O Mercado Meão de Belo Horizonte, um dos pontos mais tradicionais da capital mineira, passou a se invocar “Mercado Meão KTO”, em referência à marca de uma mansão de apostas, no dia 7 de setembro. A venda de naming rights do espaço acompanha um movimento que toma conta da região meão do município, onde o mercado está localizado.
Na avaliação de especialistas, o processo pode ter uma vez que consequência a gentrificação, transformando a extensão urbana, aumentando o dispêndio de vida na região e expulsando a população com menor poder aquisitivo que frequenta aquele espaço.
O Brasil de Traje MG conversou com o professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federalista de Minas Gerais (UFMG) Luiz Alex Saraiva, para entender esse processo e as suas consequências.
Brasil de Traje MG – Uma vez que podemos entender essa mudança no Mercado Meão, sítio tão tradicional em BH?
Luiz Alex Saraiva – Originalmente, o Mercado Meão de Belo Horizonte estava vinculado à comercialização de produtos hortifrutigranjeiros e, ao longo do tempo, foi incorporando outros negócios, outras lojas e outros segmentos específicos, de conciliação com o incremento da cidade.
Hoje, a particularidade que ele possui atrai um público dissemelhante daquele voltado unicamente ao hortifrúti, mas isso tem relação com uma particularidade da cidade uma vez que um todo. Essa mudança não é necessariamente negativa, pois não estamos falando de um pretérito idealizado e de funções estáticas do mercado.
O pretérito puro e a função original tendem, naturalmente, a se modificar, com o passar do tempo, porque os equipamentos urbanos, assim uma vez que a cidade, trata-se de elementos bastante dinâmicos, que vão incorporando novas funções e, portanto, alterando o público que faz uso desses equipamentos, à medida que a própria história da cidade evolui.
Sem mediação governamental, sem organização e planejamento desse processo, a tendência é de que um grupo muito pequeno se beneficie
Apesar disso, podemos entender esse processo uma vez que uma espécie de gentrificação?
A rigor, podemos expor que se trata de um tipo de gentrificação. Esse processo surge, no primeiro momento, da decadência e do esvaziamento dos grandes centros urbanos, principalmente com as classes média e subida migrando para outras regiões, uma vez que, no caso de Belo Horizonte, para condomínios fechados em Novidade Lima e outras áreas mais afastadas da cidade.
Em seguida, ocorre o retorno dessas populações ao mercado e às regiões centrais. Esse processo é normalmente associado à recuperação e requalificação urbana e, consequentemente, ao aumento dos preços, o que resulta no retraimento e na eventual expulsão das populações de renda mais baixa para regiões periféricas. É o que estamos vendo no Meio de Belo Horizonte hoje, e que já ocorreu em vários lugares do país e do mundo.
Certamente, trata-se de um tipo de gentrificação, talvez ainda não tão agressiva, devido às características da cidade, mas, sem incerteza, um processo de elitização urbana e especulação imobiliária já está em curso.
Uma vez que modificar esse cenário?
A mudança nas cidades é um fenômeno originário, tanto quanto qualquer outro fenômeno social. A mudança é incorporada uma vez que um meio que as sociedades encontraram para sobreviver, adaptando-se continuamente ao seu contexto histórico.
A questão é que, sem mediação governamental, sem organização e planejamento desse processo, a tendência é de que um grupo muito pequeno se beneficie dessas mudanças, fazendo com que elas sejam dirigidas por seus próprios interesses.
Isso é uma tarifa que precisa ser considerada com muita atenção, principalmente em um momento uma vez que oriente, em que estamos falando de eleições municipais. Sem a problematização desse processo que está em curso em Belo Horizonte, veremos um grupo que já se beneficia das melhores condições da cidade – das melhores localizações, dos melhores endereços, etc. – ampliando esse domínio e selecionando as partes mais interessantes da cidade, ao mesmo tempo em que ocorre a expulsão daqueles que não se encaixam nesse perfil para áreas com menos infraestrutura.
Essa é uma questão que interessa a todos nós enquanto sociedade.
Por se tratar de uma mansão de apostas, atividade que inclusive não é regulamentada no país, podemos esperar por mudanças no sítio e no público?
Provavelmente, essa mudança de nome, associando-o a uma empresa de apostas, vai solidificar uma tendência de elitização do sítio, pois o mercado passa a ter múltiplas funções, principalmente as esperadas de um equipamento turístico.
Isso é uma tarifa que precisa ser considerada com muita atenção
Por conta disso, é provável que as funções tradicionais de um mercado sejam reduzidas, ao longo do tempo, em obséquio de uma ênfase em produtos e serviços de maior valor confederado. Isso ocorre porque, uma vez que equipamento turístico, o mercado passa a atender a um tipo de demanda mais qualificada do ponto de vista econômico.
É provável prever as consequências?
Essa é uma questão polêmica e eu diria que há pelo menos dois pontos a serem observados. Um se refere à questão do patrocínio, da associação do nome de um equipamento público tradicional e histórico na cidade a uma marca privada.
Isso, por si só, traz desdobramentos relacionados a quanto aquele equipamento urbano passará a ser usado uma vez que display da marca e dos interesses dessa empresa. Eu desconheço as questões contratuais, mas nunca se trata unicamente de um aporte de recursos, sempre há uma contrapartida.
Imagino que, de alguma maneira, os equipamentos urbanos que passam por isso começarão a ser utilizados uma vez que secção da estratégia mercadológica da empresa que adquire ou que tem sua marca associada a esse equipamento urbano.
Por outro lado, pode ser que, além da questão dos contratos e do uso econômico da marca, vivenciamos um processo de adaptação, no qual haverá uma reação da população a essa apropriação e a esse uso específico da marca. Ainda não temos elementos suficientes para verificar uma vez que isso vai se desenrolar no contexto de Belo Horizonte.
Ou, eventualmente, esse mercado poderá se tornar secção de um processo de politização da população em relação à apropriação por uma marca privada. Isso, realmente, só o tempo dirá, mas há muitas outras nuances relacionadas a essa questão.
Manadeira: BdF Minas Gerais
Edição: Ana Carolina Vasconcelos
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