Ives Gandra – 08/07/2024 11h31
A EC (Emenda Constitucional) 132/2023 previu a substituição do ICMS, ISS, PIS e COFINS por um novo sistema de tributação do consumo, mais simples, racional e desempenado à prática internacional.
Nesse sistema, a tributação universal do consumo será dual, com um Imposto (subnacional) e da Imposto (federalista) sobre Bens e Serviços, IBS e CBS, instituídos por lei complementar e praticamente idênticos entre si. Eles serão administrados pelo Comitê Gestor do IBS (CG) e pelo fisco federalista, cabendo aos entes federados definir suas alíquotas padrão.
Haverá, ainda, um Imposto Seletivo para desestimular consumos prejudiciais à saúde ou ao meio envolvente, que coexistirá com o IPI, mantido unicamente para produtos da ZFM.
A dualidade substitui a teoria original de um único IBS compartilhado entre os entes, que, uma vez que alertamos desde os primórdios da PEC 45/2019, seria inconstitucional, pois suprimir o ICMS (88% da arrecadação estadual) e o ISS (43% da municipal), deixando o novo imposto a critério do Congresso Pátrio, afetaria a autonomia financeira dos entes.
Mas, depois a modificação, apontamos para o risco de essa dualidade ser unicamente formal, sem prometer um nível satisfatório de autonomia aos entes, o que, agora, é confirmado pelos recentes PLPs 68 e 108/2024.
Finalmente, segundo os PLPs, os entes serão subalternos ao CG, que, por sua vez, ficará na subordinação da União quanto à estrutura generalidade do IBS/CBS. E isso os enfraqueceria, amesquinhando a Federação, o que é vedado.
De vestimenta, a EC teve o propósito de restaurar a racionalidade do sistema tributário. Assim, a dualidade do IBS/CBS precisa ser estruturada de modo a atender à simplicidade, transparência, justiça e cooperação (CF, art. 145, §3º). E isso implica que, além de duais, os tributos têm de ser uniformes, tanto em seus aspectos legais (mesmas regras de incidência) quanto administrativos, com regulamentos, interpretações, obrigações e procedimentos harmônicos (CF, arts. 149-B, art. 156-B e 195, §16).
Consequentemente, a lei complementar deve dispor sobre a material de modo a prometer suficiente autonomia dos estados e municípios (dualidade), mas, ao mesmo tempo, gerar um sistema simples, racional e praticável o bastante (uniformidade) para justificar o orfandade do sistema atual, que existe há anos e que, muito ou mal, funciona.
De vestimenta, “a secretaria de competências e de receitas tributárias configura um dos pilares da autonomia dos entes” (STF, RE 591033, DJ 24/02/11), pois consagra a descentralização e “ramificação de centros de poder” no país (ADI 4228, DJ 10/08/18). Por isso, nem mesmo via emenda pode o Congresso Pátrio relativizá-las “ou afastá-las”, o que ofenderia “o pacto federativo” e seria “tendente a aboli-lo”, o que é vedado (ADI 926, DJ 06/05/94).
Em nosso sistema, conhecimento tributária é o poder do ente para instituir seu tributo por lei própria. Ela não se confunde com a capacidade administrativa de arrecadá-lo ou alterar-lhe a alíquota, que é delegável, sem que isso o torne de conhecimento de quem a exerce, em vez do órgão legislativo que o cria. Só há conhecimento tributária se o ente pode gerar/modificar o tributo quando profíquo.
No caso, há indicativos de que estados e municípios podem perder poder em material de consumo, pelo prisma tanto da conhecimento quanto da capacidade tributária.
O texto da EC, a instituição e a estrutura do IBS serão definidas junto com as da CBS, por lei complementar de iniciativa federalista, editada pelo Congresso Pátrio, ou seja, por veículo e órgão legislativos da União. Assim, ela passará a de ter conhecimento para dispor sobre estrutura do tributo, o que, hoje, os entes fazem por leis próprias.
Segundo os idealizadores da EC, isso seria provável por tratar-se de conhecimento compartilhada, a permitir que tributos “distintos” sejam criados por uma lei complementar generalidade, de caráter “pátrio”. Todavia, nacionais são leis complementares de normas gerais para regular a conhecimento dos entes, que a exercem por leis próprias, enquanto as que criam tributos são leis instituidoras, mas sujeitas a rito mais rigoroso, pela excepcionalidade do gravame (CF, art. 148 e 154, I).
Aliás, inúmeras prerrogativas inerentes à capacidade administrativa, hoje exercidas pelos entes sozinhos, serão centralizadas no CG. Oriente, por sua vez, ficará sujeito à União, ao ter de entrar em combinação com ela, nos temas submetidos a harmonização. Estados e municípios, sozinhos, poderão unicamente prescrever suas alíquotas-padrão e revistar e lançar o IBS; mas, neste caso, sempre dentro das diretrizes do CG.
Em contextura infraconstitucional, os PLPs acentuam o risco de concentração, pois, ao preverem estrutura idêntica, evidenciaram a unicidade de vestimenta do IBS/CBS. É manifestar: não serão dois, mas um único tributo, cuja dualidade operará não na conhecimento (legislativa), mas na destinação dos recursos e em frações da capacidade de comandar o tributo.
Aliás, apesar de a representação paritária dos estados e municípios sugerir certa independência do CG, o contextura para atuação autônoma do órgão será estreito, pois todos os temas comuns ao IBS e CBS dependerão de atos conjuntos com a União. Assim, ele só agirá sozinho em relação a temas procedimentais secundários.
Essa harmonização ocorrerá, conforme a material (infralegal/administrativa e/ou jurídica), nos chamados Comitê das Administrações Tributárias e Fórum das Procuradorias. Ainda que a União e o CG tenham 50% dos votos cada, não haverá verdadeiro estabilidade de forças. Finalmente, o interesse da União tende a ser linear, enquanto os dos representantes do CG não o serão, pois terá de possuir representação satisfatória dos estados do Meio-Sul e do Setentrião/Nordeste, muito uma vez que dos grandes e pequenos municípios.
Assim, a União será um conjunto monolítico (50%), enquanto o CG se apresentará uma vez que um conjunto de até quatro sub-blocos (12,5%) com interesses conflitantes. Logo, bastará à União cooptar um desses blocos para praticar liderança e fazer-se prevalecer nas discussões, uma vez que ela já faz outras esferas. Para piorar, os PLPs sequer preveem o tipo de maioria a ser observada nessas votações, o que ficou para um porvir regimento, apesar do seu impacto sobre a Federação.
Portanto, a prevalecerem os PLPs, a estruturação do sistema previsto na EC pode reduzir perigosamente a autonomia dos estados e municípios, a ponto de redefinir, para pior, a qualidade da Federação brasileira (retrocesso), seja porque eles perderiam o poder que hoje possuem, seja, ainda, porque serão duplamente inferiorizados, ao permanecer inferior de um CG médio, que, por sua vez, pouco decidirá sem o amém da União.
Nesse cenário, embora ainda não se possa declarar que ela seja inconstitucional, pode ocorrer um processo de inconstitucionalização da reforma tributária, caso ela reduza (em vez de manter ou aumentar) a capacidade dos estados e municípios de custear suas atividades e serviços sem dependerem da União, o que exigiria a rediscussão do padrão, com os custos daí decorrentes para o país.
* Texto de Ives Gandra em coautoria com Hamilton Dias de Souza, Humberto Ávila, e Roque Antônio Carrazza.
Ives Gandra da Silva Martins é professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, UniFMU, do Ciee/O Estado de São Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Tropa (Eceme), Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federalista da 1ª Região, professor honorário das Universidades Sul (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia), doutor honoris justificação das Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS, catedrático da Universidade do Minho (Portugal), presidente do Parecer Superior de Recta da Fecomercio-SP e ex-presidente da Ateneu Paulista de Letras (APL) e do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp). |
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