Na manhã do último domingo (24), as cinzas póstumas de Nalu Faria, militante feminista e socialista da Marcha Mundial de Mulheres (MMM), foram levadas para a Escola Vernáculo Florestan Fernandes (ENFF), do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terreno (MST). Nalu, um dos principais nomes do movimento feminista no país, faleceu por problemas de saúde aos 64 anos, em 6 outubro de 2023.
A cerimônia em Guararema (SP) aconteceu no Germinal, espaço na ENFF onde são depositadas as cinzas de pensadores e ativistas. O nome faz referência àquilo que se enterra, mas que faz dimanar, que continua e que, de outra maneira, segue vivo.
Agora, as cinzas de Nalu estão ao lado das de outras 12 pessoas, entre as quais o sociólogo Francisco de Oliveira, a professora Lisete Arelaro, o artista e educador Révero Ribeiro e a psicóloga chilena Marta Harnecker.
A homenagem à Nalu teve a presença de seus filhos, amigos, de integrantes da MMM, da Sempreviva Organização Feminista (SOF), do Partido dos Trabalhadores (PT) – três organizações da qual fez secção -, do MST e de outros movimentos populares. Com um retrato seu em mãos, as participantes plantaram um pé de quaresmeira, cuja flor é lilás, uma vez que a bandeira do movimento ao qual Nalu se dedicou por toda a vida.
“Foi bastante emocionante, teve música, teve verso, a gente fez lá uma lesma do tempo, olhando para trás e resgatando a memória da imposto da Nalu”, conta a engenheira agrônoma Miriam Transcendente, também da SOF e da MMM.
“Nalu contribuiu muito nos processos de formação da escola, no diálogo com mulheres do MST, da Via Campesina. Acho que não podia estar em melhor lugar”, observa Miriam.
A visão integrada de Nalu
Procedente de Uberaba (MG), Nalu Faria se formou em psicologia no termo da dezena de 1970, quando começou sua militância no movimento estudantil e na luta pelo passe livre no transporte no triângulo mineiro. Em 1980, segundo conta em uma entrevista à Revista Estudos Feministas em 2012, Nalu participou da primeira sintoma de um 8 de março e, a partir daí, não se afastou mais da luta por paridade de gênero.
Se mudou para São Paulo em 1983 e, ainda durante a ditadura, se envolveu na construção do PT. Ao longo da sua trajetória se tornou referência em instrução popular feminista. Nalu Faria defendia que a leitura sátira sobre as desigualdades de gênero deve ser fundamental em todas as elaborações da luta política, deixando de ser alguma coisa específico, secundário ou a incumbência somente das mulheres.
“A preço dela foi justamente juntar a luta feminista com a luta socialista. Portanto, antes de a gente usar esse termo interseccionalidade, a gente trabalhava com a teoria de consubstancialidade: a relação entre classe e gênero”, conta Miriam Transcendente.
“Nalu já praticava isso, pensando na construção do feminismo a partir da luta das mulheres populares. Enquanto que o feminismo muitas vezes tinha uma visão assim um pouco elitista, de considerar que algumas lutas eram feministas e outras não, Nalu percebia o feminismo uma vez que teor de enfrentamento da ordem patriarcal que as donas de morada faziam na luta quanto a carestia, no final dos anos 1980”, relata Transcendente.
“Portanto, ela tinha essa visão integrada”, resume Miriam, ao lembrar que, depois, a Marcha Mundial das Mulheres formulou a teoria em um slogan circundar: “Mudar a vida das mulheres para mudar o mundo, para mudar a vida das mulheres”.
Em um cláusula escrito logo depois de sua morte, as ativistas da MMM Tica Trigueiro e Maria Fernanda Marcelino descrevem que Nalu discutia “ensejo política e econômica, propostas para o Brasil, de integração regional e soberania dos povos, de luta imperialista, sempre a partir do feminismo”.
Site memorial da Nalu será lançado
No próximo domingo, 1 de dezembro, data em que Nalu nasceu, será lançada uma página memorial na internet. O site, organizado pela SOF, deve reunir anotações, artigos, fotos, vídeos e entrevistas de Nalu Faria.
Helena Zelic, poeta, jornalista do Capire e ativista da MMM, é uma das que tem trabalhado no pilha do memorial. Durante a cerimônia na ENFF, leu em voz subida um poema que fez ao se debruçar sobre o legado deixado por Nalu Faria:
Ler, ortografar
um nó no tempo
acontece a cada
vez que abro
um caderno dela
“que definições tomar”?
pergunta uma Nalu de 40 anos
cada vez que acho uma novidade ela
um olhar esperançoso
a uma câmera passada
“que sentimento tenho agora?”
pergunta uma Nalu de 56 anos
a cada rombo
de caderno caixa ou álbum
pedaço de papel
riscado em roxo
um nó
no tempo chamado
memória
cometa
imaginação
revérbero
de repente
lá vem ela
de novo de corpo
presente
“o que posso esperar
sonhar, planejar
para o porvir?
ler, ortografar”
ela pergunta
ela responde
Edição: Martina Medina