Em novembro, completou-se um mês desde que um grupo de indígenas Pataxó, protagonizado por mulheres, retomou segmento da Terreno Indígena (TI) Comexatibá, na cidade de Prado, no extremo sul da Bahia. O território teve o processo demarcatório iniciado em 2015, mas até o momento não foi concluído. Localizado em região litorânea turística, a superfície tem sido usada para loteamentos voltados à construção de casas de luxo.
A derrubada de um cajueiro no último 21 de outubro foi o pavio para que as indígenas liderassem a ingressão na superfície, níveo de desmatamento, especulação imobiliária e venda irregular de lotes, de conciliação com o povo Pataxó.
“Chegou a informação de que derrubaram um cajueiro. O ano pretérito já tinham derrubado mangabeiras e outras árvores nativas e deixaram todas jogadas no soalho. Fizemos denúncia, mas zero foi feito. Logo nos reunimos para ir ao lugar dessa vez”, conta uma das mulheres que lidera a ocupação, que não será identificada por motivos de segurança. Segundo as lideranças, a vegetação nativa – uma das últimas reservas de mata Atlântica da Bahia – tem sido derrubada a mando de “empresários”.
Em missiva pública entregue ao Ministério Público Federalista (MPF), à Instalação Pátrio dos Povos Indígenas (Funai) e ao Ministério dos Povos Indígenas (MPI), o povo Pataxó denuncia que o desmatamento está sendo feito a mando do quinteiro André Moreira Gama e seu irmão Genivaldo Moreira Gama, com envolvimento do vereador Brenio Pires (Solidariedade), que está no seu terceiro procuração. O objetivo seria a realização de novos loteamentos. Os indígenas denunciam, ainda, a exploração proibido de areia que prenúncio nascentes de rios.
Desde a ocupação, os Pataxó relatam viver sob cerco de pistoleiros nas proximidades da superfície em que o vereador Brenio Pires realiza loteamento: “Eles só não atiraram porque estávamos com celular e falamos que estávamos ao vivo”, conta uma liderança. O vídeo feito pelos indígenas circulou nas redes sociais. Ver a morte de frente, contou uma liderança à reportagem, os fez ter mais força para continuar a lutar pela preservação do território avito.
Segundo relatos dos indígenas, Pires foi até a superfície e acionou a Polícia Militar (PM). Já os Pataxó chamaram a polícia integrada ao gabinete de crise criado pelo governo federalista para solucionar os conflitos territoriais da superfície, que se agravaram desde 2022, quando pistoleiros assassinaram o indígena Gustavo Silva da Conceição, de 14 anos, e balearam Pablo Yuri da Conceição Cruz. Na ocasião, a resposta do governo federalista foi o fechamento da unidade da Funai que funcionava em Cumuruxatiba (BA), o que, porquê advertiu o órgão, poderia piorar ainda mais os conflitos territoriais.
Em áudio atribuído ao quinteiro André Gama é verosímil ouvir uma convocação ao grupo de produtores rurais presidido por ele: “Estamos precisando de todo mundo cá porque os indígenas tomaram a estrada cá… Hoje, agora é a nossa chance de permanecer livre desse povo, venham!”.
Depois o chamado de Gama, o vereador Pires escoltado de outros homens, apontados pelos Pataxó porquê grileiros do território, chegaram à superfície retomada. Os indígenas colocaram queima na estrada para impedir a passagem dos pistoleiros armados e encapuzados que os cercaram. Ainda de conciliação com os Pataxó, a suspeita é que Pires faça segmento do grupo “Invasão Zero”, indigitado porquê miliciano pela Polícia Federalista e culpado de matar indígenas a mando de fazendeiros.
Segundo relatos dos Pataxó, três homens foram levados pela polícia, mas só dois deles de vestimenta foram encaminhados à delegacia, em Teixeira de Freitas. Os indígenas suspeitam que o terceiro varão armado e mascarado que “sumiu” seja um policial que teria tido sua fuga facilitada no caminho pelos colegas da polícia. Segundo as lideranças que acompanharam a viatura, as armas apresentadas na delegacia eram diferentes das que os pistoleiros usavam para ameaçá-los.
Em nota, a ouvidoria da Polícia Social informou que Luciano Mendes de Brito e Clebson Eliezer Caja foram levados à delegacia no dia 28 de outubro “por supostos crimes de prenúncio e posse proibido de arma de queima figurando porquê vítimas das ameaças os indígenas”. Informa ainda que “um terceiro sujeito reportado pelas vítimas não foi apresentado ao Plantão da Polícia Social”.
Ainda de conciliação com o órgão, foi encontrada “uma espingarda calibre 20, desmuniciada, sem identificação do responsável pela referida arma”. A nota finaliza informando que o expediente foi “guiado ao Titular da DT/Prado [Delegacia Territorial de Prado], que lavrou a ocorrência pelo violação de prenúncio e o encaminhou à Vara Criminal”.
Mansões, assentamento do Incra e TI em uma só superfície
Os 28.077 hectares que compõem, de conciliação com o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) da Funai, a TI Comexatibá, foram quase todos transformados em um assentamento de reforma agrária pelo Instituto Pátrio de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em 1987. O Projeto de Assentamento Quinta Cumuruxatiba está sobreposto a 93,95% da superfície tradicional Pataxó. Já o Projeto de Assentamento Reunidas Corumbau se sobrepõe a 30,37% da Terreno Indígena. A TI também tem 19,62% da superfície sobreposta ao Parque Pátrio do Descobrimento, sob gestão do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).
Uma vez que a fiscalização das terras é escassa por segmento do Incra e da Funai, que relatam falta de pessoal para satisfazer tal função, se tornou prática generalidade de grileiros a venda de áreas de preservação ou dos assentamentos em forma de lotes, alguma coisa proibido pela lei.
Os indígenas denunciam a existência de 20 loteamentos clandestinos, ou seja, de não assentados ou de proprietários que vendem lotes a pessoas de fora da região, incluindo estrangeiros. Lotes do assentamento têm sido vendidos, inclusive, para a construção de mansões. A superfície fica próxima das famosas praias de Cumuruxatiba e Corumbau.
Aguardando há quase uma dez que o processo demarcatório avance – falta ainda a portaria declaratória do Ministério da Justiça, a homologação e o registro da TI -, os indígenas decidiram retomar segmento da superfície para fazer, por conta própria, a autodemarcação.
Questionado pelo Brasil de Traje, o Incra informou que “a superfície proposta pelo relatório da Funai do território indígena de Comexatibá, onde hoje há um assentamento de trabalhadoras e trabalhadores rurais criado em 1987, ainda não teve a sua portaria de geração publicada. Desse modo, não houve a destinação solene da superfície para os indígenas”.
O Ministério Público divulgou recomendação de que sejam paralisados empreendimentos e loteamentos na região.
Já a Funai declarou que precisa de mais tempo para responder, devido à dificuldade do tópico. A reportagem será atualizada caso chegue a resposta do órgão aos questionamentos realizados.
O vereador Brenio Pires afirmou que as narrativas vindas a público envolvendo seu nome são infundadas e motivadas por “perseguição política”: “Moro em superfície que já foi do Incra e hoje já não pertence mais”. O vereador afirmou que poderia enviar a diploma de ofício liberatório, mas não o fez até a finalização da reportagem. Negou as práticas de desmatamento e loteamento irregular e afirmou que os fatos ocorridos em 21 de outubro foram no lote de propriedade de André Gama.
André e seu irmão Genivaldo Gama realizaram vídeos alegando serem unicamente agricultores que foram retirados de suas terras depois anos assentados. Em resposta sobre a denunciação de desmatamento, André afirmou: “Está sendo baseada na derrubada de um único pé de caju que eu mesmo plantei e não sabia que para arrancá-lo precisaria de autorização, porém, já me comprometi a replantar 50 pés de caju em locais a serem determinados pelo ICMBio”.
Contou ainda que sofreu uma invasão há quatro anos e distribuiu segmento de suas terras a familiares: “Eu doei para meus irmãos, sobrinhos e familiares lotes para que construíssem suas casas e inibisse futuras invasões”.
Genivaldo respondeu: “Os índios invadem a minha terreno, tomam minha terreno, desmatam minha terreno, eu denuncio, o ICMBio vai lá, olha, e diz que não pode fazer zero e agora vocês vêm com perdão, comigo, rapaz!”. Relatou ainda estar revoltado, que precisa colher sua roça, que não pode mais entrar e que teve seu carruagem apedrejado pelos indígenas.
No domingo de 3 de novembro, indígenas relataram disparos de tiros nas imediações da retomada porquê tentativa de intimidação. Contaram também que houve uma conversa com o vice-prefeito de Prado, Antonio Carlos da Silva Magalhães Neto, em que ouviram que teriam uma trégua de 15 dias para “pensarem muito” a ocupação. Na ocasião, o vice-prefeito os teria alertado de quão perigosas são as pessoas que eles enfrentam.
A assessoria de informação do vice-prefeito negou os relatos dos indígenas e informou que houve uma tentativa de mediar o conflito e pactuar uma trégua e que está sendo marcada reunião dos envolvidos com prefeitura, Incra e o Ministério Público Federalista.
Edição: Martina Medina