As eleições do primeiro vez de 2024 fizeram com que Porto Satisfeito (RS) ganhasse destaque pátrio. O motivo: as abstenções no pleito municipal apresentaram índices superiores ao obtido pelo primeiro disposto na disputa. Enquanto Sebastião Melo (MDB) teve 345.420 votos, as ausências somaram 345.544, representando 31,51%. Essa é a segunda vez que o índice ultrapassa os 30%. A primeira foi em 2020, no auge da pandemia, quando registrou 33,08% ausentes na votação, e, a segunda, em 2016, com 22,51%.
Em termos de conferência, entre os anos de 1984 e 2012, as abstenções oscilavam entre 12% e 16%. Na eleição de 2024, além do cimalha índice de abstenções, a capital gaúcha ainda registrou 3,33% votos nulos e 4,18% votos em branco.
O Brasil de Indumentária RS conversou com especialistas para tentar entender o motivo pelo qual a cidade que já foi referência pátrio em participação política com o Orçamento Participativo e o nascedouro do Fórum Social Mundial, tem registrado crescente privação no evento que é o vértice da democracia.
Para o observador político, professor jubilado da Universidade Federalista do Rio Grande do Sul (UFRGS) e ex-professor da Universidade Federalista do Espírito Santo (UFES), Benedito Tadeu César, o recorde pátrio de continência entre as capitais do país verificado em Porto Satisfeito tem a ver com a falta de opções consideradas viáveis pelos eleitores. “Decepcionados com Melo, eles não encontraram, entretanto, outros candidatos ou candidatas que despertassem crédito ou exaltação suficiente para mobilizá-los até as urnas.”
Mas, conforme pontua o professor, oriente fenômeno, não é novo, uma vez que ele se verificou também em 2020, quando Melo se elegeu com menos votos do que a soma das abstenções e dos votos nulos e brancos.
“A ‘solução’ de limitado prazo, ainda que parcial, é realizar um trabalho de sensibilização do eleitorado, mostrando a ele que vale a pena votar. Agora, são unicamente duas candidaturas e ambas precisam convencer o sufragista de que têm condições de resolver ou, ao menos, minorar os problemas do município e melhorar as condições de vida de seus habitantes. Estas são as principais atribuições dos prefeitos e prefeitas, e é com foco nessas questões que os eleitores votam nas eleições municipais. As questões ideológicas existem e têm peso, simples, mas elas não são determinantes nesse nível de poder”, observa.
Polarização inventada
Na avaliação da observador política Céli Pinto, possivelmente, a subida continência em Porto Satisfeito tem a ver com eleitores que não votariam no atual prefeito, mas estão entre aqueles que rejeitam a candidata do PT, Maria do Rosário.
“Ela sofreu ao longo dos anos uma muito organizada campanha das forças conservadoras do estado associando sua militância pelos direitos humanos com proteção a bandidos. Isto afasta muito as pessoas menos informadas”, pontua.
Para Céli, polarização política é uma invenção da mídia repetida sem que se pense no que se está falando. “Há uma extrema direita não democrática. Não existe outro polo desta polarização. Só o tirocínio da política, a revalorização das soluções coletivas, o término da associação entre política e mal feitos pode mudar esta situação”, afirma.
Decepcionados com Melo, eles não encontraram, entretanto, outros candidatos ou candidatas que despertassem crédito ou exaltação suficiente para mobilizá-los até as urnas
Já para o observador político Rodrigo Stumpf Gonzalez, uma das explicações do ressaltado índice de abstenções está na facilidade de justificativa do voto. “O voto hoje é virtualmente facultativo, já que as punições por não votar são pequenas e tendem a ter anistia periódica. Hoje é mais fácil justificar o não presença, inclusive com aplicativos, o que facilita o não presença.”
Somado a isso, prossegue, uma campanha morna, sem grande mobilização e uma expectativa criada de que Melo ganharia no primeiro vez pode ter desestimulado a participação.
Valorizar candidatos com trajetória política. Valorizar o papel dos partidos (a última reforma foi inútil) uma vez que forma de identidade política. São medidas que podem demorar muitos anos para ter resultados
Indagado se a polarização seria um dos fatores que interferiria nesta situação, ele ressalta que o que, de indumentária, prejudica, é o exposição antipolítica. “Na última dezena se intensificou a apresentação da política uma vez que um tanto ruim e os políticos uma vez que corruptos, favorecendo candidaturas de outsiders. Os partidos perderam valor e não são mais capazes de mobilizar pessoas. Os próprios candidatos escondem o partido (cadê a estrela do PT ou a rosa do PDT?). Há um patente desencanto com a democracia, com a valorização de discursos autoritários e desvalorização do voto.”
Uma perspectiva para mudar essa situação, opina Gonzalez, está em voltar a apresentar a política uma vez que um tanto positivo, uma forma pacífica de solucionar conflitos. “Valorizar candidatos com trajetória politica. Valorizar o papel dos partidos (a última reforma foi inútil) uma vez que forma de identidade política. São medidas que podem demorar muitos anos para ter resultados.”
Deslegitimação do sistema político
Para Marcelo Kunrath Silva, professor do Departamento de Sociologia da UFRGS, a explicação de um percentual de abstenções dessa magnitude envolve diversos processos, alguns de longo prazo e outros mais recentes.
Segundo o sociólogo, ao estudar as abstenções ocorridas nas últimas eleições, não se pode preterir o longo processo de conflitos e crises políticas que se estende há mais de uma dezena, tomando uma vez que marco inicial os protestos de 2013. “Nesse período, há uma potente deslegitimação do sistema político, fragilizando os partidos que eram estruturantes das disputas políticas nacionais desde os anos 1990: o PT e, mormente, o PSDB.”
Conforme destaca Marcelo, o impacto das acusações de prevaricação generalizada nos governos petistas, que marcaram os noticiários nacionais por mais de uma dezena, afetou todo o sistema político, fortalecendo a suspeição nos partidos e abrindo espaço para as opções políticas que mobilizam o exposição da “antipolítica”, uma vez que o bolsonarismo.
“Em todas as eleições nos últimos anos, há uma parcela significativa do eleitorado, às vezes majoritária, que não se identifica com nenhuma das opções apresentadas nas eleições e que, por isso, se abstém ou vota em branco, ou nulo.”
De outro lado, pontua, a pandemia e, mormente, as enchentes colocaram uma série de urgências relacionadas à vida e à sobrevivência cotidianas uma vez que preocupação medial de significavas parcelas da população. “Nesse contexto, as eleições perdem valor para populações que, na sua maioria, já não têm crédito ou expectativas positivas em relação aos partidos e à política.”
Sem identificação
“Independentemente da explicação, que envolve vários outros fatores, o que os dados das eleições parecem mostrar é um importante segmento do eleitorado que não se identifica com opções que polarizam a disputa eleitoral em Porto Satisfeito. Melo é um candidato com uma avaliação bastante ruim sobre sua gestão na Prefeitura de Porto Satisfeito, mormente posteriormente as enchentes e as diversas denúncias de prevaricação no seu governo”, destaca o perito.
Se tudo é a mesma coisa, ruim e corrupta, o resultado é que não há escolha. Cá abre-se a porta para as posições, em universal autoritárias, que mobilizam o exposição da antipolítica
Ele cita a pesquisa Atlas-Intel do final de setembro em que 61% das pessoas entrevistadas desaprovavam o governo Melo, com o soberania de opiniões negativas em todas as áreas de políticas públicas avaliadas. “Maria do Rosário, por sua vez, apresenta uma repudiação muito significativa no eleitorado porto-alegrense, tendo sua candidatura recorrentemente questionada inclusive na própria esquerda”, pontua.
Já a pesquisa Atlas-Intel mostra que ambos têm avaliações predominantemente negativas entre o eleitorado de Porto Satisfeito. “Juliana Brizola, por razões que precisariam ser avaliadas, não conseguiu se colocar uma vez que a opção para as pessoas insatisfeitas com as candidaturas de Melo e Maria do Rosário.”
Só o tirocínio da política, a revalorização das soluções coletivas, o término da associação entre política e mal feitos pode mudar esta situação
O professor ainda salienta que Melo se beneficia do antipetismo (ampliado pela repudiação pessoal a Maria do Rosário) que orienta o voto de parcelas significativas do eleitorado de Porto Satisfeito. “Sendo identificado uma vez que a escolha para ‘derrotar o PT’, ele se torna uma opção inquestionável para essa parcela do eleitorado. Isso ajuda a entender uma opção eleitoral que parece pouco razoável frente a todas as denúncias de má gestão e prevaricação que marcaram o governo Melo e, mormente, a atuação catastrófica das enchentes.”
Para ele, o resultado do primeiro vez em Porto Satisfeito mostra, de um lado, a perpetuidade da polarização ‘petismo e antipetismo’ uma vez que estruturadora da disputa eleitoral na cidade. De outro, mostra que uma parcela muito significativa do eleitorado não se identifica com essas polarizações que protagonizam a disputa e, por isso, não vota, ou vota em branco, ou nulo. “Cá há uma janela de oportunidade que a Juliana Brizola tentou, mas não conseguiu, aproveitar.”
Volver a descrença e a suspeição em relação a partidos e eleições, que está na base da continência eleitoral, é muito reptante, enfatiza. De pacto com o professor, o exposição recorrente de que “todos os políticos são iguais” e de que “a política é uma coisa suja”, que tende a parecer muito crítico, acaba sendo profundamente despolitizador.
“Esse exposição impede que se diferencie entre práticas políticas positivas e negativas. Se tudo é a mesma coisa, ruim e corrupta, o resultado é que não há escolha. Cá, abre-se a porta para as posições, em universal, autoritárias, que mobilizam o exposição da antipolítica. Ou seja, a produção de descrença e suspeição política é hoje uma estratégia de importantes atores políticos, que se fortalecem na medida em que se fragiliza o sistema político. Cá há um campo de disputa política medial.”
Um dos problemas a ser enfrentado é a centralidade que assumiu no debate político brasílio a estratégia de produção de escândalos, mormente de prevaricação. “A tentativa generalizada e contínua de produção de escândalos reforça a teoria de ‘todos são corruptos’, além de gerar uma sensação de impunidade que alimenta o ceticismo em relação à política. Ou por outra, a escandalização bloqueia o debate sobre projetos e propostas políticas”, conclui.
Manadeira: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Vivian Virissimo
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