Com a reabertura da Terreiro da Estação, que passou por reformas no último período, a Praia da Estação, movimento cultural da capital mineira, também voltou. Mas você conhece a história da praia?
No termo de 2009, o portanto prefeito de Belo Horizonte Marcio Lacerda editou um decreto que proibia eventos de qualquer natureza na Terreiro da Estação, alegando “dificuldade em limitar o número de pessoas e prometer a segurança pública”.
O decreto passaria a valer no dia 1º de janeiro de 2010, mas, contrária ao impedimento que a norma simbolizava, uma semana posteriormente a sua promulgação, a população da cidade se organizou para tomar a rossio. Nasceu daí a Praia da Estação.
Ocupação cultural
A praia brinca com a privação de mar na terreno dos mineiros e ocupa o Núcleo de BH com uma sintoma jubiloso e reivindicatória. É o que nos conta Joviano Maia, jovem que participa do evento desde a sua primeira edição.
Auto-organizada e descentralizada, a sintoma propõe que os belo-horizontinos aproveitem as fontes da rossio para se refrescar em dias de calor. Trajes de banho, cangas e cadeiras de praia tomam o espaço, junto às reivindicações de pautas sociais das mais diversas, além da presença de blocos de carnaval e de intervenções culturais múltiplas.
“A praia é festiva, carnavalesca e, ao mesmo tempo, de luta. Brinca com esse imaginário do povo mineiro de que ‘Minas não tem mar’, recriando o mar no Núcleo da cidade e se tornando um marco na apropriação do espaço público “, afirma.
“A praia nos permite viver uma utopia concreta, no concreto, e experienciar a cidade que a gente sonha, que a gente quer edificar. Uma cidade diversa, festiva, sem cerceamento, sem proibições de uso dos espaços, na qual as pessoas possam se expressar e amar livremente”, complementa.
A retomada
No dia 28 de setembro, posteriormente quase um ano fechada para reformas, a Terreiro da Estação foi palco da Praia da Estação mais uma vez. O evento teve a participação de blocos de carnaval, manifestações culturais e circenses, e reuniu centenas de pessoas, durante todo o sábado, porquê relata Nathália Guimarães, observador social e frequentadora da praia.
“Essa ocupação espontânea envolve as pessoas que passam pelo Núcleo. Elas veem uma bagunça boa acontecendo, a galera se refrescando com a chuva e a música chamando. Na edição de retomada, tinham muitas crianças e é muito lícito ver os meninos dançando, brincando e se divertindo”, descreve.
Para ela, o movimento é fundamental, pois reaviva a ocupação do espaço público da metrópole, em contraponto a uma cidade que, por vezes, é hostil à população.
“Esses movimentos de ocupação dos espaços urbanos são essenciais para finalizar com a lógica de saneamento, porquê se o Núcleo da cidade não fosse para o povo e fosse só para os carros”, continua Nathália.
Convocatória misteriosa
O evento, que perdura há quase 15 anos na capital mineira, teve uma origem misteriosa. É o que relembra Joviano.
“Surgiu uma convocatória sem assinatura, com o título ‘vá de branco’, para o dia 7 de janeiro de 2010, pouco depois da publicação do decreto, chamando para uma reunião para discutir sobre a proibição do uso da rossio”, explica.
Durante a reunião, foi sugerida a realização de uma mediação lúdica, de protesto contra a proibição do uso da rossio. Assim, no dia 17 de janeiro de 2010, menos de um mês posteriormente a interdição do sítio, o povo tomou a rossio e fez dela o seu mar.
Na quadra, o prefeito tentou reprimir o movimento, cortando o fluxo de chuva das fontes da rossio durante os dias de praia, o que provocou a organização de uma arrecadação financeira coletiva para custear a contratação de caminhões-pipa.
“O prefeito reprimiu a praia e tentou de toda forma impedir o movimento que, mesmo assim, cresceu e ganhou muita adesão. Em uma quadra de muito calor, a praia veio fabricar esse espaço de encontro, interação e alegria”, relembra Joviano.
Praia e carnaval
Com o sucesso, o evento foi se repetindo ao longo dos anos, sempre de forma autônoma e espontânea. Joviano também relembra que o movimento ajudou a reacender o carnaval em Belo Horizonte.
“A Praia da Estação marcou a nossa geração e o revérbero mais nítido, inesperado e evidente disso é o carnaval, que explodiu em Belo Horizonte, com milhões de pessoas, atraindo gente do Brasil inteiro”, afirma.
A praia se consolidou, inclusive, porquê um conjunto carnavalesco, o Conjunto da Praia, que conta com uma bateria ocasião e nivelado.
A prestígio política
Por se tratar de um movimento quase natural, a praia consegue abranger diversos nichos do espectro político, reivindicando causas ligadas à paridade social e, ao longo dos quase 15 anos, agregou diversas lutas da cidade.
“Anarquistas, autonomistas, militantes partidários, agentes culturais, foliões de carnaval e pessoas comuns transeuntes. A adesão foi grande também por ter esse paisagem lúdrico, festivo e dissemelhante”, explica Joviano.
A quadra do início do movimento foi também um período de grande efervescência cultural na cidade, perpassado por importantes lutas populares, porquê a Ocupação Dandara, um marco da luta por moradia em Belo Horizonte, que hoje está regularizada, na região do bairro Firmamento Azul.
Com a brecha da rossio e a melhoria das fontes de chuva, o participante espera que o movimento aconteça com mais assiduidade. Com a recorrência de ondas de calor extremo na cidade e os claros sinais de mudanças no clima, Joviano Maia acredita que a taxa da emergência climática será incorporada ao movimento.
“Provavelmente, a praia vai continuar ocorrendo com frequência, sobretudo diante do contexto de emergência climática, de ondas de calor excessivo, e sempre que surgir alguma demanda que precise de visibilidade”, destaca.
A rossio
Com uma história muito antiga, a Terreiro da Estação é simbólica para a cidade. Tendo pretérito por muitas mudanças ao longo do tempo, o sítio sempre abrigou shows, atos políticos e eventos culturais, porquê o Arraiá de Belô. Joviano Maia também destaca o peso histórico do sítio.
“A estação ferroviária, que fica no sítio, foi fundamental para trazer os trabalhadores que se empenharam na construção da capital, a primeira cidade moderna do início da república”, relembra.
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