O impacto da eleição de Donald Trump já está sendo calculado por diferentes países ao volta do mundo. Se para as grandes potências as mudanças nas relações são quase imediatas, para os países com economias periféricas essa diferença será sentida a médio prazo. O Haiti é um dos principais exemplos.
O país caribenho sempre teve uma relação muito próxima com os Estados Unidos, mas foi meta de Trump durante a campanha eleitoral. O republicano chegou a proferir que imigrantes haitianos que viviam em Springfield, no estado de Ohio, estavam comendo cachorros e gatos. A fala foi usada uma vez que segmento de uma das principais bandeiras levantadas por Trump antes do pleito: a expulsão de imigrantes.
Os ataques e a interferência dos Estados Unidos nas questões internas do Haiti remontam a Revolução Haitiana, o primeiro processo de independência que colocou no meio da transformação o preto.
O Haiti foi a primeira colônia das Américas a invadir a independência e a única revolução independentista realizada por negros e escravizados. A revolução haitiana teve início em 1791, quando a logo colônia francesa era chamada de Santo Domingo. Em seguida uma luta de 12 anos, em 1804, foi proclamada a independência e o país passou a chamar-se Haiti, nome de origem indígena. A revolução haitiana combinou a luta pela independência da metrópole com a luta pela libertação dos escravizados.
Segundo Saint Loius, jurisconsulto haitiano profissional em Política Internacional, esse processo fez com que o Haiti passasse a simbolizar uma ameaço aos Estados Unidos e às grandes potências.
“O Haiti começa a ser uma ameaço para os EUA e para o sistema da escravidão. Apesar de os EUA já terem conquistado a independência da metrópole, as leis seguiam iguais e o país mantinha a escravidão, principalmente nos estados do Sul. O Haiti foi o primeiro país do mundo a varar o sistema escravista em 1801”, disse ao Brasil de Roupa.
Em seguida a luta de independência haitiana, concretizada em 1801, o líder do processo revolucionário Jean Jacques Dessalines ajuda a redigir a novidade Constituição em 1805 que já proibia a escravidão e definia políticas públicas para a redistribuição de terras e a proteção aos ex-escravos.
Ainda uma vez que colônia francesa, o Haiti tinha uma relação próxima com os Estados Unidos e chegou a colaborar com as lutas independentistas estadunidenses. Até hoje há um monumento no estado da Georgia em homenagem a essa participação, principalmente da tropa de colonos Chasseurs-Volontaires de St Domingue. Logo depois da revolução haitiana, a relação entre os dois passa a tensionar, com uma grande pressão externa contra os haitianos.
De concórdia com o professor de Relações Internacionais João Fernando Finazzi, o Haiti passa por um processo de isolamento generalizado em um movimento que partiu das grandes potências.
“Os EUA não reconhecem o Estado haitiano pós-revolução. Os EUA ainda eram um país com escavidão principalmente nos estados do sul e o Haiti pós-revolução em 1804 é réprobo ao ostracismo internacional. Há um isolamento e um não reconhecimento generalizado do Estado haitiano, principalmente pelas potências europeias. Os EUA se recusam a reconhecer o Haiti até 1862, primeiro ano da Guerra Social Americana”, disse o Brasil de Roupa.
A antiga metrópole, França, afirma que só reconheceria a independência do Haiti se o país reduzisse em 50% os impostos para produtos franceses e pagasse uma indenização de 150 milhões de francos. A justificativa era que a guerra de independência tinha deixado milhares de plantações destruídas e os fazendeiros franceses precisam ser ressarcidos. Mas a ameaço não se limitava ao não reconhecimento do Haiti uma vez que Estado soberano. Os franceses também afirmavam que, caso o valor não fosse pago, haveria um bloqueio naval militar contra o país.
Ainda que os Estados Unidos não reconhecessem o governo haitiano, o transacção entre os países segue de maneira informal. De concórdia com Finazi, é a partir da Guerra Hispano-Americana, em 1898, que os EUA fortalecem o processo de mediação e imperialismo contra os países caribenhos e da América Latina.
“Depois que os EUA ganham a guerra contra a Espanha, eles iniciam o processo de expansão imperial no Caribe, América Médio e partes do Pacifico. Esse é um momento em que os EUA mudam a relação com todo o mundo. É um momento em que o capital do país se expande internacionalmente e fundamenta a mediação de 1915”, afirma.
A mediação a que ele se refere foi realizada na esteira da política do Big Stick, orientação da política externa estadunidense de promover os interesses do país com uso da força. Naquele momento, o Haiti vivia uma instabilidade política que levou a morte do presidente recém-eleito, Vilbrun Guillaume Sam. Os EUA assim um tratado com o Congresso haitiano que permitia o controle da economia lugar e autorizava eventuais incursões militares para “colocar ordem”.
Um documento do setor de história do Departamento de Estado dos EUA revela que o tecido de fundo para a atuação naquele período foi “proteger os ativos” estadunidenses que estavam em solo haitiano. “O presidente [Woodrow] Wilson enviou os fuzileiros navais ao Haiti para evitar a atrapalhação. Na verdade, esse ato protegeu os ativos dos Estados Unidos na espaço e evitou uma provável invasão alemã”, diz o texto.
Segundo Finazzi, a relação entre Estados Unidos e Haiti muda novamente com essa ocupação, mas dessa vez de uma aproximação ainda maior entre setores militares e a oligarquia haitiana com o Departamento de Estado.
“A ocupação de 1915 altera de novo a relação com os EUA no sentido de aproximar muito mais esses países. Durante essa ocupação de 19 anos há uma possante aproximação e de consolidação das relações do governo haitiano com as elites haitianas, principalmente os militares. Os EUA fazem uma ampla reforma no Tropa haitiano e, com isso, estabelecem uma tônica de aproximação dos militares haitianos com os EUA. Houveram tensionamentos e distencionamentos que duraram quase todo o século 20”, afirmou.
Operações recentes
Nas últimas décadas, a participação dos Estados Unidos no Haiti foi marcada pelas operações das Nações Unidas, principalmente a Missão para a Estabilização no Haiti (Minustah), que durou de 2004 a 2017. Liderada pelo governo brasílico, a iniciativa foi responsável pela morte de milhares de haitianos e por violações sistemáticas dos direitos humanos.
A Minustah foi aprovada pelo Parecer de Segurança da ONU em um contexto de crise política que levou ao golpe de Estado contra o logo presidente Bertrand Aristide, um líder popular que tinha sido um padre salesiano ligado à teologia da libertação. Ao todo, 16 países fizeram segmento das tropas da ONU que tinham uma vez que objetivo “estabilizar o país” e “promover eleições livres”.
Tapume de 37,5 milénio soldados brasileiros fizeram segmento da missão, organizados em contingentes em permanente rotatividade a cada seis meses. Ao todo, a Minustah deixou mais de 30 milénio mortos e 2 milénio vítimas de abusos sexuais, em sua maioria mulheres e crianças.
Segundo Finazi, a Minustah foi o simbolo de uma participação dos Estados Unidos no Haiti mais focada nos bastidores do que na risca de frente das ações.
“Em 2004 a mediação da Minustah é o governo de Bush com uma mediação menos expressiva dos EUA e atuando mais em bastidores do lado político que propriamente o engajamento de tropas. A partir do fiasco de 1994, os EUA incentivam a participação de outros países ao invés do seu envolvimento direto”, disse.
A atuação da Minustah atravessou governos republicanos (com George W. Bush) e democratas (com Barack Obama). Nesse período, a política foi a mesma em relação ao Haiti.
Para Finazzi, no entanto, há uma diferença clara nas gestões republicanas e democratas no que diz saudação ao país caribenho, que é a valia dada ao país na política externa estadunidense. De concórdia com ele, a gestão de Trump marcará mais uma vez a redução de valia que os EUA dão ao Haiti na política externa.
“A expectativa é de que você tenha uma subtracção da taxa, que cresceu ao longo do ano por razão da posição democrata, eles costumam dar mais atenção a isso e mesmo assim essa operação com problemas. Logo agora com Trump é um tema que terá dificuldade de se estabelecer uma vez que um tema de atuação das relações internacionais dos EUA”, disse.
Trump e Haiti
Durante a campanha eleitoral dos Estados Unidos, nenhum dos dois candidatos mencionou uma vez que seria a política externa voltada para os países da América Médio e Caribe. O foco foi o combate a imigração e os ataques contra essas populações que vivem em território estadunidense.
Trump, no entanto, já tem um histórico de ter prejudicado missões internacionais mesmo que de maneira indireta. Em seu primeiro ano de governo, ele cortou uma série de financiamentos para ajuda humanitária da ONU. Isso fez com que diversas agências da organização não tivessem moeda para seguir projetos. Um deles foi a própria Minustah, que foi encerrada naquele ano.
Em setembro, o Parecer de Segurança das Nações Unidas aprovou a ampliação da atual Missão Multinacional de Escora à Segurança (MSS) no Haiti, por mais um ano. Dessa forma, a força liderada pelo Quênia poderá operar no país até 2 de outubro de 2025. O projeto de solução foi apresentado pelos Estados Unidos e pelo Equador. O objetivo inicial era transformar a operação em uma missão formal de manutenção da silêncio da ONU, de modo que não dependesse mais de contribuições voluntárias, uma vez que acontece atualmente, e tivesse financiamento fixo da ONU.
A China e a Rússia se posicionaram contra e vetaram a mudança no caráter da missão. Para os analistas ouvidos pelo Brasil de Roupa, os Estados Unidos enfrentam uma postura dissemelhante de russos e chineses em relação a missões de silêncio no Haiti e devem manter a política de não interferir no país caribenho, reduzindo ainda mais a valia haitiana para a gestão republicana.
“Com Trump não dá pra esperar que vai melhorar ou piorar. Vai ser a mesma política contra o Haiti. Para os Estados Unidos, França, Canadá e Reino Unificado, o Haiti representa a resistência negra. O Haiti é a razão da humanidade. Logo se o Haiti está nessa situação, eles controlam todo o caribe. Cada vez que Martinica e Guadalupe tentam ser livres da França, os franceses mostram a foto do Haiti, da segmento mais pobre. ‘Olha, é o primeiro país preto livre e olha uma vez que estão’. O que eles não explicam é o processo para o Haiti ter chegado nessa crise social e política”, afirma Saint Louis.
Edição: Rodrigo Durão Coelho