A antropóloga e historiadora Lilia Moritz Schwarcz lançou em agosto um novo livro, secção de seu trabalho de escrutinar o racismo: “Imagens da branquitude — a presença da escassez”, publicado pela Companhia das Letras.
Lilia analisa na obra, sobretudo por meio de imagens, uma vez que os brancos foram e são representados simbolicamente de maneira a substanciar uma jerarquia social que os mantém no topo.
Temáticas abordadas pela autora no livro, uma vez que sapatos e monumentos, mostram ao leitor uma vez que o racismo não é um tema do pretérito, mas do presente. Em entrevista à pilar, Lilia Schwarcz, desde junho integrante da Liceu Brasileira de Letras, afirmou que esse foi um dos seus principais objetivos com a obra.
“Um dos desafios desse livro é que eu não queria que as pessoas falassem ‘nossa, uma vez que eles eram terríveis no pretérito’. A teoria é que o pretérito está recostado no nosso presente”, disse.
Assista à entrevista:
“Nosso racismo é estrutural. Porque ele estrutura a nossa linguagem, estrutura a nossa linguagem emocional, a nossa imagem afetiva, estrutura a nossa linguagem escrita e a nossa linguagem imagética também”, completou a antropóloga, professora da USP e da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos.
Entre as imagens mostradas no livro e analisadas didaticamente por Lilia uma vez que marcadores sociais da branquitude e do racismo, ela analisa pinturas, fotografias e anúncios. Alguns deles, bastante recentes, a exemplo de uma escandalosa propaganda de 2017 da marca de produtos de higiene pessoal Dove, na qual uma mulher negra se transforma em uma branca.
“Vocês poderiam me expor: ‘você está exagerando’. Mas eu prometo que no livro eu mostro muitas propagandas que insistem nessa teoria do branqueamento, na teoria meritosa do branqueamento, uma vez que se o branqueamento fosse um processo biológico, químico e civilizacional. É um escândalo”, afirmou, acrescentando:
“Imagem’ vem de ‘magia’, tem a mesma raiz de ‘imaginário’. Tem o poder de naturalizar. Quando naturalizamos, deixamos de enxergar. Nós vemos, mas não conseguimos enxergar. A publicidade ficou muito tempo com essa teoria de ingenuidade”.
Em outro trecho da obra, a professora analisou também um incêndio em 2021 que atingiu a estátua de Borba Gato em São Paulo. O ataque foi relacionado ao papel do bandeirante na escravização de negros e índios, além de outras violências contra essas populações.
“A estátua do Borba Gato foi se transformando numa figura difícil da paisagem da cidade. A estátua é de cimento, com estrutura de ferro. Sabia-se que não ia ser incendiada. Era muito mais uma revelação. A minha posição é que não é preciso destruir, porque ao destruir você também destrói aquela história e a sátira àquela história. É preciso lembrar de não olvidar”.
No livro, Lilia Moritz Schwarcz não trata da branquitude sob tons acusatórios ou normativos, mas do seu impacto social e à luz do noção de letramento racial.
“A branquitude é um fenômeno social que classifica aos demais, mas não se classifica. É a norma que não se nomeia. Ela compõe, uma vez que digo no subtítulo do livro, uma tremenda presença da escassez. Ao mesmo tempo em que está muito presente, nos nossos mapas, alegorias, telas acadêmicas, folhetos e propagandas, ela se ausenta. E essa escassez acaba criando uma regalia que remete ao pretérito, mas se inscreve no tempo presente”, disse.
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