Cinco meses depois da enchente que devastou o Rio Grande do Sul, muitas famílias ainda não conseguiram retomar sua rotina. Na região das Ilhas de Porto Prazenteiro, a primeira a inundar em momentos de enxurrada, a situação é dramática. Muitos moradores sentem-se abandonados e reclamam da vagar do auxílio da prefeitura.
O Guaíba, que banha Porto Prazenteiro, nasce no Delta do Jacuí, ponto de encontro dos rios Jacuí, Sinos, Caí e Gravataí. Ali estão 16 ilhas, das quais 14 pertencem à capital gaúcha. Até a enchente deste ano, mais de 6 milénio pessoas viviam no Bairro Arquipélago, que reúne as 14 ilhas.
Ali, a tragédia climática agravou uma situação já sátira: o bairro tem historicamente um dos menores índices de desenvolvimento humano da Região Metropolitana de Porto Prazenteiro.
Muitas famílias voltaram para suas casas e tentam retomar a vida, em meio a incerteza sobre o horizonte. Outras ainda não conseguiram, porque tiveram a moradia destruída e esperam destreza do poder público.
Confira a reportagem em vídeo:
Dificuldades e incerteza com o horizonte
Na Ilhota da Pintada, a sede da Colônia de Pescadores Z5 ficou soterrada depois que as águas baixaram. Já está limpa, mas sem estrutura para realizar eventos. Segue com o suporte aos associados. Na frente, o trapiche onde os barcos atracavam desabou.
Gilmar Coelho, presidente da colônia, destaca a dificuldade que enfrentam os pescadores que vivem na região. “A situação foi muito complicada, foram muitos afetados. Tanto os pescadores foram, porquê a própria comunidade em si. Na verdade, eles pararam tudo, né? Primeiro que eles perderam desde as suas casas, seus imóveis, tudo”, conta.
O trabalho também está prejudicado. “Ainda está difícil a atividade deles, por exemplo, chuva correndo, estava correndo muito, porquê é que eles vão colocar rede para pescar? Não indicam colocar rede. E muitos nem tem mais rede, muita coisa se perdeu, muito material. Isso é uma coisa que vai levar tempo até se restabelecer totalmente.”
Há também a incerteza sobre o horizonte das moradias, que estão em avaliação no Projecto Urbanístico e Ambiental para Desenvolvimento Sustentável das Ilhas de Porto Prazenteiro. O projecto é uma parceria da prefeitura com a universidade holandesa TU-Delft e tem prazo de 18 meses para peroração.
“Vamos tentar novamente a vida, mas não sei. Nós ainda não sabemos porquê vão ser os procedimentos, se o pessoal vai permanecer, quem vai permanecer na ilhéu, quem não vai, quem quer, qual é a superfície que pode, qual não pode. Saber a gente sabe, né? Porque é uma superfície de Espaço de Proteção Ambiental (APA), e tem uma superfície de Espaço de Preservação Permanente (APP). Mas a vida toda o pessoal morou cá. E eu sou um que não vou trespassar daqui, não vou trespassar da ilhéu”, comenta Gilmar.
Barcos soterrados
Luiz Carlos Rodrigues e Juceli dos Santos são casados e vivem da pesca. Moram desde 2003 na Ilhota da Pintada e também querem seguir vivendo no sítio. Mas desde que retornaram à ilhéu, estão impedidos de trabalhar.
“Infelizmente, a gente não está conseguindo trabalhar, porque estamos com o nosso embarcação cá, nossa embarcação, que é cá da Colônia Z5, da Ilhota da Pintada, soterrado em insignificante da areia, e não tem porquê a gente estar tirando”, relata Juceli.
A pescadora conta que ela e Luiz Carlos, que já é reformado, estão tentando desenterrar o embarcação com pá e carrinho de mão. “Tá difícil, tá difícil até sobreviver, porque nós sobrevivemos da pesca. A gente tem que pescar, vender, comercializar ele pra poder remunerar conta e sobreviver.”
Sem mansão e com dificuldade de acessar programas
Na ilhéu do Pavão, a mais pobre do bairro Arquipélago, muitos ainda estão fora de suas casas, que estão destruídas ou foram levadas pelas águas. O posto de saúde, que fica ao lado da Associação Vitória da Ilhota do Pavão, não será mais reativado.
Presidenta da Associação, Sandra Ferreira, traz um relato da situação. “Nós temos muitas pessoas ainda nas barracas, muitas pessoas ainda ali na rodovia, na ingressão da ilhéu. Muitas pessoas são acampadas no seu próprio recinto, porque a mansão caiu, mas a pessoa não tem para onde ir. Outras entram em mansão de parente ou nos abrigos. Enfim, a ilhéu está espalhada.”
A Associação Vitória da Ilhota do Pavão serve almoço para crianças da região e presa suporte às famílias. Sandra ressalta que muitos moradores esbarram na burocracia ao tentar acessar benefícios e programas sociais.
“A Ilhota do Pavão, eu acho que ela já estava em questão de querer remover por se tratar de uma superfície de parque, superfície de preservação. Mas agora, no momento que tem famílias que querem trespassar, a burocracia está travando mais ainda do que a situação onde elas moram. Porque para fazer secção da compra assistida, para fazer secção do bônus moradia, enfim, de tudo que eles forem dar, que vier de auxílio do governo federalista, tem que passar por uma série de critérios”, explica.
Para ela, o Projecto Urbanístico e Ambiental em curso não tem preocupação com as pessoas que estão realmente precisando. “Porque quem tem inópia, quem está na rua, precisa de resposta para hoje, não para daqui um ano, dois anos, três anos, conforme permanecer melhor para eles.”
A liderança comunitária disse não ver preocupação com as pessoas mais pobres, porquê os ribeirinhos e cantadores que vivem no sítio. “Eu acho que eles não fazem secção desse projecto, não. Eu acho que esse projecto tá vindo com a classe média subida, daí pra cima, e a intenção realmente é tirar quem tá atrapalhando esse projeto.”
O que diz a prefeitura
Em nota, a prefeitura de Porto Prazenteiro confirmou que está em elaboração o Projecto Urbanístico e Ambiental para Desenvolvimento Sustentável das Ilhas de Porto Prazenteiro, que vai englobar as ilhas da Pintada, das Flores, do Pavão, Mauá e Ilhota Grande dos Marinheiros. Disse que está na lanço inicial, de diagnóstico, para identificar urgência de reassentamento e definir locais para a ocupação.
“Em julho, técnicos da universidade holandesa TU-Delft vistoriaram a região, acompanhados por técnicos da Prefeitura, porquê secção da cooperação bilateral, por meio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), para elaborar o Projecto. A medida faz secção do Projecto Estratégico de Reconstrução da cidade e beneficiará diretamente 6.411 moradores, em 2.853 domicílios no bairro Arquipélago (IBGE 2022)”, diz a nota.
Afirma que o projecto terá seis etapas e deve estar implementado em 18 meses, com zoneamento e projetos de urbanização, e vai relatar também com monitoramento e avaliação permanente, “incorporando a gestão de riscos e o gerenciamento de desastres, além de propor cenários futuros e estratégias de adaptação baseadas em diferentes projeções climatológicas.”
“A primeira temporada, de diagnóstico, inclui um projecto emergencial para concordar ações em curso, identificar áreas que necessitam de reassentamento e definir locais aptos para ocupação. Em seguida, será realizada uma estudo detalhada das ameaças e vulnerabilidades climáticas, focando no risco geológico, de inundação e outros hidrológicos. Com essas informações, será desenvolvido o projecto urbanístico ambiental, que abrange o zoneamento, projetos de urbanização para as áreas identificadas porquê aptas à ocupação, além de propostas para habitações adaptáveis e resilientes e a regularização fundiária”, detalha a prefeitura.
Disse ainda que 1,4 milénio famílias do bairro estão habilitadas para a Estadia Solidária e que está prestando suporte para aquelas que não querem ir para abrigos e seguem acampadas junto às rodovias. Também que há dois pontos de atendimento em saúde na região, na Ilhota da Pintada e na Ilhota dos Marinheiros, e que reabriu o restaurante popular na Ilhas da Pintada, com capacidade para 200 refeições por dia.
Nascente: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Vivian Virissimo
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