“Não é provável que 80% dos agrotóxicos proibidos na Alemanha possam ser vendidos cá no Brasil, uma vez que se a gente fosse uma republiqueta de bananas.” Essa fala não é de um militante pela desculpa da alimento saudável, mas do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ele deu a enunciação em oração durante reunião com os chefes dos Três Poderes para discutir a emergência por desculpa dos incêndios que se alastraram pelo país, nesta terça-feira (17).
Lula ainda anunciou que vai convocar reuniões com lideranças dos partidos, representantes da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), empresários e membros da bancada ruralista no Congresso para discutir uma proposta que vise reduzir o uso de insumos químicos na lavradio brasileira.
Posteriormente a fala do presidente, uma reunião da Percentagem Pátrio de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo) foi convocada para esta sexta-feira (20), para discutir os efeitos práticos da enunciação e a incidência da percentagem para o tema avance.
Governo dividido
Apesar da posição incisiva de Lula, o tema dos agrotóxicos divide o governo federalista. Fran Paula, da coordenação pátrio da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida lembra que segue emperrado no governo o Programa Pátrio de Redução de Agrotóxicos (Pronara), graças à recusa do Ministério da Lavoura e Pecuária (Planta) em assinar o projeto.
Se por um lado o ministro do Desenvolvimento Agrário e Lavoura Familiar (MDA), Paulo Teixeira, tem expressado posições semelhantes à do presidente Lula para restrição o uso dos agrotóxicos no Brasil, por outro, a intransigência do Planta em relação do tema tem goro as organizações da sociedade social. “Eu acho que o Pronara expõe a incoerência do governo Lula, [expõe] a própria força que agronegócio vem exercendo nesse governo”, avalia Paula.
O Pronara foi lançado em 2013, ainda no governo da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT), para orientar e coordenar ações do governo federalista para reduzir gradualmente a utilização de insumos químicos na lavradio brasileira. O Planta e o MDA fazem secção da Câmara Interministerial de Agroecologia e Produção Orgânica (Ciapo), que articula órgãos e entidades do Poder Executivo federalista para a implementação do Projecto Pátrio de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo). A versão do projecto para 2024 teve seu lançamento delongado por três ocasiões devido à recusa do Ministério da Lavoura em assinar o Pronara.
“Para nós é contraditório a gente ter um Projecto Pátrio de Agroecologia que não vá enfrentar ou tratar com responsabilidade da redução de agrotóxicos”, diz Paula.
A representante da Campanha contra os Agrotóxicos afirma, ainda, que ao se recusar a aderir ao Pronara, o Planta não tem apresentado argumentos técnicos, o que poderia indicar uma postura ideológica. Nos bastidores, há informações de um lobby da Confederação Pátrio da Agropecuária (CNA) para barrar o programa. A reportagem entrou em contato com o Ministério da Lavoura e com a CNA, mas não obteve retorno.
Agrotóxicos banidos no exterior
Fran Paula corrobora a enunciação do presidente em relação à diferença na regulação dos agrotóxicos no Brasil e no exterior. Ela lembra que o uso no país de agrotóxicos já banidos em outros países foi facilitado pela própria lei brasileira. “O marco regulatório dos agrotóxicos no Brasil permite a ingresso de ingredientes ativos que já foram banidos em outros países por causarem riscos à saúde humana e ao meio envolvente”, lamenta.
Segundo a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos, o acefato, terceiro insumo químico mais consumido no Brasil, já foi proibido em pelo menos 30 países. A atrazina, “outra campeã de vendas” no mercado brasílico, é proibida em pelo menos 37 nações.
O livro Agrotóxicos e o colonialismo químico, da pesquisadora e professora do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP) Larissa Bombardi, lançado em 2021 pela editora Elefante, mostra que, em 2021, os 26 países da União Europeia (UE) exportaram para o restante do mundo quase 2 milhões de toneladas de agrotóxicos que continham substâncias proibidas pelo próprio conjunto, somando € 14,42 bilhões. O Mercosul recebeu mais de 6,84 milénio toneladas desses insumos. A publicação cita algumas das substâncias proibidas na UE, mas liberadas no Brasil, entre elas, o tebuconazol, um inseticida proibido no conjunto europeu por “provocar alterações no sistema reprodutivo e malformação fetal”.
Segundo o estudo, “a substância é amplamente utilizada em vitualhas uma vez que o arroz, alface, brócolis, repolho, mamão”, entre outros vitualhas. “Além de ser permitido no território brasílico, o limite de resíduo tolerado de tebuconazol na chuva potável é 1,8 milénio vezes maior do que o limite estabelecido na União Europeia”, diz o texto.
“Outro exemplo de disparidade de quantidade autorizada é o glifosato, agrotóxico mais vendido no país, considerado possivelmente cancerígeno para seres humanos pela Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, o resíduo autorizado desse herbicida na chuva potável é cinco milénio vezes maior do que na União Europeia”, afirma a pesquisadora na publicação.
Retrocessos no Congresso
A posição do Planta parece ter mais adesão no Congresso, onde a Frente Parlamentar da Agropecuária – ou bancada ruralista – conta com muro de 290 membros, a maioria contrários a qualquer restrição em relação a uso de agrotóxicos. Em 2023, o parlamento aprovou PL 1459/2022, de autoria do senador Blairo Maggi (PP-MT), divulgado uma vez que “rei da soja”, que flexibilizou o registro de novos insumos. O presidente Lula chegou a vetar alguns trechos da lei aprovada, mas o Congresso derrubou os vetos e promulgou a lei 14.785/2023.
“Piora muito mais a situação, porque o pacote do veneno permite até registro de substâncias com potencial carcinogênico, o que era proibido na lei anterior”, afirma a ativista. “O Congresso hoje tem uma bancada extremamente ruralista, que representa interesses e uma relação extremamente profunda com multinacionais do setor químico”, destaca.
A deputada federalista Célia Xakriabá (Psol) tem levado o tema ao parlamento, abordando ainda os impactos do uso extensivo de agrotóxicos para as populações indígenas, e defende que é preciso um diálogo sério e democrático sobre o problema.
“Sabemos que a bancada ruralista historicamente defende interesses de grandes corporações do agronegócio, muitas vezes em detrimento da saúde e do bem-estar das pessoas e do estabilidade ecológico. É necessário que o diálogo seja construído, sobretudo, de forma democrática e ocasião, ouvindo não somente o setor econômico, mas também os movimentos sociais, indígenas, quilombolas e os defensores da agroecologia”, declarou.
Solução e alternativas
Segundo dados da Organização das Nações Unidas para Sustento e Lavoura (FAO), em 2022, o Brasil consumiu mais de 800 milénio toneladas agrotóxicos, equivalente a quase um terço de todos o consumo mundial, sendo recordista mundial na utilização de insumos químicos para a produção agrícola.
“O Brasil, hoje, é um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo, e isso tem consequências sérias para a saúde da população, para o meio envolvente e, mormente, para os povos indígenas e comunidades tradicionais, que são os primeiros a sentir os impactos desse protótipo destrutivo”, destaca a parlamentar.
Paula lembra que já existe uma proposta, o PL 6670/2016, que procura restringir o uso de agrotóxicos no país, instituindo a Política Pátrio de Redução de Agrotóxicos (Pnara). O projeto, proposto pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), foi legalizado pelas comissões de Constituição e Justiça e de Participação Legislativa, mas está parado desde 2017, à espera de crítica do plenário.
Para Xakriabá, se houver garantia do diálogo e participação da sociedade na construção de soluções, não será preciso “reinventar a roda”. “Os sistemas agrícolas tradicionais indígenas, por exemplo, são um protótipo de uma vez que podemos produzir vitualhas de forma saudável, preservando a biodiversidade e enfrentando as crises climáticas. Espero que essa discussão ligeiro em conta essas soluções, que já existem e que oferecem uma opção real ao uso repreensível de agrotóxicos”, defendeu.
Edição: Thalita Pires
Discussion about this post