Ministro decano do Supremo Tribunal Federalista (STF), Gilmar Mendes refutou a principal tese usada por Bolsonaro para se proteger no chamado “sindicância do golpe”. Em entrevista à pilar, o magistrado sustentou que o planejamento de um golpe de Estado configura transgressão, mesmo que os envolvidos não tenham pegado em armas para tentar viabilizá-lo.
“Há a teoria de que, em princípio, atos preparatórios zero têm a ver com a eventual prática de transgressão. Só que, nesses casos de crimes contra o Estado de Recta e crimes contra a própria democracia, normalmente nós falamos de atos preparatórios que já são criminalizados. Até porque se o transgressão é bem-sucedido, ele se complementa. Na verdade, nós não vamos ter mais o Estado de Recta. Aquela situação que era ilícita passa a ser lícita. Nós vamos ter uma novidade ordem. Portanto é preciso entender isso nesse contexto”, afirmou Gilmar Mendes.
“E as coisas foram muito além de atos puramente preparatórios, uma vez que se fossem atos cerebrinos. A gente pode pensar assim: ‘Poxa, que vontade de dar um tiro em alguém’. Fiquei no livre pensar. Mas não era disso que se tratava”, prosseguiu o ministro.
“Quando há quantia entregue para kids pretos, se isto ocorreu de indumento; se pessoas foram monitoradas para eventualmente serem presas ou eliminadas; [se houve] documentos e atos. As pessoas estavam nos prédios acompanhando. Nós temos bastante concretude nessas medidas. ‘Ah, por que não realizou?’ Porque desistiu ou porque foram aconselhados… Tudo isso é extremamente grave e será devidamente pesquisado”, disse. O ministro citou as investigações da Polícia Federalista (PF):
“O relatório tem mais de 800 páginas. Nós vemos atos muito mais concretos. Quando se trata, por exemplo, de falar do homicídio do presidente da República eleito, do vice-presidente eleito, do homicídio de um ministro do Supremo. São coisas de extrema sisudez. E não eram pessoas que estavam lá no Acre fazendo um treino lítero-poético-recreativo. Eram pessoas que estavam com quantia, estavam com carros, estavam se deslocando, monitorando essas pessoas”.
“A investigação é bastante consistente. Acha documentos impressos em impressoras do Palácio do Planalto, comunicações entre essas pessoas, envolvimento dessas pessoas. E todos tinham cargos públicos. Portanto tudo isso é bastante sério”, continuou.
Em seguida a operação da Polícia Federalista que antecedeu o indiciamento do ex-presidente, em 19 de novembro, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) argumentou: “Por mais que seja repugnante pensar em matar alguém, isso não é transgressão. E, para ter uma tentativa, é preciso que sua realização seja interrompida por alguma situação alheia à vontade dos agentes. O que não parece ter ocorrido”.