Em seguida as investigações da Polícia Federalista (PF) revelarem que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) era figura medial da trama golpista que chegou a planejar o assassínio de diferentes autoridades da República, o deputado federalista Ivan Valente (Psol-SP) defendeu que o ex-capitão e aliados mais próximos sejam presos para remunerar pelos crimes. Bolsonaro e mais 36 pessoas foram indiciadas pela PF na última semana por tentativa de golpe de Estado. O líder de extrema direita também é investigado por extermínio do Estado democrático de Recta e organização criminosa.
Despacho oferecido na terça (26) pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no Supremo Tribunal Federalista (STF), encaminhou o relatório da PF para a Procuradoria-Universal da República (PGR), órgão administrativo do Ministério Público Federalista (MPF), ao qual cabe arquivar o caso ou apresentar uma denúncia contra os personagens envolvidos na trama. “Acho que a consequência mais imediata que se deveria ter a partir desse conjunto de informações – não só sobre a tentativa de golpe, e foram várias, mas sobre o planejamento dos assassinatos – era legislar a prisão preventiva do Bolsonaro e pelo menos dos generais Braga Netto e Augusto Heleno, que formariam o gabinete de crise. Insisto para que o Paulo Gonet [procurador-geral da República] denuncie esses três e que o Moraes decrete a prisão preventiva”, defende o parlamentar.
Nome de resistência à ditadura civil-militar no Brasil, Ivan Valente foi perseguido, recluso e torturado na estação do regime por sua oposição à conduta autoritária dos generais. Anistiado político desde março do ano pretérito, o psolista se tornou, a partir da dezena de 1960, uma das principais vozes do campo da esquerda na resguardo do sistema democrático. Agora, diante das investigações que miram Bolsonaro e aliados em sua jornada pela desestabilização da democracia, o parlamentar entende que as apurações da polícia mostram o caráter do grupo.
“O conjunto de provas é tão substantivo, tão lógico, tão objetivo, que a gente poderia até falar que o roteiro do golpe começa no primeiro dia do governo Bolsonaro. Aliás, começa até antes: começa com o Eduardo Bolsonaro [deputado federal e filho do ex-capitão] falando [em outubro de 2018] que, para fechar o STF, precisaria unicamente ‘de um cabo e um soldado e não precisa de jipe’. Logo, com o conjunto probatório, com 36 vídeos que agora estão expostos e 884 páginas de conspiração [do relatório], a gente chegou à cúpula militar”, destaca Valente, ao mencionar a sisudez do enredo envolvendo o planejamento do golpe.
“Do cocuruto comando [militar], quase saiu um golpe. Cinco deles eram contrários e três eram radicalmente em prol e os outros estavam numa posição ‘cômoda’, uma vez que falou um general, dizendo que eles poderiam aderir. Isso mostra que eles estavam dispostos a tudo e que o Bolsonaro, nos três meses em que ele ficou esperando transpor do país, conspirou dia e noite, todo dia, com hacker, com generais do Tropa, com reunião da cúpula [envolvendo] Aviação, Tropa e Marinha. O da Marinha aderiu ao golpe imediatamente e os outros dois disseram que não dava”, resgata Valente, ao ressaltar trechos do relatório da PF, de quem siglo foi levantado pelo STF também na terça (26).
“O Bolsonaro manipulou pessoalmente a minuta do golpe, portanto, não dá pra não expressar que o Bolsonaro não seja o comandante disso tudo. Ele incentivou, insuflou durante os quatro anos do procuração – no dia 7 de Setembro, por exemplo, nos atentados do dia da diplomação do Lula [em 2022], etc. Ele está por trás de tudo. E agora os bolsonaristas estão desesperados e estão criando uma narrativa, culpando o STF, quando, na verdade, a investigação da PF é robusta. Tanto é logo que, mesmo os órgãos de informação neoliberais assumiram a versão da PF. Logo, o que está faltando é se aligeirar o processo. Acho que isso começaria com a prisão preventiva do Bolsonaro”, defende.
O psolista reforça também a resguardo pelas prisões de Augusto Heleno e Braga Netto, que tiveram participação-chave no processo, segundo as apurações da PF. “É preciso tirar esses três de circulação para se iniciar a inibir isso. E os deputados que defendem o golpe cá deveriam também ser acionados na Justiça porque quem defende termo do Estado democrático de recta, quem mente na tribuna do Congresso Vernáculo deveria ser imediatamente denunciado, inclusive recluso. Isso não é liberdade de opinião.”
Terreno fértil
Ao olhar pelo retrovisor, Ivan Valente procura na história recente do Brasil e do mundo o que considera ser uma explicação para o cenário que levou Bolsonaro e outros atores a arquitetarem um golpe de Estado. “O que houve no Brasil desde 2013 é a escandalização da identidade da extrema direita, e o Bolsonaro foi o veículo deles. A Lava Jato foi o segundo. Eles se cruzaram quando o Bolsonaro foi candidato e o próprio Moro virou o ministro da Justiça dele”, resgata.
“Logo, o que acontece? Houve um progresso da extrema direita, e não foi só cá. Tivemos o Trump [Nos Estados Unidos] de 2016 a 2020, tivemos o Viktor Orbán, na Hungria, mas você tem também um propagação da extrema direita na Itália, na França, na Suécia, na Áustria, na Holanda e agora na Argentina, nosso vizinho. O pensamento de direita que se aproxima do fascismo europeu ganhou asas pelo conservadorismo que estava deprimido, pelo ressentimento. Isso tudo gerou o caldo de cultura e o esgoto bolsonarista. Agora, nós não podemos de forma nenhuma admitir isso. O bolsonarismo precisa voltar pro bueiro e precisamos reconstituir a sociedade em outros parâmetros de diálogo, uma vez que se fez no Uruguai agora”, equipara Valente.
Riscos
O psolista sublinha que o Brasil segue sob os riscos ligados à extrema direita. “Eles continuam na combate em 2026. Nós não nos livramos do risco, por isso a impunidade e a anistia seriam o pior caminho a trilhar porque a extrema direita é insaciável. Logo, temos que puni-los exemplarmente, proteger a democracia no país e tentar mondar aos poucos esse manancial de ideias da extrema direita. Isso só vai ser provável se a gente regular as redes sociais porque 40% da sociedade se informam somente pelas mentiras subterrâneas das redes.”
“Bolsonarização do centrão”
O contexto recente da Câmara dos Deputados também é substrato para as explicações que o psolista articula ao mencionar a trama golpista de Bolsonaro. O presidente da Vivenda, Arthur Lira (PP-AL), não se pronunciou publicamente nas últimas semanas diante do atentado provocado pelo homem-bomba Francisco Wanderley Luiz ao STF nem diante das revelações trazidas à tona pela PF a saudação do planejamento do golpe de Estado almejado por Bolsonaro e aliados.
“É uma vergonha para a pátria brasileira que o Lira, patrão de um Poder, não tenha se pronunciado. Estamos falando do planejamento do assassínio de algumas das maiores autoridades do país. É uma vergonha o que Lira faz o Congresso Vernáculo passar. Mal ou muito, o Rodrigo Pacheco [presidente do Senado] deu alguma enunciação, mas Lira faz questão de manter o silêncio. Não se silencia diante de tentativa de golpe de Estado e de assassínio. Ele não abriu a boca”, critica Valente. O psolista realça que a postura do pepista não pode ser dissociada do atual contexto que circunda o centrão, grupo da direita liberal que apoiou a gestão Bolsonaro.
“Lira é acompanhando pelos líderes partidários do centrão e pelos presidentes dos partidos do segmento. Ou seja, pra eles, o que interessa é seleccionar o próximo presidente. Eles não são capazes de soltarem uma nota condenando um planejamento de golpe de Estado, a violência, o planejamento de um assassínio. Isso fala cocuruto sobre a bolsonarização que houve do centrão. Até dez anos detrás não era esse o perfil. Era um grupo associado à conduta de se apropriar do Estado, mamar nas tetas do Estado, buscar cargos, etc. Agora, não. Eles também se ideologizaram. Não é à toa que o Valdemar Costa Neto [presidente nacional do PL] foi indiciado pela PF. Ele é o típico político do centrão – apoiou o Lula em 2002, por exemplo –, mas hoje veja do que ele é capaz”, ressalta Ivan Valente.
O relatório da Polícia Federalista aponta que Valdemar Costa Neto teria atuado “de forma coordenada” para tentar anular o resultado das eleições de 2022 e resguardar Jair Bolsonaro no poder à revelia da lei. Ele foi indiciado pelos crimes de associação criminosa e tentativa de extermínio violenta do Estado Democrático de Recta.
Edição: Geisa Marques