“É indignação o que a gente tem”, resumiu o sobrevivente do Massacre do Carandiru, Maurício Monteiro, diante da decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) de extinguir as penas dos 69 policiais condenados – e ainda vivos – pela mais emblemática chacina do sistema prisional brasílico.
A decisão da Quarta Câmara de Recta Criminal do TJ-SP foi proferida exatamente no 2 de outubro, quando o massacre completou 32 anos. A data é tradicionalmente marcada por atividades de familiares, sobreviventes e movimentos abolicionistas em resguardo da memória e de justiça.
Quando saiu a decisão judicial, Maurício participava de uma roda de conversa do núcleo Memórias Carandiru, no Parque da Juventude, na Zona Setentrião da capital paulista, onde antes estava erguida a Vivenda de Detenção. Décadas detrás, aos 19 anos, ele foi encarcerado ali. Para Maurício, a notícia deu àquela quarta-feira o sabor amargo de que a já distante possibilidade de alguém ser responsabilizado pelo incidente deu mais um passo detrás.
O desembargador Roberto Porto, relator do caso, validou o indulto oferecido aos policiais militares (PMs) em 2022 pelo portanto presidente Jair Bolsonaro (PL). Porto foi seguido por seus colegas Luis Soares de Mello, Camilo Léllis e Edison Brandão.
No entendimento dos desembargadores do TJ-SP, o indulto natalino é constitucional, pois, em 1992, quando o massacre aconteceu, os crimes que mataram ao menos 111 pessoas ainda não eram considerados hediondos.
“Nesses termos, é imperioso declarar-se a extinção da punibilidade, pelo indulto, das penas corporais impostas a todos os réus desta ação penal”, determinou o desembargador Roberto Porto.
“Quer respaldar a ultra direita”
“Eu vejo essa decisão do TJ de São Paulo uma vez que eleitoreira e muito perigosa para a escalada da violência contra as pessoas em vulnerabilidade”, avalia Maurício Monteiro, integrante da Frente de Sobreviventes do Cárcere. “Por conta de toda a impunidade, enquanto a gente está vendo chacina detrás de chacina, essas benesses podem servir de base para outros casos que estão em via de julgamento”, diz.
“Eles querem dar respaldo às decisões de uma ultra direita, pensando, sim, em um horizonte político. E aí eles estão dizendo claramente qual a bandeira de segurança pública é apoiada, né?”, argumenta Maurício.
O que fez a Quarta Câmara foi ratificar a decisão tomada pelo Órgão Peculiar do mesmo TJ-SP no último 7 de agosto. Dos tapume de 350 PMs que participaram do Massacre do Carandiru, 74 foram condenados em júris populares, com penas variando de 48 a 624 anos. De lá para cá, cinco policiais já morreram e os outros seguem aguardando o desenrolar das idas e vindas da justiça em liberdade. Agora, com o indulto respaldado.
Processo judicial
O Ministério Público de São Paulo recorreu da decisão do TJ-SP pedindo a sua anulação. Assinado pelo procurador Mauricio Antonio Ribeiro Lopes, o documento do último 7 de outubro argumenta que a decisão foi tomada sem a prévia revelação do MP-SP, um tanto “vedado pelos Tribunais Superiores”.
Apesar de ser levante o mais novo capítulo sobre o caso, não será o último. No mesmo mês de dezembro de 2022, quando Bolsonaro anistiou os policiais no extinguir das luzes de seu procuração, a Procuradoria Universal da República (PGR) entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federalista (STF) alegando a inconstitucionalidade do indulto.
Depois da aposentadoria da ministra Rosa Weber, quem assumiu a relatoria da ação foi Luiz Fux. Em junho deste ano, o ministro determinou que o Órgão Peculiar do TJ-SP prosseguisse com levante julgamento, até portanto paralisado, no aguardo da decisão da Suprema Galanteio.
Ainda que o STF depois desfaça a regra do TJ-SP, o ministro Fux achou por muito que a instância paulista do judiciário julgasse o tema por enquanto, acatando um pedido feito pela Associação Fundo de Auxílio Reciprocamente dos Militares do Estado de São Paulo (AFAM). Enquanto isso, não há data prevista para que a Suprema Galanteio se debruce sobre o tema.
Edição: Martina Medina
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