A Tropa de Choque da Polícia Militar (PM) do Mato Grosso do Sul reprimiu com bombas, spray de pimenta e projéctil de borracha indígenas da Suplente de Dourados que protestam por aproximação à chuva potável, nesta quarta-feira (27).
A repressão foi fartamente registrada pelos indígenas. Um vídeo mostra policiais com escudos dentro da povoação Jaguapiru, derrubando e levando um varão à força e atirando com projéctil de borracha à queima-roupa na perna de uma mulher. Outro registra uma indígena sentada em uma cadeira com a ouvido sangrando, sendo acudida por parentes.
Em seguida meses sem chuva e com a situação principalmente grave nas aldeias Jaguapiru e Bororó, os indígenas dos povos Terena e Guarani Kaiowá se mobilizaram. Desde segunda-feira (25) bloqueiam a rodovia MS-156, que liga Dourados (MS) a Itaporã (MS), e outros pontos na estrada que dá aproximação ao Hospital da Missão Evangélica Caiuá, dentro da povoação. Todos os locais foram reprimidos pela PM.
A reivindicação principal é o subitâneo início da perfuração de poços na Suplente Indígena de Dourados, onde vivem tapume de 20 milénio pessoas. A crise hídrica na comunidade se arrasta há décadas e se intensificou nos últimos meses com a escassez do provimento feito por caminhões-pipa.
‘Ao invés de chuva, mandam Tropa de Choque’
“A Tropa de Choque já chegou atirando. Tem idosos, crianças, pessoas machucadas. Se não houver solução, vai permanecer feia a situação cá”, conta Leomar Trovão, liderança Guarani Kaiowá da povoação Jaguapiru.
Na repressão policial na rodovia estadual, que aconteceu ao som de gritos de ordem repetindo “chuva, chuva”, ao menos uma garoto se feriu e teve de ser socorrida pela ambulância do Corpo de Bombeiros.
“Não tem uma vez que viver sem chuva. Não tem condições. A PM está cá dentro do território, pelo menos três pessoas foram presas e estamos sem pedestal de nenhum órgão federalista. Não tem Funai, não tem Polícia Federalista, não tem ninguém para nos facilitar”, ressalta Leomar.
Em outro vídeo, um morador da povoação Jaguapiru mostra a PM ao fundo e a marca de projéctil de borracha na costela de uma indígena que está de bicicleta.
“A indignação é muito grande porque é muito fácil de resolver e não querem. Ao invés de mandar solução para a nossa comunidade, mandam a Tropa de Choque. Nós estamos no nosso recta de pedir o fundamental para a nossa povoação, que é o provimento de chuva. Olha a situação horroroso que está acontecendo, isso não pode intercorrer”, denuncia Ezequias, o indígena responsável do vídeo.
Em nota conjunta, a Aty Guasu, Grande Tertúlia Guarani Kaiowá, o Recomendação Terena e o Recomendação Indigenista Pregador (Cimi) denunciam que “conforme a Constituição Federalista, dimensão indígena é de jurisdição federalista, ou seja, a ação da Polícia Militar na povoação Jaguapiru é ilícito e, conforme lideranças ouvidas, se tornou geral, uma vez que se a suplente fosse unicamente um bairro de Dourados”.
‘Comunidade revoltada’
Também moradora da povoação Jaguapiru, Júlia* Kaiowá conversou com o Brasil de Trajo ao som de bombas no fundo. Dentro de sua vivenda, pediu que o marido ligasse a TV para amenizar o susto do sobrinho, ainda garoto.
“Nessa idade do ano tem poucas chuvas e um consumo maior por conta do verão, logo falta muita chuva. Sempre tem promessas de fazer poços, mas não acontece. Cá na povoação tem sete poços artesianos, mas a população é muito grande, estamos beirando os 20 milénio, não tem capacidade de provimento”, explica Júlia.
“A comunidade está decepcionada e revoltada. Com a mudança do governo federalista, a gente esperava que a situação da chuva ia melhorar, porque afeta escola, saúde. Tem alunos que às vezes não vão para a escola porque tem que ir buscar chuva para fazer higiene básica, para sustento”, descreve a indígena Guarani Kaiowá.
Cristiane Terena conta que a decisão de bloquear rodovias veio posteriormente esgotadas outras vias. “Já tentamos diálogo, já enviamos documentos, já fizemos reunião”, relata.
“Nós estávamos numa expectativa de um projeto, uma parceria entre governo federalista pelo MPI [Ministério dos Povos Indígenas], governo estadual, Itaipu e os municípios, para a perfuração de poços da região Cone Sul do nosso estado. Teve o lançamento semana passada em Ponta Porã (MS). Já vínhamos ouvindo que nossa comunidade não estaria contemplada no projeto. No lançamento, tivemos a certeza”, explica Cristiane.
“Ao invés de ouvir nosso clamor”, segue Cristiane Terena, se referindo à gestão de Eduardo Riedel (PSDB), “o governo estadual manda a Tropa de Choque nos combater dentro da nossa comunidade. Invadiu casas. Estamos com uma ñandesy [rezadora] hospitalizada, temos crianças que inalaram muito gás”.
O Brasil de Trajo entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública do Mato Grosso do Sul, mas não teve retorno até o fechamento da material. O texto será atualizado caso a pasta do governo Riedel se posicione.
De conformidade com Júlia Kaiowá, nesta terça-feira (26) houve uma tentativa de negociação com a prefeitura de Itaporã: um caminhão-pipa em troca da liberação das vias. “Eles trouxeram um caminhão-pipa todo enferrujado, inadequado do ponto de vista de higiene, desses usados para tirar poeira da estrada. Uma vez que que essa chuva vai ser para consumo? Gerou mais revolta”, alega.
A resposta da Secretaria de Saúde Indígena
Procurada, a Instalação Pátrio dos Povos Indígenas (Funai) não enviou posicionamento sobre a situação, se limitou a proferir que se busque a Secretaria de Saúde Indígena (Sesai). Vinculados ao Ministério da Saúde, a Sesai e o Província Sanitário Peculiar Indígena (DSEI) do MS informaram que tem “um contrato para a distribuição de mais de 70 milénio litros de chuva potável por semana via caminhões-pipa e articula com a Prefeitura de Itaporã o fornecimento de 100 milénio litros de chuva por dia, sendo 50 milénio destinados a Jaguapiru e 50 milénio a Bororó”.
“Aliás, estão em curso a perfuração de dois novos poços, um em cada povoação, em parceria com a Prefeitura Municipal de Dourados e a Secretaria de Estado e Cidadania, com previsão de peroração em até 40 dias”, diz a Sesai, em nota.
A solução a longo prazo, segundo a secretaria vinculada ao Ministério da Saúde, está numa aposta de erigir uma rede de provimento que atenda a região urbana de Dourados, em conjunto com o Ministério das Cidades, o governo do MS e a Sanesul, empresa de saneamento do estado. A proposta, no entanto, ainda está em negociação.
Enquanto isso, para a Sesai, os “14 sistemas simplificados de provimento de chuva não atendem plenamente à demanda lugar” por conta de “desperdício” e “uso inadequado da chuva tratada”.
De conformidade com Cristiane Terena, mesmo posteriormente a repressão, “a mobilização segue”: “Não vamos arredar o pé se não trouxerem para nós um projeto com data prevista para o início da obra de perfuração de poços nas comunidades Bororó e Jaguapiru. E um socorro subitâneo com distribuição de caixas d’chuva para quem não tem. Não aguentamos mais”.
*Nome transtornado para a preservação da manancial.
Edição: Martina Medina