A vantagem do atual prefeito e candidato à reeleição, Sebastião Melo (MDB), nas eleições em Porto Feliz demonstra que as enchentes que devastaram a cidade em maio deste ano não tiveram impacto negativo sobre sua imagem. O que, para o pesquisador político Jorge Branco, não significa que a questão não tenha marcado presença. Tanto que nos debates entre as candidaturas, Melo foi continuamente criticado por sua gestão na crise climática por Maria do Rosário (PT) e Juliana Brizola (PDT).
Segundo ele, as pessoas não negaram a enchente, mas chegaram à epílogo de que o prefeito fez o verosímil. “O que surpreendeu a muitos é que o prefeito da cidade, na estação da enchente, conseguiu edificar uma versão para os problemas que a cidade enfrentou e para suas próprias responsabilidades, que acabou sendo plausível e suportável para grande segmento do eleitorado”, avalia.
De convénio com Branco, a questão a ser discutida não é se Melo fez ou não, e sim quais razões levaram com que ele convencesse as pessoas de que ele não tinha responsabilidade na crise. “Isso, sim, é que é o roupa que deve ser entendido. Eu acho que, em segmento, isso se deve a um fenômeno que é global, mas que a gente está vendo no Brasil inteiro, inclusive nas eleições de São Paulo, quase que influenciando o resultado final para o segundo vez: um descolamento das eleições de uma veras objetiva.”
Para o pesquisador político, “as eleições se descolaram da própria política”. Ele frisa que as disputas estão “muito mais vinculadas a uma capacidade de convencimento ou de mudança da compreensão sobre a veras, do que propriamente de debates políticos, de alianças, de construção de espeque social com determinados setores, sejam eles empresariais, de trabalhadores, à esquerda, à direita”.
“Um dos elementos que nós temos que compreender é fruto desse excesso de versões, contraversões, mentiras, também conhecidas uma vez que fake news. As eleições se descolaram em segmento da veras. As pessoas vivem em determinadas circunstâncias, mas são convencidas de alguns mitos, uma vez que ‘as pessoas estão sozinhas’, ‘faça você mesmo’, ‘o Estado só atrapalha'”, exemplifica.
Para Branco, Sebastião Melo foi hábil principalmente na campanha eleitoral, com uma construção narrativa em que ele se desvinculou das responsabilidades sobre o enfrentamento da enchente.
O exegeta aponta que eleições não são compostas exclusivamente de movimentos políticos, mas principalmente de “movimentos estéticos e movimentos de convencimento”. E que “cada vez mais aumenta a prestígio do marketing e da gestão de imagem, ao mesmo tempo em que diminui a prestígio do programa político, do campo político, ou da política propriamente dita”.
Nesse sentido, prossegue, tende a lucrar eleições não necessariamente aquele ou aquela que tem a maior fala política ou a melhor capacidade política, ou as melhores propostas, mas quem tem maior domínio da guerra comunicacional.
Segundo vez
Branco discorda da visão de que segundo vez é uma novidade eleição. Ele considera a sequência da mesma eleição com a mudança de variáveis. Para ele, uma vitória da Rosário será difícil, mas é verosímil. Sobre a repudiação à candidatura, que aparece subida nas pesquisas, para ele é mais uma “questão comunicacional de técnica eleitoral” que foi construída.
“Não sei se a campanha do Rosário não acreditou demais que ela tinha esse cume índice de repudiação. Repudiação se constrói e se desconstrói. Não é um oferecido inalterável da veras. Talvez não seja nem um oferecido da veras, talvez seja um oferecido da luta eleitoral”, avalia.
Para ele, a campanha da petista deveria ter enfrentado o tema, levando em consideração que Porto Feliz votou majoritariamente no Lula em 2022. “Portanto é uma cidade que não rejeita majoritariamente as ideias democráticas, as ideias progressistas, e tinha que ir para cima delas”, sugere.
Branco acredita que faltou mais polarização nessa campanha. Mas pondera que isso não depende só da candidatura da Maria do Rosário.
Transmigração de votos de eleitores de Juliana Brizola
Para ele, a candidatura de Rosário precisará virar votos do Melo. “Mesmo a Juliana Brizola, e o seu partido PDT, compondo no campo progressista, apostando na imagem de progressista, nem todo o voto dela é um voto progressista, pré-posicionado. Acho que é dissemelhante do Camozato, que foi uma votação tão pequena, um partido de extrema direita, e que o seu votante vota na extrema direita mesmo.”
Branco observa que, no caso dos votos da Juliana, não é razoável encontrar que Rosário vai ocupar 100% dos eleitores. “Portanto, é preciso captar alguns eleitores do Melo. Eleitores que querem uma cidade habitável, que votaram no Lula, que querem um Brasil democrático, aceitam a teoria de que o Estado tem que ter políticas sociais de distribuição de renda, que o quantia público não pode ser de meia dúzia de empresas.”
Porto Feliz no contexto vernáculo
O sociólogo pontua ainda que a eleição de Porto Feliz tem que ser compreendida no contexto vernáculo, que tem em São Paulo sua grande disputa e terá um segundo vez com a presença do Guilherme Boulos (Psol). “Na verdade, nós estamos falando cá do embate entre o campo progressista e o campo reacionário. No universal, saiu vencedor o campo reacionário. Seja ele da extrema direita, até porque no Brasil o que é chamado de núcleo, hoje ou de 10 anos para cá, transitou e se deslocou para a extrema direita.”
Dessa forma, ressalta que não basta olhar as eleições somente pelos partidos. “Se o Boulos vencer, venceu o progressismo. Se o Ricardo Nunes vencer, venceu o reacionarismo no país. As eleições de Porto Feliz estarão muito coladas nisso e eu acredito que vão ser influenciadas por isso.”
Situação que, para Branco, traz uma oportunidade da candidatura da Maria do Rosário respirar. “A candidatura do Boulos vai ser uma espécie de parâmetro e líder das candidaturas progressistas, principalmente das capitais e das grandes cidades brasileiras”, conclui.
Manadeira: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Katia Marko
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