Muitos jovens estão desesperançados e sem perspectivas concretas de horizonte. E nisso reside, segundo Gilmar Mauro, uma das explicações para a continência elevada nas eleições e mesmo para os votos descarregados na extrema direita. Esse é um dos assuntos dessa longa e intensa conversa com Brasil de Veste RS. Na risca de frente da agroecologia, o paranaense que virou militante do MST no ano seguinte à instauração do movimento – 1985 – apressa-se a esclarecer que o termo não remete a um padrão superado de cultivar a terreno.
“Quando falamos de agroecologia, às vezes as pessoas pensam que estamos querendo voltar ao pretérito”, acentua ele que, desde menino, trabalhou “detrás de juntas de boi no Paraná”. Mauro quer, uma vez que explica, entrada às tecnologias que diminuem “a penosidade do trabalho agrícola”. Preocupado com as mudanças climáticas, não tem ilusões quanto às soluções propostas pelo sistema regido pelo capital.
“Para diminuir a quantidade de gases de efeito estufa, você deve suprimir todas as tecnologias da Segunda Revolução Industrial, quais sejam as tecnologias do automotivo, o uso de petróleo, hidrocarburetos em universal, completar com as guerras, a indústria do plástico. Qual a empresa numulário que vai deixar de fazer isso? E qual Estado, pátria numulário, vai deixar de fazer isso?”, indaga.
Acompanhe a entrevista:
Brasil de Veste RS: Você tem chamado a atenção para o agravamento da crise ambiental. E nós, cá no Rio Grande do Sul, vivemos isso na pele com a enchente de maio e junho. Mas, nas eleições municipais, essa taxa passou muito longe das opções do eleitorado. As pessoas estão cegas para essa veras?
Gilmar Mauro: Há cinco anos conversei com cientistas e eles, logo, não estavam tão convencidos da emergência. Depois de cinco anos, evidentemente, com os últimos fenômenos ocorridos, não só no Rio Grande do Sul, mas em São Sebastião (SP), do transgressão de Mariana e de Brumadinho, da Espanha e várias partes do mundo, a situação climática se agravou demais. Nem as esquerdas se deram conta da situação. Talvez agora, em função das queimadas na Amazônia e da fumaça preta em São Paulo, começaram a incendiar luzes. Mas na população, infelizmente, o tema não está sendo discutido.
Tenho dito que o horizonte já chegou. Morre muito mais gente hoje por desastres climáticos, seja calor extremo, indiferente extremo, chuvas intensas, furacões, etc e também pandemia. É bom lembrar que esse problema gera pandemias uma vez que vivemos a da covid-19 e outras pandemias que se avizinham com o processo de degelo e da ruína ambiental. Temos gases de efeito estufa na atmosfera já suficientes para liquefazer as geleiras. Muito particularmente o CO2 e o óxido nitroso, de uma duração muito grande. Também o metano. Teríamos que parar de exprimir urgentemente novos gases na atmosfera e plantar bilhões de árvores para tentarmos minorar o problema.
Apesar de 95% dos municípios gaúchos terem sido afetados pela enchente, os eleitores foram na contramão do zelo com o meio envolvente. Porquê investigar isso? É a descrença da política institucional?
Várias questões se articulam. Não é só uma. Há uma descrença na questão eleitoral e na institucionalidade. A esquerda, em determinado momento da história, colocou-se uma vez que antissistêmica. Hoje a esquerda é sistema no Brasil e faz tempo. O antissistema é a extrema direita. Todo mundo sabe que é fake, mas se colocou nessa quesito. Dois, se você somar abstenções, votos nulos e brancos, a grande maioria da população não acredita nesse sistema. E o terceiro paisagem é a falta de perspectivas concretas, principalmente no caso da juventude. Muitos jovens não se interessam hoje por fazer universidade. Perguntam “para quê”? Minha Lar, Minha Vida, parece estar fora do horizonte da juventude.
Do ponto de vista estrutural, há uma mudança muito grande nas chamadas classes trabalhadoras. Aquele operário fabril clássico, que tinha um lugar fixo para ir trabalhar, e, portanto, para ele, a morada fazia todo o sentido, também está se esgotando. Aliás, na juventude, a própria instituição do himeneu ou do ter filhos é uma coisa já em desuso. É viver o hoje intensamente. Não se sabe se terá o amanhã. As esquerdas, em universal, não estão colocando perspectivas de horizonte, o que leva a uma espécie de limbo. Você não tem perspectiva, você não fala em projeto, e não adianta a esquerda vir com essa pautinha de empreendedorismo de esquerda, porque não é isso, muito pelo contrário. Inclusive há pesquisas indicando que grande secção da população quer carteira assinada, quer direitos.
Cá, durante as enchentes, houve outra enxurrada, a das fake news. Uma desinformação muito grande, acho até que, comparada com a das eleições de 2018, foi ainda maior. De alguma forma, isso também contribuiu, não só para a eleição de grande número de prefeitos da direita e extrema direita, uma vez que para a continência. Avalias que essa desinformação também contribui para isso?
Simples. E continua. Mas fake news sempre existiram, principalmente nas eleições. Coloquei ingredientes cá, num evidente sentido, crítico às esquerdas, mas é óbvio que, do outro lado, a direita está jogando pesado. Ela hoje tem uma militância política, atua nas fake news e nas ruas também. Acho que eles leram [o pensador italiano Antonio] Gramsci. Estão disputando conselhos tutelares, diretorias de escola, todos os espaços.
As organizações que nós produzimos foram produzidas por um tempo histórico que já não existe mais. Esse é um problema. Foram produzidas por um tempo em que o desenvolvimento do capitalismo permitia ganhos para a classe trabalhadora em universal. Mas você tinha situações e correlações de força em graduação internacional que permitiram um progressão, por exemplo, da social democracia em todo o mundo. Você tem uma União Soviética por um lado, você tem a reconstrução da Europa por outro e a social democracia cresceu e muito. Estamos em um tempo em que, além de não obtermos conquistas concretas para a classe trabalhadora, estamos perdendo conquistas históricas, frutos de muita luta. E os nossos instrumentos políticos e organizativos estão em uma período defensiva, grande secção deles com um viés social democrata e, portanto, sem espaço.
Não é uma questão de eu gostar ideologicamente ou não da social democracia. É uma questão objetiva desse tempo histórico. E essa situação está colocando os limites desse grande espectro de esquerda, que inclui também social democracia e democratas mas que estão perdendo espaço e força no Brasil e no mundo inteiro.
Não dá para botar na lata do lixo o que a gente produziu. Não sou liquidacionista. O que produzimos é o que melhor que conseguimos mas não dá conta da atualidade. Vou dar um exemplo: em cada bairro e lugarejo desse país você vai encontrar farmácia, vai encontrar igreja, vai encontrar biqueira, vai encontrar um monte de coisa. Mas pergunto: e cadê a portinha do movimento sindical? Cadê a portinha do partido? Cadê a portinha do movimento popular? Não há espaço vazio e esse espaço está sendo ocupado pelos setores de direita. Não é que a juventude foi para a direita, não. É uma disputa política. Vamos ter que nos preparar se quisermos mudar esse país e o mundo, inclusive se quisermos ajudar a preservar a espécie humana.
Para entender essa mudança, qual esquerda precisa surdir?
Não há uma receitinha. Se conseguirmos fazer um bom diagnóstico, não só das eleições, mas das mudanças estruturais no mundo do trabalho, precisaremos mostrar (um pouco) para que a esquerda comece a discutir com mais profundidade as causas do problema. Colocar o dedo na ferida. Não tenho nenhuma incerteza que a perpetuidade do modo de produção numulário vai valer a ruína da humanidade.
Falei que há gases de efeito estufa suficientes para liquefazer as geleiras e provocar a desertificação de algumas áreas ou a savanização da Amazônia, impactos muito grandes. A COP [Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas] diz que precisamos parar de exprimir 50% de gases de efeito estufa até 2030 e 100% até 2050. Mas para diminuir essa quantidade de gases de efeito estufa, você deve suprimir todas as tecnologias da Segunda Revolução Industrial, quais sejam as tecnologias do automotivo, o uso de petróleo, hidrocarburetos em universal, completar com as guerras, a indústria do plástico. Aí eu pergunto: qual a empresa numulário que vai deixar de fazer isso? E qual Estado, pátria numulário, vai deixar de fazer isso? O capital precisa se amontoar e se expandir permanentemente. Senão, deixa de ser capital. E para amontoar e se expandir permanentemente, precisa extrair matérias primas e transformar tudo e todos em mercadoria o tempo todo, inclusive as catástrofes.
Quem vai reconstruir o Rio Grande do Sul? As pontes, as estradas? Quem recuperou os estragos da Segunda Guerra Mundial? É disso que estamos falando. Suprimir as tecnologias da Segunda Revolução Industrial provocaria uma brutal contração no PIB em graduação planetária. O capitalismo vai fazer isso? Esses países vão fazer isso? Não. Se eu caminhar a pé com vocês, a gente não produz PIB. Agora, se andarmos de coche e tiver trânsito, uma vez que nas grandes cidades, a gente eleva o PIB. Se bebermos chuva da nascente, não elevamos o PIB. Mas se a chuva estiver suja pra caramba e precisar de tratamento, crescemos no PIB. É a lógica do sistema do capital.
Portanto, a esquerda vai ter que discutir essa questão. Aliás, termino cá, com uma frase do Wilhelm Reich, um psicanalista germânico que, entre outras obras, escreveu Psicologia de Massas do Fascismo: “Os velhos têm a história nas costas, a juventude primeiro”. Essa esquerda vai ter que dialogar com a juventude. É a única capaz de enfrentar esses problemas e propor um outro projeto. Agora, não podem jogar os velhos na lata do lixo. Evidentemente, eles podem dar uma taxa muito importante também para esse processo de reconstrução de uma novidade esquerda, de um novo projeto político e ideológico.
Ainda sobre as eleições: oriente ano o MST resolveu investir mais fortemente e elegeu 133 candidatos a vereador, prefeito e vice-prefeito. Porquê que se deu essa decisão de investir mais nessa questão institucional?
O MST sempre esteve participando dos processos eleitorais apoiando aliados e aliadas na luta pela reforma agrária. Mas a própria luta concreta do MST é a procura pela institucionalização de conquistas. Você faz a ocupação buscando institucionalizar o assentamento, o crédito, a moradia, e assim por diante. Nós, uma vez que classe trabalhadora, buscamos, através da luta, que é a única linguagem que as classes dominantes entendem melhor, a procura de conquistas concretas para que, efetivamente, elas sejam institucionalizadas uma vez que direitos.
E eu quero fazer um recorte: não é todo o MST que foi nesse debate. Optamos por entendermos que, principalmente as eleições municipais, são momentos importantes de fazer um debate político. Para além dos assentamentos, para além dos acampamentos, de envolver as circunvizinhanças desses espaços onde atuamos. Até porque, sozinhos, só com a nossa base, dificilmente teríamos condições de optar uma grande quantidade de gente.
Portanto, há um debate nas cidades que fazemos na resguardo da reforma agrária, da sustento saudável, da agroecologia, e agora também no espaço municipal. Porquê secção de um trabalho de base. Espero que não só no período eleitoral mas que venha para permanecer. Cá em São Paulo, vejo um monte de gente com o boné do MST, na avenida Paulista, nos domingos. Não faço nem teoria de quem seja. De vez em quando dou um grito ‘É isso, é terreno!’.
Virou tendência…
O público se aproxima do MST por diferentes razões. Tem duas coisas importantes: uma é fazer a luta institucional, para que essa luta institucional nos ajude a fortalecer o braço da luta popular; outra é fazer a luta popular para que nos ajude a amontoar forças do ponto de vista institucional dentro de uma perspectiva de projeto estratégico que queremos para o MST. Na nossa taxa corporativa, mas também de uma taxa política mais ampla para amplos setores da classe trabalhadora.
E quais são os fatores que podem dar melhores condições eleitorais? Quais políticas públicas podem impulsionar essas candidaturas do campo democrático popular?
É importante sempre demarcar uma posição política e ideológica. Para que se disputa? Isso é fundamental, porque senão caímos numa lógica do quidam. O primeiro paisagem é prometer essa coesão política, ideológica e de projeto político. Se não, vira oportunismo tóxico. E o segundo é difundir na sociedade temas importantes, uma vez que a agrofloresta, os problemas ambientais, a comida saudável, a reforma agrária.
A coisa mais moderna a ser feita nesse país é uma reforma agrária. Hoje, o Brasil vegetal em 80 milhões de hectares. Destes, 45 milhões com soja e 21 milhões de hectares com milho. Sobram 14 milhões para as outras coisas. E o país utiliza 150 milhões de hectares com pastagens. Ou seja, nos transformamos numa monocultura de exportação de commodities agrícolas, destruindo a natureza, os recursos naturais, utilizando adubos químicos, nitrogenados e uma quantidade de veneno imensa, colocando queima nos nossos biomas. Essa é a lógica, a dos grandes fazendeiros colocando queima nos biomas para ampliar esse tipo de ruína para obter lucro.
Reforma agrária é fundamental no nosso país e no mundo e a disputa por terreno, território e chuva é a disputa mais intensa que será vista no próximo período. Aliás, não se explica a guerra da Palestina sem discutir terreno e território.
O MST tem seu Projecto da Reforma Agrária Popular que será rediscutido no seu encontro vernáculo no ano que vem. E nesse projeto, além da reforma agrária, há várias propostas, uma vez que a da agroecologia e o projecto de plantar 100 milhões de árvores em todo o Brasil. Essa proposta ajudaria a mudar esse sistema de produção do país?
Sem incerteza. Defendemos um padrão de cultivação para o Brasil (para o qual) é preciso fazer uma revolução. A revolução da cultivação é a única perspectiva que salvará a própria cultivação de um colapso, que está desenhado, que está se dando. Em São Paulo, onde moro, é preciso irrigar a cana. Cultivos uma vez que laranja estão migrando em função do Aquífero Guarani. Estão perfurando grandes poços. O aquífero não dá conta de repor a chuva utilizada.
Em um pequeno espaço de tempo vamos ter uma crise hídrica muito grave, fruto desse tipo de monocultura e de ruína. Afirmamos, categoricamente, que é verosímil cevar toda a humanidade de forma agroecológica. Hoje, 65% do que se consome de comida na humanidade envolve quatro produtos: arroz, milho, trigo e soja. Se você colocar 90% dos provisões de toda a humanidade, são 15 tipos de produtos. Para termos um oferecido comparativo: o MST hoje, os pequenos agricultores, entregam no PAA (Programa de Obtenção de Víveres do governo federalista) 400 tipos diferentes de provisões. É que a indústria, além de convergir economicamente – e por isso o concepção de agronegócio – é a montante do processo de produção, que é a indústria para cultivação, maquinários, venenos, sementes transgênicas que fornecem para a cultivação e a jusante do processo de produção, que é a indústria de transformação controlada por pequenos grupos em graduação planetária que lucram financeiramente com a produção agrícola. O processo está se financeirizando cada vez mais. Temos uma cultivação familiar que tem uma vez que produzir provisões de todos os tipos sem veneno. Mas, para isso, é preciso mudar a cultura cevar. A cultura dos ultraprocessados, subjetivamente e objetivamente, construiu isso.
A terreno, os recursos naturais, a chuva, as sementes, devem ser patrimônio público da humanidade, Não pode ser propriedade privada. É preciso mudar os paradigmas tecnológicos. Quando falamos de agroecologia, às vezes as pessoas pensam que estamos querendo voltar ao pretérito. Entrei no MST em 1985. Antes, eu trabalhava na terreno. Desde gaiato, trabalhei detrás de juntas de boi no Paraná. Não é dessa cultivação que estou falando. Queremos tecnologia que diminua a penosidade do trabalho agrícola e que agrida o mínimo verosímil a natureza.
Quando decidimos plantar 100 milhões de árvores em 10 anos, tínhamos consciência que isso não resolveria o problema da questão ambiental e a crise climática. Mas plantar 100 milhões de árvores é plantar zelo. Quando nós decidimos fazer marmita e fazer doações solidárias no período da pandemia e outros, sabíamos que não iríamos resolver os problemas da lazeira no país. Mas partilhar marmita e comida é plantar solidariedade. É aquela teoria de Marx, mas também de Paulo Freire, que ‘nós nos fazemos ao fazermos as coisas’. Quando mandamos militantes do MST para a Palestina, para o Haiti, para a África, mais do que ajudar eles a resolver os problemas deles, no fundo estamos formando em nós a solidariedade e o internacionalismo. É disso que se trata. É produzir essas iniciativas numa perspectiva de formar uma novidade geração com outros valores.
Porquê o governo Lula poderia impulsionar essas práticas mais sustentáveis?
Estamos acertando uma novidade reunião com o presidente da República. Tivemos uma um mês e pouco detrás e foi muito interessante, muito boa. Entretanto, ainda há uma deficiência em termos de políticas concretas para a pequena cultivação. Na dez de 1980, o Brasil enfrentou grave crise. Depois, o governo Fernando Henrique Cardoso terá que recorrer ao FMI. O Brasil não conseguia remunerar a dívida externa. Naquele momento, havia um processo de desindustrialização da economia brasileira. O término de um ciclo. O que FHC irá fazer? Ele precisava vender, ter superávit mercantil, ter verba para remunerar a dívida. Fez um programa voltado para a cultivação.
Com a Lei Kandir, em 1996, quem exportasse não pagaria impostos. Incentiva-se a exportação de commodities agrícolas. Não é novidade na história brasileira. Nascemos exportando matérias-primas mas, a partir dos anos 1990, reprimarizamos cada vez mais a nossa economia. Por que estou dizendo isso? Porque quem investiu na exportação de commodities é que foi beneficiado no campo brasílico. E quem ficou produzindo para o mercado interno, principalmente comida para o povo, ficou alijado. Vejamos: dos R$ 400 bilhões disponibilizados agora de financiamento para o grande agronegócio, foram R$ 400 bilhões públicos, com subvenção e equalização de taxas de juros. Mas a iniciativa privada colocou um trilhão nesse tipo de negócio financeiro na cultivação. E R$ 70 bilhões para a cultivação familiar. Mas na cultivação familiar só 750 milénio pequenos agricultores tiveram entrada. E temos mais de quatro milhões de pequenos agricultores.
Foram alijados, se endividaram, empobreceram no campo, e sequer têm recta a crédito. E olha a ironia. É quem defendeu o Lula nas últimas eleições. Porque o agronegócio, e até evidente setor da própria cultivação familiar, que aderiu à ideologia do agronegócio, acabou aderindo ao Bolsonaro. Veja a incoerência. Portanto, para nós avançarmos, e isso a gente falou na reunião com o Lula, é preciso Desenrola no campo, é preciso resolver pequenas dívidas. Cinquenta por cento das dívidas dos pequenos agricultores não passam de R$ 10 milénio. Tem um problema de score bancário que, mesmo que você tenha pagado a tua dívida, entra uma vez que uma espécie de mancha no banco. Isso é normativa interna do próprio Banco do Brasil e da Caixa.
É preciso crédito agrícola, é preciso colocar verba no PAA, é preciso que cada pequeno cultor tenha financiamento para plantar, ao menos, um hectare de agrofloresta na sua terreno. Com isso elevamos a quantidade de árvores plantadas em todo o Brasil. É preciso pousar as famílias acampadas, estimular a indústria de máquinas, de bioinsumos para substituir os insumos.
Estamos discutindo o campo para além da questão da produção. É uma espécie de pensar um projecto diretor para cada assentamento, cada comunidade, que vai discutir uma vez que vai ser a agrovila, uma vez que vai ser a preservação das nascentes, uma vez que terá entrada à tecnologia, à internet, uma vez que que vai colocar teatro, vai colocar arte, vai colocar escola nesses lugares. Uma perspectiva de transformar esses locais num lugar lindo para se viver, para morar em simetria cada vez maior com a natureza mas numa perspectiva de qualidade de vida, uma vez que padrão, inclusive, para se pensar futuras cidades. É o que achamos que o governo deve fazer. Infelizmente, tenho que ser honesto, não está acontecendo.
E o MST é um dos movimentos que não deixa de fazer a pressão no governo federalista. Manuela D’Ávila, inclusive, disse que se um governo está em disputa, tem que ter disputa pelos dois lados, não adianta só o centrão, o agronegócio, permanecer disputando o governo e o outro lado não disputar.
Não fazemos luta porque achamos bonito. A luta de classe não surgiu conosco e nem terminará conosco, possivelmente, embora as lutas tenham o seu lado lúdrico, de formosura, evidentemente, mas é porque é a única linguagem que as classes dominantes entendem. É no processo de luta que se forma o sujeito coletivo, é quando acontece o fenômeno da alteridade. Eu me vejo em você, a teoria, meu companheiro, minha companheira, que, aliás, acontece na igreja também, minha mana, eu e o irmão, é nesse processo que nos reconhecemos uma vez que classe trabalhadora.
Não dá para separar a luta econômica da luta política, não dá para separar a luta presente daquilo que a gente quer no horizonte. Se quiser uma sociedade solidária, tem que plantar solidariedade; se quiser uma sociedade justa, tem que plantar justiça; se quiser uma sociedade onde homens e mulheres tenham direitos iguais, é preciso plantar isso cá e agora, inclusive, dentro das nossas casas. No dia em que a esquerda e o movimento popular, o MST, deixarem de fazer luta é porque morreram. Não tem sentido. Olha o paradoxo que vou colocar agora: somos os primeiros a querer completar com o MST. Agora, para completar com o MST, é preciso fazer a reforma agrária. E sabemos que, para fazer a reforma agrária, é preciso modificar a interdependência de forças e essa tarefa não é só do MST. É de vocês e de toda a sociedade brasileira.
Qual é a expectativa com essa centena de candidaturas eleitas do MST?
Espero que seja uma experiência positiva. Mas temos que ter a perspicuidade para, aí na frente, se a experiência for negativa, fazermos uma autocrítica e corrigimos os golpes. Não é uma coisa… “Ah, o MST entrou de cabeça agora, não tem volta”. Não é assim. Tem uma expectativa positiva de colocar os nossos temas e de amplos setores das classes trabalhadoras nesses espaços municipais. Não é o quidam que está lá. É o projeto. Aliás, tem um fatia de gente que se acha o maioral, lê os três livros, empina o nariz e se acha o grande que vai resolver tudo. Brinco com eles e digo “Vai sozinho fazer uma ocupação de terreno logo, se tu é o bom”. Acredito em processos coletivos, acredito na humanidade, mesmo com toda a crise que nós estamos vivendo. Quem perdeu a crença na humanidade de alguma forma morreu internamente.
O MST tem essa preocupação com o novo paradigma do ser humano. O próprio projecto da reforma agrária popular também traz esses elementos das relações interpessoais. Che Guevara dizia que uma revolução tem que ser para trazer um novo varão, uma novidade mulher, enfim, esse elemento da humanidade…
Temos que falar de revolução com um sorriso nos lábios. Fazer a revolução é um pouco fundamental para o Brasil e para o mundo. Parece que para falar de revolução tem que falar escondidinho. Se você esconde, a esquerda não ameaço. Nós nem falamos cá mas quanta gente está em depressão, o índice de suicídios, mundo afora, e na juventude em pessoal. É isso que a gente quer, francamente? Portanto, temos que falar dessa novidade sociabilidade. Vai doer para um monte de gente, não é? Falar de participação das mulheres. Romper com preconceitos mais diversos, seja o racismo, a LGBTfobia etc.
Queremos erigir uma sociabilidade dissemelhante. E isso não desarticula. Pelo contrário. Não dá para separar da luta econômica. Você tem que disputar a terreno. Não vai ter reforma agrária se não tiver desapropriação. Depois, você tem que ter um projeto de uso dessa terreno. Aliás, a reforma agrária é uma bandeira burguesa da revolução francesa. Que se aliou ao campesinato porque precisava derrotar o feudalismo e produzir mercado. Mercado dos produtos da mediocracia e matéria-prima. Portanto, criou-se essa teoria de reforma agrária dentro do capitalismo. Agora, hoje a reforma agrária não pode ser feita ao estilo clássico. Tem que ter um projeto. Por isso chamamos de reforma agrária popular. Que é partilhar terreno mas também erigir novas relações. Preservar, replantar, cuidar de nascente. Mas é também cuidar das relações, ter ensino, ter saúde.
(*) Esta é uma versão reduzida de entrevista ao podcast De Veste.
Manadeira: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Ayrton Centeno