O Brasil tem tapume de 65 milénio catadoras e catadores de materiais recicláveis trabalhando em associações e cooperativas espalhadas por todos os estados, de contrato com dados do Atlas Brasílio de Reciclagem. O levantamento não inclui aqueles que trabalham por conta própria e, por isso, de contrato com a pesquisa, “não é verosímil expressar quantos catadores e catadoras existem realmente no Brasil”. Segundo pesquisa do Instituto Brasílio de Geografia e Estatística (IBGE), de 2010, mais de 398 milénio brasileiros se autodeclararam catadores.
Embora trabalhem na risca de frente da preservação ambiental, esses profissionais estão entre os mais afetados pelos impactos da crise climática, conforme aponta a pesquisadora Juliana Gonçalves, do Observatório da Reciclagem (Oris).
“A gente tem cooperativas que não são estruturadas para ondas de calor, nem enchentes, nem temporais, a gente não tem uma estrutura de trabalho que dê conta de [o catador] estar na rua fazendo coleta”, diz.
De contrato com o Atlas Brasílio da Reciclagem, 52% das associações e cooperativas de catadores brasileiras possuem galpão próprio ou doado e unicamente 34% contam com kits básicos de equipamentos.
Sem galpão para armazenar as coletas, Flordelis Simão já perdeu materiais que recolheu. Simão mantém os materiais recolhidos a firmamento franco, em uma granja, e, quando chove, fica no prejuízo. “Eu já perdi demais material, principalmente papelão, porque molha, né?”, lamenta.
Trabalhadora sem associação, ela atua há mais de 25 anos em Santo Antônio do Leverger (MT) e escapa à conta do Atlas Brasílio da Reciclagem. “Eu cato toda vida sozinha, né? Agora que eu tô arrumando uma associação, mas toda a vida foi sozinha, sozinha”, diz.
A falta de espaço para armazenar a coleta é unicamente um item da lista de reivindicações apresentadas na ExpoCatadores 2024, realizada entre os dias 18 e 20 de dezembro em São Paulo (SP). Nascente é o maior evento do país nesse segmento, e reúne trabalhadoras e trabalhadores, empresas e financiadores de política para o setor.
Álvaro Macedo, assessor da Instalação Banco do Brasil, que desenvolve programas para atender à categoria, acompanha de perto essas solicitações, em diálogo com cooperativas e associações. As necessidades vão desde equipamentos de proteção individual (EPIs) até maquinário e galpões. “Muitos estavam falando que, na era da pandemia, quando teve a queda do valor do papelão, do material reciclável que eles vendiam, muitos deixavam de comprar os EPIs para trazer recurso para vivenda, porque não dava para comprar”, conta.
Em condições ainda bastante precarizadas, as medidas de adaptação para eventos climáticos extremos, porquê ondas de calor e tempestades, ficam em segundo projecto.
“Desde kits básicos, porquê EPIs para catação até mesmo grande maquinário, porquê as prensas… A masmorra toda está desassistida nesses últimos anos, portanto, qualquer tipo de recurso, de equipamento, está dentro desse bojo das necessidades dos catadores”, ressalta Macedo.
Muitos deles trabalham e vivem em lugares sujeitos a catástrofes climáticas, porquê explica Sonia Dias, técnico global em resíduos pela Woman in Informal Employment Globalizing and Organizing (Wiego). “Os galpões estão, em sua maioria, situados em territórios que já são mais vulneráveis do ponto de vista da exposição a eventos climáticos extremos”, diz.
De contrato com o Atlas, a renda média de catadores contratados porquê prestadores de serviços de coleta seletiva ou triagem por prefeituras é de R$ 1.730,58. Já os trabalhadores sem contrato ou vínculo com prefeituras recebem, em média, R$ 1.292,01. Assim, com uma renda familiar baixa, catadoras e catadores enfrentam impactos da crise climática também nos lugares onde vivem.
“A gente sabe que os grupos em situação de vulnerabilidade – isso envolve quilombolas, as comunidades tradicionais, os assentamentos informais, vilas e favelas – têm uma maior vulnerabilidade quando eventos climáticos extremos acontecem”, explica Dias. “Portanto, eles sofrem duplamente: no espaço de trabalho e também onde moram”, diz.
Um trabalho precípuo para o meio envolvente
“O Brasil está com muito lixo. Muito, muito mesmo. Aumentou muito”, avalia a catadora Flordelis Simão.
Nair de Fátima Domingos, da Cooperativa Ecovida, de Poti (SP), trabalha porquê catadora há mais de 20 anos e concorda. “Aumentou bastante. Eu acho que as pessoas têm usado mais, usa muita caixinha de leite, bebe muito guaraná”.
Embora as catadoras observem, ao longo dos anos, a quantidade de material reciclável aumentar, somente 23% dos municípios brasileiros organizam qualquer tipo de coleta seletiva, conforme aponta o Atlas.
Na avaliação de Dias, os catadores têm papel relevante na ensino climática. “No sentido de continuar na taxa para além da reciclagem e na questão de pensar programas, o papel ambiental e educativo que eles têm na ensino ambiental climática”, diz.
Carmelinda Pereira, catadora de Várzea Grande (MT), já tem um projeto educativo em mente para o próximo ano. “Nós vamos ter que fazer um trabalho de ensino ambiental, transpor de porta em porta, educando a pessoa sobre onde nós vamos deixar nosso saquinho para eles colocarem, a gente vai falar o que é para colocar dentro daquela sacola, que é o papel branco, o livro, a revista, a pet, a latinha”, conta.
Para Luiz Gonzaga de Roble, gerente de soluções da Instalação Banco do Brasil, os catadores são essenciais na economia circunvalar, concepção que propõe o reuso de descartes e a redução do consumo de recursos naturais, entre outras práticas saudáveis para o meio envolvente. “Eles já faziam economia circunvalar dentro da economia linear. Não tem porquê a gente pensar uma economia que faz voltar o processo sem a inclusão dos catadores”, diz.
Gonzaga indica que uma forma de melhorar as condições de trabalho e de vida desses profissionais é por meio da capacitação para que possam atuar de forma mais ampla e diversa. “A gente tem que fazer que chegue aos catadores de material recicláveis todo o processo de reciclagem, seja o orgânico, seja o das commodities, seja de termoplástico de engenharia, por exemplo”, ressalta.
Cícero Souza começou a recolher materiais recicláveis em 1987, em Fortaleza (CE). “Cada vez que a gente tira uma tonelada de resíduo, muita gente ganha e o meio envolvente também ganha, deixando de exprimir os gases na atmosfera, de exprimir chorume, de contaminar nossas águas”, explica.
Cônscio da relevância do trabalho, ele atribui aos catadores o título de doutor. “A relevância de ser um catador é ser um doutor. Doutor catador que salva o meio envolvente. Ele preserva vidas e vidas que dependem dessas vidas”.
*Essa material foi realizada em parceria com a Instalação Banco do Brasil
Edição: Martina Medina