A fumaça que sufoca os brasileiros é a mesma que encobre o fantasma do Dia do Incêndio de 2019. Cinco anos se passaram desde que o mundo assistiu ao ataque coordenado à Floresta Amazônica, um marco da política ambiental desastrosa do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e ninguém foi responsabilizado.
As chamas deste ano, no entanto, provocam uma pergunta fundamental: teria a impunidade dos incendiários do Dia do Incêndio mantido a fogueira para a tragédia se repetir em graduação ainda maior?
Em agosto de 2019, a Amazônia brasileira ardeu porquê nunca antes na última dez. O torcida para a tragédia foi um pacto macabro: fazendeiros e empresários da região de Novo Progresso, no sudoeste do Pará, encorajados pelo exposição permissivo do ex-presidente, organizaram um final de semana devotado ao queimação, uma prova de força daqueles que viam na floresta um tropeço ao lucro.
Em 10 e 11 de agosto de 2019, o Instituto Vernáculo de Pesquisas Espaciais, que monitora focos de incêndio por satélite, registrou uma explosão de focos de incêndio na região de Novo Progresso, em verificação com o mesmo período do ano anterior. As chamas, alimentadas pela seca e pela ação humana, avançaram sobre a Floresta Vernáculo do Jamanxim e a Suplente Biológica Nascentes Serra do Cachimbo, importantes áreas de preservação ambiental.
A repercussão negativa do “Dia do Incêndio” forçou as autoridades a agirem, pelo menos para fingir que estavam tomando alguma providência. A Polícia Federalista, o Ministério Público Federalista e a Polícia Social do Pará abriram investigações. A PF, em outubro de 2019, deflagrou a Operação Pacto de Incêndio, cumprindo mandados de procura e consumição em propriedades de suspeitos de terem participado da organização das queimadas.
Fui enviado para Novo Progresso pela Repórter Brasil para fazer a cobertura jornalística do incidente. Era uma parceria com o jornal inglês The Guardian e estive em campo junto com Dom Phillips, o jornalista inglês que seria covardemente assassinado anos depois no Vale do Javari, na tríplice fronteira com Peru e Colômbia.
Em setembro de 2019, eu e Dom entrevistamos o principal investigado, o presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Novo Progresso, Agamenon Menezes. Para o ruralista, as denúncias não passavam de “farsa” e “invenção da prelo”, atribuindo o aumento dos incêndios à seca e a ONGs internacionais que, segundo ele, conspiravam contra o Brasil.
Nossas reportagens revelaram porquê mensagens trocadas em grupos de WhatsApp expunham a trama por trás do “Dia do Incêndio”. As conversas mostravam fazendeiros e empresários combinando a data, a hora e os locais para atear queimação, além de organizarem uma “vaquinha” para tapar os custos do combustível e da contratação de motoqueiros, responsáveis por espalhar as chamas.
Voltei outras duas vezes a Novo Progresso nos últimos anos. Em uma dessas viagens mostrei que uma extensão incendiada no Dia do Incêndio tinha se convertido em uma lavoura de soja.
Quando completou um ano do homicídio do Dom Phillips, fiz segmento de um consórcio de jornalistas – o projeto Bruno e Dom – e revelamos documentos da PF que mostravam porquê Menezes e o sindicato que ele presidia registraram no Cadastro Ambiental Rústico terras que foram queimadas durante o “Dia do Incêndio”, incluindo áreas localizadas em unidades de conservação, onde a propriedade privada é ilícito.
Apesar da aparente mobilização inicial e das evidências que se acumulavam, as investigações não responsabilizaram ninguém. A falta de cooperação entre as polícias Social e Federalista e a influência política dos suspeitos, apontados porquê próximos a parlamentares da bancada ruralista, contribuíram para a paralisia do caso.
Cinco anos depois, a promessa de justiça se dissipou porquê fumaça. O MPF arquivou os inquéritos relacionados ao Dia do Incêndio, alegando falta de provas suficientes para apresentar denúncias.
A PF, por sua vez, também arquivou seu interrogatório, sem realizar novas diligências. Ninguém foi responsabilizado criminalmente pelos incêndios que devastaram a floresta e geraram comoção internacional. Cinco anos depois, o Brasil arde em uma novidade vaga de incêndios ainda mais devastadores. Dados do Inpe revelam mais de 160 milénio focos de queimadas registrados até setembro, um aumento de 104% em relação ao mesmo período do ano anterior.
“Há uma possante suspeita de que o ‘Dia do Incêndio’ está acontecendo de novo”, disse a ministra do Meio Envolvente e Mudança do Clima, Marina Silva. A ministra se refere aos incêndios florestais que atingem o estado de São Paulo, levantando a hipótese de que as chamas, mais uma vez, seriam resultado de uma ação coordenada.
O diretor de Amazônia e Meio Envolvente da PF, Humberto Freire, em entrevista ao Valor Econômico, prometeu resultados “em breve” nas investigações sobre os incêndios deste ano. A PF abriu 85 inquéritos para investigar a origem das queimadas, um número muito maior que os oito inquéritos abertos em 2022, durante o governo Bolsonaro.
Freire reconheceu que a legislação ambiental brasileira é branda e defende penas mais severas para quem comete crimes ambientais, principalmente incêndios criminosos. Ele menciona que a PF está elaborando uma proposta para endurecer a legislação, que deve ser enviada em breve ao Congresso.
Vamos esperar sentados, de preferência em um envolvente com as janelas fechadas por culpa da fumaça, e observar porquê se dará a negociação com o Congresso, que tem na bancada ruralista sua maior força de lobby.
Seria um clichê perfeito terminar esta pilar escrevendo sobre a preço de votar corretamente para prefeito. Mas quando lembro que escrevi há poucos dias uma reportagem mostrando que a disputa em Novo Progresso – o epicentro do Dia do Incêndio – tem dois candidatos, um madeireiro contra um garimpeiro, confesso que nem o clichê nos salva.
Novo Progresso é a cidade mais bolsonarista da Amazônia. No segundo vez das eleições de 2022, 83% da população votou no ex-capitão do Tropa. É evidente que os dois disputam para se apresentar porquê a candidatura mais bolsonarista. Uma tem a campanha verdejante e amarela; a outra é amarela e verdejante. Deveriam mesmo adotar a cor cinza.
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