Em decisão monocrática publicada nesta terça-feira (1), o ministro do Supremo Tribunal Federalista (STF) Gilmar Mendes determinou que o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) indique cinco lideranças indígenas para conceber a percentagem de conciliação criada por ele para debater a tese ruralista do marco temporal.
No último 28 de agosto a Fala dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), principal entidade representativa do movimento indígena no país, se retirou da chamada “percentagem privativo” do STF, denunciando que a tentativa de “conciliação forçada” é mais uma “violência do Estado brasílico”.
A organização indígena argumenta que o espaço, formado por entidades ruralistas e parlamentares bolsonaristas tais porquê a ex-ministra da Lavoura Tereza Cristina (PP), é “uma farsa”, um “ataque à vida dos povos indígenas” e visa colocar em negociação direitos fundamentais. Leia na íntegra a epístola da Apib anunciando sua saída da percentagem.
Na decisão desta terça, o ministro Gilmar Mendes afirma que o “esforço voltado à autocomposição” da percentagem “não parece ter sido a tônica de alguns representantes indicados”, que estariam “atuando estritamente sob o ângulo político, unicamente voltados à divulgação em redes sociais e em desrespeito à meio dos trabalhos”.
O ministro do STF diz, ainda, que a Apib e os demais representantes indígenas se retiraram da mesa de negociações “atuando conforme lhes convêm”. Assim, Mendes determina que o MPI, comandado pela ministra Sônia Guajajara, indique um representante indígena de cada uma das cinco regiões do país para conceber a percentagem enquanto membros.
“É uma decisão extremamente grave”, avalia Dinamam Tuxá, da coordenação executiva da Apib, para quem “não compete ao Ministério dos Povos Indígenas fazer essa indicação”.
“Fazer com que o MPI faça essa indicação, sendo que o movimento indígena já tomou a sua decisão, é uma tentativa de fragilizar o movimento e tirar a legitimidade da Apib enquanto organização representativa dos povos indígenas”, afirma Dinamam.
Outrossim, segue ele, “cria-se uma situação muito complicada com o Ministério das Povos Indígenas, que se talvez fizer essas indicações, irá promover ainda mais um tensionamento com o que vem acontecendo em torno da política indigenista brasileira”.
“Estamos bastante preocupados com essa decisão e com o que ela pode ocasionar a nível de Brasil”, resume o coordenador da Apib.
O Brasil de Vestuário entrou em contato com o MPI questionando se a pasta pretende recorrer da decisão ou se vai indicar as lideranças indígenas para conceber a percentagem de conciliação. Não houve resposta até o fechamento da material. O texto será atualizado caso o posicionamento seja recebido.
Entenda as idas e vindas do marco temporal
O marco temporal é a tese defendida por ruralistas segundo a qual só poderão ser demarcadas as terras indígenas que estivessem ocupadas por seus povos originários em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
Em setembro de 2023, menos de uma semana depois de o STF sentenciar que o marco temporal é inconstitucional, em um movimento de quebreira ao judiciário, o Senado aprovou a Lei 14.701/23, que o institui.
Em vigor desde logo, a lei prevê, além do marco temporal, uma série de ataques aos direitos indígenas. Entre eles, a cooperação entre indígenas e não indígenas para explorar economicamente os territórios; maior burocratização do processo demarcatório (que hoje leva em torno de 30 anos); e a possibilidade de contradição de terras já regularizadas. O texto determina ainda que o usufruto restrito dos povos às suas terras não pode se sobrepor ao interesse “da política de resguardo”.
Pouco depois da aprovação da lei, o STF recebeu ações opostas para definir sobre a sua validade. De um lado, a Apib, a Rede Sustentabilidade e o Psol entraram com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), pleiteando a derrubada definitiva do marco temporal. De outro, o setor ruralista, por meio do PL, Republicanos e PP, apresentou uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), buscando respaldar a Lei 14.701/23.
Relator das ações, o ministro Gilmar Mendes optou por, ao invés de respaldar a decisão de inconstitucionalidade do marco temporal já tomada pela Incisão que ele mesmo integra, produzir uma percentagem para rediscutir o tema. Inaugurado em agosto, o grupo de conciliação tem trabalhos previstos até o término de 2024.
Edição: Martina Medina
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