Neste dia 20 de novembro, primeiro ano em que o Dia da Consciência Negra é feriado pátrio no Brasil, a luta contra o extermínio da população jovem e negra segue bandeira mediano das marchas organizadas em dezenas de cidades. Apesar do “caminho longo a percorrer”, Regina Santos, militante histórica do Movimento Preto Unificado (MNU), observa que se vive um progressão da “consciência racial da sociedade brasileira”.
A luta para que a data se tornasse um feriado em todo o país é encampada por entidades do movimento preto “desde o grupo Palmares em Porto Jubiloso, em 1971”, lembra Luciana Araújo, que atua na Marcha de Mulheres Negras de São Paulo desde a sua instalação em 2014.
“Não é uma conquista só de um dia para permanecer remoto do trabalho num país que ainda guarda muito do seu DNA escravocrata. É um dia para marcar os crimes continuados do Estado brasílio contra a nossa população”, destaca Araújo.
A sanção do Dia Vernáculo de Zumbi e da Consciência Negra porquê feriado pátrio foi feita pelo presidente Lula (PT) em dezembro de 2023. A inauguração da data nestes moldes em 2024, para Luciana, “é uma vitória dos movimentos negros em um contexto de uma verdade muito difícil no país e no mundo”.
Genocídio
A maior presença da temática racial no debate público e o aumento, na última dez, da população negra nas universidades – segundo o IBGE, em 2022 eram 48,3% dos estudantes, 3% a mais que em 2016 – não está escoltado da queda da seletividade racial da violência das forças de segurança do Estado.
O dia que homenageia Zumbi dos Palmares chega em 2024 no mês em que um estudo revelou que quase 90% das vítimas fatais da violência policial no país são negras.
Obtidos por meio da Lei de Aproximação à Informação (LAI) de nove estados, o boletim “Pele claro: mortes que revelam um padrão” da Rede de Observatórios da Segurança mostrou que das 4.025 mortes pela polícia em 2023, 3.169 eram pessoas negras. O número equivale a 87,8% do totalidade.
Ao longo dos últimos cinco anos em que a Rede faz leste levantamento, o estado da Bahia registrou um aumento de 161% nas mortes praticadas pela polícia. Em 2023, a Bahia, unidade da federação mais negra do Brasil, foi também aquela onde a polícia foi mais mortífero. Governada por Jerônimo Rodrigues (PT), o estado registrou 1.702 pessoas mortas pela polícia no ano pretérito.
No lançamento do relatório, a investigador social e coordenadora da pesquisa, Silvia Ramos, classificou os dados porquê “escandalosos”. “De 2019 a 2023, aconteceu o seguinte dentro da polícia baiana: em vez de coibir o uso da força mortífero, houve incentivo. Pode ter certeza, não é só porque os criminosos estão confrontando mais a polícia. É porque tem uma polícia cuja ação mortífero foi liberada”, avaliou Ramos em entrevista à Sucursal Brasil.
“A violência policial já era uma preocupação lá em 1978”, diz Regina, se referindo ao ano em que o MNU foi fundado, em plena ditadura militar, nas escadarias do Theatro Municipal de São Paulo.
“Mas estamos pautando com muita força hoje o genocídio, para que o Estado brasílio pare de nos matar, de nos encarcerar”, destaca Regina. Segundo o Anuário Brasiliano de Segurança Pública, das murado de 850 milénio pessoas presas no país, 70% são negras.
Somente seis dias tinham pretérito deste novembro, o mês da consciência negra, quando a morte do garoto Ryan Andrade Santos, de quatro anos, em uma ação policial na Baixada Santista tomou as manchetes. As operações da Polícia Militar paulista na região desde julho de 2023 fizeram escalar a morte de adolescentes em 60% sob a gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Ex-policial da Rota e secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite declarou que os PMs que mataram a menino “atuaram para proteger a própria vida de agressão de criminosos”. Dois dias depois, o governador Tarcísio elogiou Derrite, dizendo que o secretário se tornou “referência para todo o Brasil”.
O cenário, pontua Luciana Araújo, é de um país governado em diversas instâncias por representantes da extrema direita que “têm porquê principal claro o povo preto”.
“Não é à toa que a gente vive a retomada da tentativa destes setores de proibir o monstro, inclusive aquele previsto em lei, quando a gente sabe que pelo menos 40% das vítimas de estupro nesse país são meninas negras de 0 a 16 anos. É um projeto de extermínio que não parece ser voltado ao povo preto, e sim a todas as mulheres, mas que é voltada principalmente para nós”, argumenta Luciana.
“E o genocídio no Brasil, porquê já dizia Abdias Promanação”, prossegue Araújo, “tem múltiplas faces”: “Tem a face mais direta que é a ação da polícia, mas tem a face da negativa de direitos, das políticas de ajuste fiscal, do desmonte do SUS, ou a privatização da ensino, porquê o Tarcísio vem fazendo em São Paulo”.
Ao referir as recentes absolvições do policial que matou a rapariga Ágatha Félix no Rio de Janeiro e também das empresas Samarco, Vale e BHP pelo rompimento da barragem de Mariana (MG), Luciana Araújo ressalta que há um projeto de extermínio em curso.
Rechaçando a teoria de ramal de conduta de policiais ou de meros acidentes que fazem da população pobre e negra a maior vítima de tragédias relacionadas a eventos climáticos, Araújo reitera que leste 20 de novembro “tem uma valia fundamental”.
Em suas palavras, “é um momento de denúncia do genocídio porquê meio, porquê sempre, porque é um projeto do Estado brasílio. E a gente precisa debater isso nesses moldes. Porque o nosso governo não pode fazer isso”.
“Ainda que sob um governo federalista progressista que reconheceu a luta do movimento preto e a premência do feriado, vivemos também neste cenário em que a procura por governabilidade acaba colocando na mesa de negociação os nossos direitos”, salienta a integrante da Marcha de Mulheres Negras.
Maior letramento racial
Ao mesmo tempo em que o país vê e permite a violência racista de Estado, existem, na avaliação de Regina Santos, “algumas vitórias que podem até nem ser palpáveis num primeiro momento”: “a questão racial está sendo pautada por toda a sociedade brasileira e isso é resultado da luta do movimento preto”.
“Há alguns anos, a invisibilidade da questão racial era um impedimento para o enfrentamento ao racismo”, observa Regina. Hoje, diz ela, há um “progressão na conscientização racial”.
“É só a gente ver a juventude nos saraus, nas batalhas de rima, se apropriando da nossa história tão violentamente escondida. Essa juventude que se reconhece negra, tem orgulho da sua história, dos seus cabelos, dos seus traços. A gente está vendo isso aflorar com muita força nas periferias”, aponta Santos.
Oriente “progressão bastante possante”, classifica Regina, está relacionado com outras conquistas. Entre elas, a ativista cita o aumento de pessoas do movimento preto em espaços institucionais de poder, a obrigatoriedade das cotas raciais nas universidades e a aprovação da Lei 10.639/2003, que institui o ensino da história e cultura-afrobrasileira em todas as escolas públicas e particulares do país – ainda que sua emprego seja falta em 70% dos municípios brasileiros.
Edição: Nathallia Fonseca