Sem querer, Míriam Leitão acaba por magoar a si própria ao tutelar a criminalização das críticas ao sistema político brasiliano.
A militância de redação no Brasil tornou-se a principal instrumento de propaganda do sistema, usada para justificar perseguições políticas e arbitrariedades que não se viam desde o regime militar.
Impudência e desonestidade intelectual passaram a ser marcas de uma prensa falida, que abandonou a transcendente função de informar para se destinar à propaganda partidária e manipulação do público, seja por motivações ideológicas ou por interesses mais mundanos, por assim expressar.
O caso de Míriam Leitão, porém, leva essa desfaçatez a outro patamar. Hoje, uma das principais militantes de redação do grupo Mundo defendeu a criminalização da sátira política, claro do famigerado interrogatório das Fake News, em material no principal periódico da empresa.
A jornalista não vê qualquer problema em o Sindicância das Fake News se impelir rumo ao seu sexto natalício, e também não citou nenhum dos vários questionamentos de juristas sobre a sua validade. “Ele tem se desdobrado”, disse ela, justificando que havia uma rede organizada de mentiras para “minar a democracia e produzir um clima propício ao golpe”.
O que labareda atenção é que a própria Míriam já foi claro da mesma lógica acusatória. O falecido Paulo Henrique Amorim, membro de uma rede de blogs chapa-branca do PT, financiados com verba pública, rotulava Míriam porquê segmento do PIG (“Partido da Mídia Golpista”). Em 2014, descobriu-se que o perfil da jornalista na Wikipédia foi editado de dentro do Palácio do Planalto petista, prejudicando sua imagem.
Em 2016, o blog petista DCM incluiu Míriam numa lista de “jornalistas golpistas” por criticar Dilma Rousseff e se mostrar simpática ao impeachment. Já a cobertura da Lava Jato rendeu a ela e ao seu fruto um tratamento ainda mais hostil por segmento dos “companheiros”, que chegaram a hostilizá-la num voo, chamando-a de “terrorista”. Seu fruto, Vladimir Netto, escreveu um livro francamente favorável à operação, tendo Sérgio Moro presente no lançamento.
Em suma, a mesma lógica que Míriam agora emprega para criminalizar críticas ao sistema já foi usada contra ela. A diferença é que, à era, ninguém abriu um interrogatório para devassar sua vida ou ameaçá-la de prisão.
Não se pode olvidar que a principal fagulha da indignação popular contra o sistema político foi acesa pelas revelações da Lava Jato, amplamente divulgadas pelo próprio grupo Mundo e por jornalistas porquê Míriam Leitão.
Se a tese é de que a “falta de crédito nas instituições” integraria um “projecto golpista”, por que limitar a estudo ao período pós-2019? Poderíamos recuar alguns anos e incluir Míriam Leitão e a própria Mundo nesse mesmo interrogatório, já que foram determinantes ao expor as vísceras pútridas do sistema, o qual agora defendem com unhas e dentes.
Por término, seria de se esperar que alguém que se declara vítima de perseguição durante a ditadura militar demonstrasse um apreço maior pela liberdade de frase e pelos direitos fundamentais, sobretudo pelo devido processo permitido e a garantia do recta de resguardo.
Pelo visto, a simpatia pelos regimes totalitários cultivada na juventude não foi, por fim, superada.
Leandro Ruschel. Jornal da cidade