ex-funcionários. “Quando trabalhava lá não podia levar chuva pro caixa. Pra ir no banheiro tinha que permanecer implorando, era por ordem de pedido. Até 10 ou 11 dias sem folga! E isso nem é tudo!”
O uso do banheiro é uma urgência fisiológica humana, uma urgência básica e primária, sem possibilidade de controle ou restrição. Por esse motivo, o uso do banheiro é também considerado um recta do trabalhador, uma vez que expressa a Norma Reguladora nº 17: “Com o termo de permitir a satisfação das necessidades fisiológicas, a organização deve permitir que os operadores saiam de seus postos de trabalho a qualquer momento da jornada, sem repercussões sobre suas avaliações e remunerações.”
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem o entendimento de que a restrição do uso do banheiro fere o princípio da honra humana e pode configurar “doesto do poder diretivo do empregador”. A decisão argumenta que “o Tribunal Superior do Trabalho tem entendido que a restrição pelo empregador ao uso de banheiro pelos seus empregados fere o princípio da honra da pessoa humana, tutelado no cláusula 1º, inciso III, da Constituição Federalista, traduzindo-se em verdadeiro doesto no manobra do poder diretivo da empresa (cláusula 2º da CLT), o que configura ato ilícito, sendo, assim, indenizável o dano moral sofrido pelos empregados.”
A decisão também enfatiza que, mesmo em relação às atividades ininterruptas, uma vez que é o caso de um hipermercado, “há que prevalecer o recta irrestrito de entrada às instalações sanitárias da empresa, durante a jornada de trabalho”. Por isso, também a enumeração do número de pausas e do tempo despendido em cada uma delas “em si mesma já constitui intolerável constrangimento e menoscabo [depreciação] à honra humana”.
Relações abusivas de trabalho e adoecimento mental
Um segurança da empresa, que entrou em contato a partir da repercussão da primeira material, revelou uma vez que era a relação com seus gerentes. “Quando nós fazíamos 10×1 e queríamos resfolgar por dois dias seguidos por ter trabalhado nos feriados, o gerente e o gerente universal chamavam os funcionários de vagabundos, que não era pra se afazer. E, ainda por cima, se reclamar, eles só falam: ‘se não gostar, pede as contas’. Sem falar que querem mandar em tudo nas nossas vidas, uma vez que namoro de cabelo e a barba”. Por termo, revelou que era criticado até quando precisava levar parentes ao hospital. “Aí, eles diziam que o funcionário não tem compromisso com a empresa.”
Uma funcionária recém-demitida, que pediu para não ser identificada, endossou a denúncia. “Quanto ao assédio moral, tive várias crises de sofreguidão. Em muitas viagens no banheiro, meninas passando mal, chorando por razão da sofreguidão e do estresse. Hoje, estou em tratamento pra depressão”. Mesmo quando oferecia atestado médico para não se subordinar ao trabalho nesta situação, a companhia invalidava caso não constasse a Classificação Internacional das Doenças (CID).
Em relação a essa exigência, também há decisão contrária do Tribunal Superior do Trabalho, que afirma “que não se pode exigir informação sobre a Classificação Internacional de Doenças (CID) em atestado médico e odontológico uma vez que requisito para o abono de faltas para empregados”. O CID é o código que identifica o diagnóstico que o paciente recebe, e sua exigência pela empresa para validar o atestado viola o recta à privacidade do empregado. A ex-funcionária descreve uma conversa com sua médica. “Minha própria médica me dizia: você não é obrigada a colocar o CID. Eu sempre falava que se não colocasse eles me cobrariam ou não aceitariam. Eu tinha que assinar no meu atestado que eu estava concordando em colocar o CID.”
Ainda sobre os efeitos destas condições de trabalho sobre a saúde mental e a honra dos trabalhadores, diversas ex-funcionárias se pronunciaram por meio das redes sociais, reiterando as denúncias feitas e dando seu relato pessoal:
“Eu trabalhei lá, tive crise de sofreguidão, síndrome do pânico. Estava pirando até que pedi destituição, graças a deus. Eu perdi boa segmento do desenvolvimento das minhas filhas.”
“Foi lá que eu adquiri meus remédios de sofreguidão e crise do pânico. Exaustão totalidade, não gostaria que meu pior inimigo trabalhasse nesse mercado, o que a gente sofre lá dentro ninguém conta.”
“Desvalorização no trabalho, sobrecarregavam, exploravam, ramal de função, já fiz graduação 12×1 (e queriam que fosse 18), em pleno período de enchente. Você não tem vida e ainda sente desrespeitado!”
“Tive que trabalhar no Zaffari por 2 anos para remunerar a faculdade, graças a essa empresa que não recomendo a ninguém, desenvolvi sofreguidão e depressão na quadra. Quase desisti da faculdade, mas achei melhor pra mim pedir destituição.”
O uso da força de trabalho de adolescentes
A contratação de adolescentes entre 16 e 18 anos de idade é permitida por lei, desde que sejam obedecidas regras específicas estabelecidas pelo Regime da Moço e do Jovem (ECA), que proíbe a alocação de menores em atividades insalubres, perigosas, penosas e noturnas. Outrossim, outras duas regras balizam a contratação de adolescentes: que os locais não sejam “prejudiciais ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social” e que permitam sua frequência escolar. Os demais direitos são regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), uma vez que para os maiores de idade.
Segundo relatos, os adolescentes contratados pela Companhia Zaffari trabalham principalmente “na frente de caixa”, com a função de empacotadores, ou operadores de caixa. Um dos entrevistados relatou que, apesar de ter em sua carteira de trabalho o registro uma vez que empacotador, é continuamente redirecionado para outras funções para “dar esteio”. “Eu já fui disposto em várias funções. Já fui pra panificação, já fui dar esteio na rua, esteio pro estacionamento, já puxei carrinho e já fiquei na restituição”. No seu contrato, porém, há uma cláusula que “regulamenta” o acúmulo de funções, onde diz que o jovem receberá o mesmo salário para treinar outras atividades, “mesmo aquelas não inerentes às funções [para a qual foi contratado]”. Assim, o salário permanece os mesmos R$1.412, com descontos que entregam murado de R$1 milénio líquido por mês.
O jovem também denunciou ser submetido a jornadas que extrapolam as 10 horas de trabalho, chegando a 11 horas e 30 minutos.
Um colega da mesma função e idade, mas de outra loja, disse ter sido promovido a operador de caixa (o que significa um aumento de R$ 300 no salário bruto), função em que ficou trabalhando durante dois meses sem ocorrer a mudança em seu contrato. Situação similar foi reiterada por outras colegas de loja, antes empacotadoras, hoje operadoras de caixa. Oriente mesmo jovem também denunciou trabalhar diversas vezes sob o regime 10×1, além de chegar a 11 horas de trabalho nos domingos e feriados “de prega”.
O limite de duas horas extras por dia é frequentemente desrespeitado pela Companhia, que utiliza do mecanismo de indemnização com o objetivo de livrar-se da obrigação de pagá-las aos funcionários. “Eles deixam acumulando só pra dispensar no termo do mês, entendeu? Daí eles liberam mais cedo”, contou o empacotador, em congraçamento com a mesma denúncia relatada na material anterior.
Estas violações de direitos, quando somadas às escalas e jornadas extenuantes de trabalho, têm impacto direto sobre o recta ao desenvolvimento social e escolar dos adolescentes. Ainda que respeite os limites de horários (que, por lei, não podem trabalhar das 22h às 5h), a rotina exaustiva sufoca os estudos e frequentemente coloca os jovens sob o dilema de largá-los ou não.
“No domingo eu trabalho das 9h às 20h, chego entre 22h e 23h em moradia, vou manducar e dormir, pras 5h, 6h da manhã estar de pé de novo. É complicado, mas eu preciso pra me sustentar.” Segundo ele, não há tempo para estudar ou fazer trabalhos escolares. “Nem estudo. Se estudo é meia hora antes de entrar na lição. Não tenho tempo pra estudar. E na minha folga, que seria o dia que eu tenho pra estudar, tenho que arrumar a moradia e resolver os problemas que deixei de lado durante a semana”, explicou. “Já pensei em largar, mas graças a Deus não fiz isso.”
Na mesma entrevista em que perguntamos sobre a regulação da jornada de trabalho, Valdete Souto Severo, doutora em recta do trabalho pela Universidade de São Paulo (USP), salientou a valia do reverência à norma constitucional, seja quando fixa jornada máxima (de 8h ou de 6h), seja quando protege a puerícia e a juventude. “Quero enfatizar que a reflexão a ser feita é sobre o tipo de sociedade em que queremos viver. A realização de horas extras com habitualidade, além de ser um contrassenso, pois torna essas horas ordinárias na vida do trabalhador, prejudica toda a comunidade. Tem direta relação com o orfandade do estudo, com a dificuldade em se especificar em alguma profissão”.
A resposta da Companhia Zaffari
Em nota ao Brasil de Trajo RS, o legisperito da Companhia Zaffari, Flávio Obino Rebento, afirmou “que os acordos coletivos de trabalho que envolvem mais de setecentas empresas do negócio de Porto Contente não estabelecem a dita graduação 10×1. Os acordos contêm a obrigação de licença pelas empresas de repouso semanal remunerado na semana iniciada na segunda feira e que se encerra no domingo. Estabelecem, ainda, que o número de dias de trabalho corridos não ultrapasse 10 (dez). Assim, normalmente, considerando o período de um mês, ocorre uma sequência de 10, 2, 6 e 6 dias de trabalho antes de cada repouso. A Companhia Zaffari tem o mesmo congraçamento com o Ministério Público do Trabalho estabelecendo idêntico formato de sota semanal remunerado. O congraçamento foi homologado pela Justiça do Trabalho e está vigente. Quanto a posição do Sindec de renegociar durante o ano de 2025 os mais de 700 acordos coletivos em negociações que são assistidas pelos sindicatos empresariais, a Companhia Zaffari, chamada, certamente acompanhará o procedimento negocial. A negociação coletiva é sempre o caminho para a solução de eventual conflito trabalhista”.
Recebemos relatos de que a empresa iniciou uma movimentação interna para modificar a graduação. Segundo funcionários de diferentes lojas, foi anunciado que a graduação seria limitada a 6×1, só haveria trabalho em dois domingos consecutivos e os adolescentes não participariam mais dos “dias de prega”, a que também eram submetidos até logo (sextas, sábados e domingos em que as horas extras são obrigatórias, chegando a 11h trabalhadas).
No entanto, ainda há suspeição por segmento dos trabalhadores que avaliam esta medida uma vez que um “extintor de incêndio”. Os entrevistados temem que a empresa faça isso agora e, quando “diminuir a poeira, vai voltar tudo igual uma vez que é hoje”.
O presidente do Sindicato dos Empregados no Transacção de Porto Contente (Sindec-Poa), Nilton Neco, falou ao GZH que não renovará, em 2025, o congraçamento que permite a extensão da jornada para 10 dias de trabalho. Segundo ele, a decisão foi tomada em função da posição favorável do sindicato à luta pela redução da jornada de trabalho. O sindicato foi questionado sobre as novas denúncias e respondeu que a entidade dispõe de canais de denúncias permanentemente abertos, além de ter equipes de fiscalização circulando pelas empresas para inspecionar as condições de trabalho.
Manifestações no interno das lojas
Nos dias 5 e 6, foram realizadas manifestações no interno das lojas da Avenida Ipiranga e da Rua Lima e Silva. Partidos políticos de esquerda e movimentos sociais se uniram estendendo faixas e denunciando as condições de trabalho da empresa. Segundo os organizadores, as manifestações contaram com esteio dos consumidores e dos próprios trabalhadores, “que apesar da pressão e constrangimento dos superiores para não se manifestar, reiteraram as denúncias feitas pelos manifestantes”.
Na sexta-feira (13), mesmo com chuva, também aconteceu um ato pelo termo da graduação 6×1 e pela redução da jornada de trabalho sem redução salarial na Esquina Democrática, no meio de Porto Contente. Já para o dia 20/12, foi convocada mais uma Revelação Vernáculo pelo Termo da Graduação 6×1.
Manadeira: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Katia Marko