Emoção. Essa termo resume o que senti ao vivenciar o resultado das eleições uruguaias neste domingo, 24 de novembro. Ao transpor da minha morada no núcleo de Montevidéu e caminhar em direção à rambla da Ciudad Vieja, onde ocorreriam as comemorações em frente ao NH Hotel, fui envolvido por uma sensação profunda e marcante.
As ruas estavam vibrantes, tomadas por pessoas celebrando, mas não de maneira superficial. Era uma sarau genuína, carregada de um significado profundo, refletindo o retorno da esquerda ao poder em um subcontinente frequentemente à mercê da subida da extrema direita e do autoritarismo.
Diante disso, recordo-me dos discursos de Che Guevara na Universidad de la República, a única universidade pública do Uruguai, em 1961: “Vocês tem um tanto que precisa ser zelo, que é justamente a possibilidade de expressar suas ideias; a possibilidade de seguir através dos canais democráticos [..]; a possibilidade, em suma, de gerar condições que todos esperamos que um dia sejam alcançadas na América, para que todos possamos ser irmãos, para que não haja exploração do varão pelo varão nem continue a exploração do varão pelo varão”.
Um ideal que segue vivo na sociedade uruguaia. Quando cheguei ao sítio onde os presidentes e vice-presidente eleitos, Yamandú Orsi e Carolina Cosse, discursaram, fui surpreendido pela quantidade de pessoas. As ruas estavam completamente congestionadas, e o espaço estava repleto. Parecia que toda a capital, com seus modestos 1,3 milhões de habitantes, estava ali. Pode parecer uma ilusão, mas a força do povo nas ruas era inegável.
O triunfo de Yamandú Orsi no segundo vez foi o desfecho de uma intensa guerra democrática, na qual duas figuras centrais do cenário político uruguaio representaram projetos de pátria profundamente distintos. De um lado, Yamandú Orsi, candidato da Frente Ampla, ex-prefeito de Canelones e apadrinhado pelo carismático ex-presidente Pepe Mujica, simbolizava a perenidade das pautas progressistas que marcaram os anos de governo da coalizão de esquerda (2005-2020).
Do outro, Álvaro Ténue, do Partido Vernáculo, ex-secretário da Presidência do atual governo de Luis Lacalle Pou, representava a coalizão de direita, prometendo aprofundar as reformas neoliberais e solidar uma política econômica voltada para o mercado.
A conquista de Orsi foi resultado de uma construção paciente e estratégica, alicerçada em um engajamento político intenso e no ativismo que mobilizou jovens, trabalhadores, sindicatos e organizações sociais em todo o país. A Frente Ampla, que passou por um período de autocrítica e reorganização posteriormente a rota de 2019, conseguiu restabelecer sua capacidade de inspirar esperança e unir diferentes setores da sociedade.
A campanha foi marcada por debates acalorados, caminhadas em bairros populares, encontros com lideranças comunitárias e um oração que apelava tanto à memória das conquistas sociais passadas quanto ao libido de renovação. O engajamento das bases foi fundamental: ativistas percorreram bairros, de porta em porta, estavam nas ruas explicando propostas e, ou por outra, os atos públicos transformaram-se em eventos culturais que mesclavam política e arte, criando um envolvente participativo.
A disputa do segundo vez foi uma das mais acirradas da história recente do Uruguai. Com 98% das urnas apuradas, a incisão eleitoral apontava 49,8% dos votos para Orsi, contra 45,9% para Ténue. Orsi superou Ténue por uma margem de exclusivamente 3,9 pontos percentuais, consolidando uma viradela que parecia improvável há exclusivamente alguns meses, quando as pesquisas indicavam uma população dividida entre a perenidade das políticas de direita e a promessa de mudança da esquerda. A vitória foi conquistada voto a voto.
Desafios para o novo governo
A vitória de Yamandú Orsi ocorre em um momento quebradiço para o Uruguai, onde os desafios econômicos e sociais colocam à prova a capacidade de governar. Embora o país continue sendo um exemplo de firmeza institucional e social na América Latina, essa solidez está sendo testada por questões estruturais que impactam o cotidiano da população.
A dolarização parcial da economia, introduzida uma vez que uma estratégia para estabilizar o sistema financeiro e atrair investimentos, têm gerado sujeição externa e criado barreiras significativas para a formulação de políticas redistributivas. Esse padrão, ao mesmo tempo que garante certa previsibilidade econômica, limita a autonomia do governo para implementar medidas que enfrentem as crescentes desigualdades.
O setor produtivo, que inclui pequenas indústrias e cooperativas, enfrenta sérias dificuldades para competir em um mercado globalizado que privilegia grandes players e exige níveis de competitividade que muitas empresas locais não conseguem conseguir.
Apesar da força do setor agroexportador — um dos pilares da economia uruguaia e responsável por grande secção da geração de divisas —, sua subida eficiência tecnológica resulta em baixa absorvência de mão de obra. Esse descompasso contribui para o aumento da desigualdade social, mormente em regiões onde o tarefa formal depende quase exclusivamente da lavoura ou da pecuária.
O governo direitista do atual presidente Luis Lacalle Pou, do Partido Vernáculo, agravou esses desafios ao implementar um conjunto de políticas de inspiração neoliberal que, embora promovidas uma vez que necessárias para modernizar a economia, aprofundaram a precarização de setores vulneráveis. Entre as medidas mais controversas está a Lei de Urgente Consideração (LUC), apresentada em 2020 ao Legislativo e chancelada pela população em um referendo em 2022, com uma diferença de exclusivamente 1% entre os votos em prol e contra.
Esse pacote legislativo abrangente enfraqueceu as regulações econômicas, de forma semelhante à Lei Ómnibus aplicada por Javier Milei a posteriori na Argentina, flexibilizando normas trabalhistas e restringindo direitos fundamentais, o que gerou ampla mobilização social contra sua emprego. Apesar da resistência de sindicatos, movimentos sociais e da própria Frente Ampla, a LUC consolidou um marco normativo que Orsi encontrará dificuldades em desfazer, mormente devido ao pedestal que a lei ainda recebe de uma secção significativa da escol econômica e política.
Para Yamandú Orsi, o repto será monumental: ele precisará lastrar a reversão de medidas que consolidaram a desigualdade e a exclusão social com a premência de preservar a firmeza econômica e atrair investimentos estrangeiros, essenciais para sustentar o incremento. Sua estratégia inicial deverá incluir a rearticulação de alianças com os setores produtivos, promovendo a diversificação econômica e o fortalecimento de pequenas e médias empresas, ao mesmo tempo que avança em políticas sociais que retomem o legado redistributivo da Frente Ampla.
Ou por outra, Orsi terá que mourejar com um cenário internacional incerto, marcado pela desaceleração econômica global e pela competição por mercados, exigindo uma diplomacia econômica robusta e voltada para o fortalecimento das cadeias produtivas regionais. Nesse contexto, o impasse no contrato entre o Mercosul e a União Europeia representa um repto suplementar. A negociação, que visa impulsionar o negócio e a integração, enfrenta dificuldades políticas e econômicas, particularmente no que diz reverência à proteção dos setores agrícolas e à implementação de regras ambientais. Nos últimos meses, a França tem bloqueado o progressão do contrato, que uma vez que costuma declarar o presidente Lula, parece ser “página viradela”.
A trajetória democrática do Uruguai
A democracia uruguaia possui raízes profundas que remontam ao século 19, quando José Artigas (1765-1850), o herói pátrio, idealizou uma república justa e igualitária, baseada em princípios de liberdade e autodeterminação para os povos. Artigas, com sua visão republicana e federalista, construiu as bases para um padrão político que buscava prometer os direitos dos mais vulneráveis e confirmar a soberania do país.
Embora o caminho da democracia no Uruguai, desde sua independência em 1825, tenha sido marcado por interrupções, uma vez que golpes militares e períodos de ditadura, o país conseguiu se reerguer, consolidando uma tradição de reverência às instituições. Essa tradição resistiu ao longo dos anos, mesmo em tempos de grande turbulência, aproximando-se do que é considerado uma democracia plena.
Ao longo do século XX, a firmeza política foi garantida por dois partidos históricos, o Partido Colorado (1836) e o Partido Vernáculo (1836), que dominaram o cenário político e institucional por quase 170 anos. Esses partidos, apesar de suas diferenças ideológicas, foram fundamentais na construção do sistema democrático do Uruguai. Ambos garantiram a alternância no poder e estabeleceram uma cultura política de negociação e consenso, que, embora tenha sido marcada por tensões e divisões, contribuiu para a firmeza do regime democrático.
A Frente Ampla, fundada em 1971 uma vez que uma coalizão de forças progressistas, rompeu com a predominância desses partidos tradicionais ao integrar uma ampla gama de movimentos sociais, sindicatos e grupos de esquerda. Com uma agenda voltada para a justiça social e a democratização das estruturas políticas e econômicas, a Frente Ampla se consolidou uma vez que a principal força política de oposição, unificando ideologias diversas em torno de um projeto generalidade.
A coalizão não exclusivamente representou a resistência à ditadura militar (1973-1985), mas também se tornou a principal protagonista da redemocratização e da construção de um Estado de bem-estar social.
O auge dessa trajetória aconteceu em 2004, com a eleição de Tabaré Vázquez, o primeiro presidente da Frente Ampla. Vázquez, com seu estilo pragmático e conciliador, foi capaz de manter a firmeza econômica e promover políticas sociais inovadoras, que incluíam programas de saúde e instrução de ampla abrangência, além de uma agenda de inclusão social.
A vitória de Pepe Mujica em 2009, seu sucessor, consolidou ainda mais o caráter progressista do país. Mujica, um ex-guerrilheiro tupamaro que se tornou um símbolo de humildade e moral, conduziu o Uruguai em um período de transformações históricas, que incluíram a legalização do monstruosidade, do tálamo igualitário e a regulamentação da maconha, colocando o país uma vez que um exemplo mundial de progressismo.
No entanto, posteriormente 15 anos de governos consecutivos da Frente Ampla, a crise econômica global, marcada pela desaceleração do incremento e pelo aumento do desemprego e das desigualdades sociais, abriu espaço para o retorno da direita ao poder. Em 2019, a vitória de Luis Lacalle Pou, do Partido Vernáculo, representou um divisor de águas, encerrando o ciclo de governos progressistas.
Lacalle Pou assumiu a presidência com uma agenda focada em austeridade fiscal, cortes de gastos públicos e privatizações, buscando prometer a firmeza econômica do país em um cenário internacional de incertezas. Sua gestão, embora popular em alguns setores da sociedade, também foi marcada por críticas da oposição e de movimentos sociais, que apontaram o retrocesso em algumas das políticas sociais e direitos conquistados nos governos anteriores.
Um porvir a ser construído
A vitória de Yamandú Orsi não seria provável sem a profunda autocrítica realizada pela Frente Ampla posteriormente a rota de 2019. Reconhecendo os erros de gestão e a desconexão com algumas demandas da população, o partido promoveu um processo interno de reflexão e renovação, buscando reaproximar-se de suas bases históricas. Esse movimento incluiu não exclusivamente uma rearticulação de lideranças, mas também uma estratégia de engajamento que fortaleceu a relação com sindicatos, movimentos sociais, juventudes e comunidades locais.
A mensagem da vice-presidente eleita Carolina Cosse em seu oração da vitória foi clara: “Não faremos distinções, não seremos rancorosos. Respeitaremos todas as opiniões porque o Uruguai somos todos nós”. Essa promessa de união ressoa uma vez que um invitação para toda a América Latina. O caminho será difícil, mas, uma vez que Orsi afirmou em sua fala, “não há porvir se colocarmos um muro às ideias”.
A mobilização das bases foi meão na campanha de Orsi, marcada por um oração que uniu críticas ao neoliberalismo e compromisso com pautas populares, uma vez que a ampliação de direitos sociais e o combate às desigualdades. Essa revitalização não exclusivamente impulsionou a participação de antigos apoiadores, mas também atraiu novos segmentos da sociedade, criando um movimento coletivo que se refletiu nas ruas, nos bairros e nas redes sociais, consolidando a Frente Ampla uma vez que uma força política renovada e em sintonia com o momento histórico. Uma vez que destacou o presidente Lula em sua mensagem de parabém, essa é uma vitória de toda a América Latina e do Caribe, reafirmando a influência da integração regional e da luta conjunta por um desenvolvimento justo e sustentável.
Se o pretérito recente do Uruguai é uma prelecção de uma vez que o progresso pode ser conquistado, o porvir dependerá da habilidade de Orsi e da Frente Ampla de transcrever essa vitória em avanços concretos. No coração da América Latina, o “pequeno” Uruguai tem o potencial de mostrar, mais uma vez, que grandes transformações começam com passos seguros e a coragem de um povo uno.
* Bruno Fabricio Alcebino da Silva é bacharel em Ciências e Humanidades e graduando em Ciências Econômicas e Relações Internacionais pela Universidade Federalista do ABC. Pesquisador do Observatório de Política Externa e Inserção Internacional do Brasil (OPEB). Em mobilidade-acadêmica na Universidad de la República (UDELAR) em Montevidéu, Uruguai.
** Nascente é um cláusula de opinião e não necessariamente representa a risco editorial do Brasil do Vestuário.
Edição: Rodrigo Durão Coelho