Bruno Marinz nasceu em Goiânia, está com 23 anos, cinco dos quais passou no Rio Grande do Sul, entre as cidades de Santa Cruz do Sul e Porto Prazenteiro. Estuda perícia criminal na Faculdade Estácio de Sá. Ele foi o último funcionário a transpor da Pousada Garoa na noite do incêndio que matou 11 pessoas e deixou 15 feridos no dia 26 de abril deste ano, no núcleo da capital gaúcha.
Ele conversou com o Brasil de Indumentária RS e afirma, pela primeira vez à prensa, que a pousada tinha uma série de irregularidades: sujeira, presença de ratos e baratas, falta de serviços básicos e instalações precárias. Bruno entrou na pousada uma vez que funcionário no dia 2 de abril, saiu em 1º de agosto e, em seguida o incêndio, voltou para a sua terreno natal, Goiânia, com susto de que alguma coisa acontecesse com sua vida.
Quase cinco meses depois, não há um parecer objetivo sobre as causas do lume na Pousada Garoa. Os tapumes estão lá, não há movimentação de investigações em curso. O proprietário, André Luis Kologeski da Silva, acredita que o incêndio foi criminoso. O grupo Garoa tem 23 unidades em Porto Prazenteiro, todas funcionando em espaços alugados. A empresa tinha capacidade para atender 450 pessoas.
“Fui contratado pela Pousada Garoa no mês do incêndio. Fazia de tudo um pouco. Cuidava da recepção, cobrava aluguel, fazia manutenção, trocava lâmpadas, separava brigas entre os moradores”, conta. “Moravam ali pessoas [em situação] de rua, carentes, usuários de drogas, alcoólatras, enfim… pessoas desesperançadas e cheias de problemas. O prédio tinha quatro andares, mas só três funcionavam para os hóspedes. Não sei o que tinha no quarto caminhar. No totalidade, acredito, eram 25 quartos. Tinha bom relacionamento com alguns, não dava para conversar com a grande maioria. Eles tinham suas questões e dificuldades”.
‘Extintores não funcionavam recta’
“O lugar que pegou lume e todos os outros, nas proximidades, também pertencentes à Garoa, eram sujos. Tinha muito rato e barata. Uma loucura. Ali vi o maior rato da minha vida. As baratas andavam por todos os lados. Os fios elétricos estavam jogados, as tomadas arrebentadas. Era uma desorganização brutal. Não tinham desvelos. A pousada ali compreendia também outros dois blocos, nos números 309 e 491 da Avenida Farrapos”, conta.
“Os extintores de incêndio não funcionavam recta. Aquele que peguei na noite do incêndio não consegui destravar o pino e não pude usá-lo. Não tinha fardo nenhuma. Uma verdadeira calamidade o descaso com a segurança. Os quartos, as escadas e as portas eram de madeira. Situações que devem ter contribuído para a propagação rápida do lume”, explica o ex-funcionário.
“Os moradores da pousada, caso não pagassem o aluguel ou não apresentassem a comprovação de que a prefeitura pagou, tinham seus pertences colocados em sacos, e a ordem era remover os moradores, da forma que fosse verosímil. A ordem do André era tirar os moradores a qualquer dispêndio. O proprietário, André, não visitava o lugar. Eu nunca o vi lá”.
Queima, repositório e tudo de madeira
O lume começou às duas horas da madrugada no primeiro caminhar, no quarto onde funcionava uma espécie de repositório. Ali tinha um colchão e uma leito encostados na parede de madeira. “A suspeita de que o incêndio fosse criminoso se deve ao indumento de que, horas antes, eu e alguns moradores avistamos um varão ignoto e com o rosto sujo de sangue entrando na pousada. Ele subiu as escadas e sumiu dentro do prédio, mas os moradores me disseram que saiu antes do incêndio”, conta Bruno.
“A porta do prédio era fechada e chaveada sempre à meia-noite. Ninguém mais entrava. Eu ficava ali, cuidando. Naquela noite estava de plantão. Tão logo o prédio começou a pegar lume, alertado por gritos de moradores. Bati com o extintor vazio nas portas, não tinha condições de ser usado, berrei com toda a força chamando e acordando os moradores para saírem que o prédio estava em chamas. Muita gente atendeu e ouviu os gritos. Outros, não. A saída foi um desespero só, uma loucura, um caos inimaginável. Nunca vou olvidar disso. Abri a porta antes de alertar, mas muitos se jogaram pelas janelas e acabaram se ferindo, se quebrando. Foi o que consegui fazer”.
Falei tudo para a Polícia Social
“Ao mesmo tempo, enquanto gritava para todo mundo deixar o prédio, chamei os bombeiros. Eles foram rápidos, chegaram em poucos minutos”, continua o relato. O ex-funcionário acrescenta que possui registros gravados. “Neste momento, já estava fora do prédio. Fumaça, lume, sem conseguir respirar recta, não tinha uma vez que continuar ajudando a salvar e gritando para as pessoas saírem uma vez que podiam do prédio”.
“Tão logo foram dissipadas, prestei prova, ali mesmo, pela primeira vez, à Polícia Social. Falei tudo que tinha visto, presenciado e feito. Depois fui chamado pela delegacia e prestei outro prova. Contei tudo e também que algumas pessoas fumavam ali dentro. Não sei se isso contribuiu ou não. Pedi para não divulgarem meu nome com susto dos administradores e também susto pela suspeita de que alguém teria disposto lume de propósito. Eu era o único funcionário ali naquela noite”, completa.
Quedas de luz frequente e câmeras que não funcionavam
“Ali mesmo, o senhor André Luis Kologeski da Silva, proprietário da pousada, disse que não falasse zero para a prensa”, relata. Bruno explica que o prédio tinha três andares utilizados: térreo, segundo caminhar e terceiro caminhar, além de uma secção superior que não estava em uso. Havia dois prédios lado a lado, ambos da Pousada Garoa.
“O prédio 305 pegou lume, todos os quartos tinham paredes de madeira fina, e alguns completamente de madeira (teto, parede e pavimento). Bom deixar simples também que a pujança do prédio caía frequentemente, sem motivo, e as câmeras não estavam funcionando. O André e a governo eram avisados frequentemente sobre os problemas, pelo whats, mas pouco se importavam”, diz.
Resguardo do proprietário
Por sete vezes, o Brasil de Indumentária RS tentou contato com o proprietário André Luis Kologeski da Silva por telefone ou mensagens por WhatsApp, mas ele não respondeu em nenhuma delas. Tão logo recebeu as mensagens, sem responder, André contatou Bruno, interrogando-o sobre a entrevista.
O jurisperito de André Luis, Marcos Kologeski, reforçou, à prensa, a tese que o incêndio pode ter sido gerado de forma proposital por uma pessoa desconhecida. Kologeski também não descarta a existência de mandantes do suposto transgressão. “Isso [suposto autor do crime] é a polícia que deve averiguar. Todavia, desde o início entendemos ter sido criminoso”, destacou.
O interrogatório tramita na 17ª DP da Capital, sob comando do solicitador Daniel Ordahi. As testemunhas foram ouvidas e as investigações estão próximas de ser encerradas.
A resguardo não teve aproximação ao interrogatório. Segundo a unidade dos Bombeiros que atendeu a ocorrência do incêndio, o prédio não tinha Projecto de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (PPCI) e funcionava de forma irregular. A corporação constatou que não foi protocolado PPCI nem emitido o respectivo alvará para atividade residencial, pousada ou hotelaria.
Os bombeiros também destacaram que houve um projeto legalizado em 2019 para utilização do lugar para a finalidade de escritórios. No entanto, à quadra, foram exigidas do proprietário medidas de proteção e novidade vistoria, o que não teria sido realizado.
Prefeitura
A Prefeitura de Porto Prazenteiro, por meio da Assessoria de Notícia Social, informou que “as últimas 12 pessoas acolhidas pelo município na Pousada Garoa deixaram unidades da rede e foram transferidas para o Abrigo Marlene no término de agosto. Com isto, a prefeitura encerrou o abrigamento na Garoa e não terá mais dispêndio mensal com a empresa, uma vez que eram pagas unicamente as vagas efetivamente ocupadas. O contrato vence em 19 de dezembro de 2024 e não será renovado. O Ministério Público foi informado da decisão”
“No início de setembro, uma novidade lar de passagem ocasião na zona Setentrião da Capital (com capacidade para até 50 acolhidos) reforçou a rede de atendimento da Fasc para a população em situação de rua. Sobre o incêndio ocorrido em abril deste ano, segue em curso a Investigação Preparatório Sumária (IPS), para apurar os fatos no contextura da prefeitura sobre o contrato, além da investigação na Polícia Social”, completa a nota.
Nascente: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Katia Marko
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