A Coletiva Abayomi, grupo formado por mulheres negras da Paraíba, lançou uma campanha de conscientização para as eleições municipais de 2024, com o objetivo de alertar a população sobre o fenômeno da “afroconveniência”. O termo se refere à prática de candidatos se aproveitarem de símbolos, discursos e pautas da população negra para ocupar votos, sem ter um histórico real de luta antirracista ou de envolvimento com movimentos sociais.
A iniciativa da Coletiva surge em meio à mobilização para a II Marcha das Mulheres Negras, prevista para novembro de 2025, quando 1 milhão de mulheres negras de todo o Brasil devem marchar em Brasília, exigindo reparação e condições para um muito viver.
Essa prática oportunista, que visa unicamente satisfazer cotas de forma superficial, tem ocorrido não unicamente na Paraíba, mas em diversas regiões do país
“Essa campanha procura conscientizar e alertar a população, principalmente na Paraíba, onde, segundo dados disponíveis no site do TSE, o estado foi o que apresentou o maior número de candidatos que mudaram a autodeclaração de cor entre 2020 e 2024. A população negra é maioria na Paraíba e, com as cotas eleitorais em vigor, algumas pessoas estão se aproveitando desses benefícios para ocupar espaços que deveriam ser destinados a quem realmente está envolvido na luta pelos direitos dos movimentos sociais”, explica Thais Vital, ativista da Abayomi, Coletiva de Mulheres Negras na Paraíba.
Aumento de candidatas/os negras/os autodeclaradas/os na PB
De entendimento com o levantamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 32,4% dos candidatas/os na Paraíba alteraram sua enunciação de cor, um percentual significativamente superior à média vernáculo de 24%.
“Precisamos estar atentos a essa prática de afroconveniência. É preocupante ver pessoas sem histórico de luta antirracista mudando sua autodeclaração de cor para se beneficiar das cotas eleitorais e ocupar espaços que deveriam ser destinados a quem realmente está envolvido com os movimentos sociais”, afirma Thais. E também questiona: “O que levou essas pessoas, que antes se declaravam brancas, a mudarem sua cor? Qual é o histórico de luta dessas pessoas?”
Para Mojana Vargas, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Afrobrasileiros e Indígenas da Universidade Federalista da Paraíba (NEABI/UFPB), muitos partidos se aproveitam da privação de um processo formal de heteroidentificação de forma oportunista.
“Pessoas negras representam a maior parcela da população brasileira, mas continuam sub-representadas nos espaços de poder, principalmente no parlamento. A recente mudança na autodeclaração étnico-racial de muitos candidatos a prefeito e vereador tem relação direta com a pressão da Justiça Eleitoral para que as cotas de candidaturas pretas e pardas sejam cumpridas, assegurando o chegada dos partidos ao Fundo Eleitoral. Porém, porquê não há um processo formal de heteroidentificação para validar a autodeclaração dos candidatos, muitos partidos têm aproveitado essa brecha, incentivando a mudança de autodeclaração étnico-racial dos inscritos em suas legendas. Essa prática oportunista, que visa unicamente satisfazer cotas de forma superficial, tem ocorrido não unicamente na Paraíba, mas em diversas regiões do país”, explica ela.
Ela aproveita para relembrar um caso notório que ganhou destaque na mídia: o do político ACM Neto, um exemplo de porquê funciona a manipulação do sistema. “Estribar candidaturas negras é crucial para prometer a representação adequada desse segmento em todas as esferas de poder. No entanto, o fator decisivo na escolha de candidatos deve ser o comprometimento dessas pessoas com a luta antirracista e o histórico de esteio a políticas públicas voltadas à promoção da paridade racial. É preciso que essas candidaturas sejam autênticas e alinhadas com os interesses da comunidade negra, e não unicamente uma estratégia política para prometer vantagens eleitorais”.
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Nas eleições de 2024, segundo dados divulgados pela Coletiva, 4.724 pessoas se autodeclararam pardas e 872, pretas. Já o número de candidatos brancos foi de 3.419. Para aumentar a conscientização sobre esse tema, a organização está realizando uma série de ações nas redes sociais, com vídeos, cards informativos e debates públicos. O teor pode ser escoltado pelo perfil solene no Instagram (@abayomipb) e no ducto da Coletiva no YouTube.
A campanha faz segmento de uma estratégia mais ampla da Coletiva Abayomi para as eleições de 2024, e também está alinhada com a preparação para a Marcha das Mulheres Negras de 2025, em que a luta por reparação e o enfrentamento ao racismo continuam sendo pautas centrais. “Ocupação de espaços de poder por pessoas negras é uma forma de reparação, mas isso precisa ser feito por aqueles que têm uma verdadeira trajetória de luta”, arremata Thais.
Impactos e reflexões para o horizonte
A Abayomi destaca que a prática torna-se ainda mais alarmante porque a Paraíba possui uma maioria de população negra. Para a organização, essa prática de afroconveniência prejudica as pautas legítimas do segmento, esvaziando o debate sobre racismo e políticas de reparação. “Quando candidatos sem conexão com a luta antirracista ocupam esses espaços, acabam tirando a visibilidade de pessoas negras com trajetória de combate ao racismo e às desigualdades sociais”, destaca ela.
Estudar criticamente o histórico dos candidatos que se autodeclaram negros nas eleições, principalmente aqueles que já foram eleitos anteriormente é uma das orientações da entidade. “É forçoso que os eleitores questionem o que esses candidatos fizeram para enfrentar o racismo durante seus mandatos. Precisamos votar em quem realmente tem compromisso com a luta antirracista”, afirma Thais Vital.
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Natividade: BdF Paraíba
Edição: Cida Alves
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