Horas depois de a Polícia Militar (PM) do Mato Grosso do Sul (MS) chacinar, com um tiro na cabeça, o jovem Guarani Kaiowá Neri Lopes, o governo do estado culpou índios “paraguaios” a serviço do “tráfico de drogas” pelo “acirramento do conflito”. O disparo aconteceu na Terreno Indígena (TI) Nhanderu Marangatu, em Antônio João (MS), na quarta-feira (18).
Nesta quinta-feira (19), os indígenas interditaram a BR 384 em um protesto por justiça e pelo recta ao território. Ao Brasil de Traje, os Guarani Kaiowá afirmam que foram reprimidos pela PM.
Enquanto isso, o governador Eduardo Riedel (PSDB) está em Brasília para se reunir com os ministros Rui Costa, da Lar Social, e Ricardo Lewandowski, da Justiça e Segurança Pública, para tratar do acirramento dos conflitos fundiários no MS. Riedel também marcou agenda com o ministro do Supremo Tribunal Federalista (STF) Gilmar Mendes.
A ação da polícia que matou Neri Lopes, de 23 anos, foi contra a comunidade Kaiowá que retomou, desde a última quinta-feira (12), uma espaço de seu território sobreposta pela Quinta Barra, de propriedade de Pio Queiroz e Roseli Ruiz.
Atendendo a uma ação da advogada Luana Ruiz, filha dos fazendeiros e assessora da Lar Social do governo estadual, a 1ª Vara Federalista de Ponta Porã determinou a manutenção “do policiamento ostensivo na localidade”. Às 18h02 desta quarta (18), depois da morte de Neri, o juiz federalista Cristiano Harasymowicz de Almeida reiterou a medida em novidade decisão.
Sob luto, os indígenas da TI Nhanderu Marangatu estão convivendo com 100 policiais militares, entre os quais quatro equipes do Departamento de Operações de Fronteira (DOF), tropa de choque e força tática.
O Brasil de Traje entrou em contato por telefone e por e-mail com a Secretaria de Justiça e Segurança Pública do Mato Grosso do Sul para pedir um posicionamento, mas não teve retorno. O espaço segue franco para a revelação do órgão.
“Argumento preconceituoso”
Em coletiva de prelo horas depois do homicídio de Lopes, o secretário de segurança pública do MS, Antônio Carlos Videira, legitimou a ação mortal da PM. Videira disse que há “pessoas que se dizem indígenas, mas são do território paraguaio e que estavam armados”. Os indígenas afirmam, no entanto, que só havia pessoas da comunidade lá.
Videira disse, ainda, que houve confronto. Nenhum policial, no entanto, se feriu, de combinação com informações da própria PM.
O secretário citou, ainda, que há “dezenas de plantações de maconha” no país vizinho. “As informações da perceptibilidade são de que a disputa não é exclusivamente pela terreno, mas porque essa terreno está estrategicamente posicionada para escoar a grande produção de toda essa região e que tem uma vez que direcção grandes centros através de aldeias”, afirmou Videira.
Para Nádia*, liderança Kaiowá da TI Nhanderu Marangatu, as falas do governo do MS são “nojentas” e “desumanas”.
“Não mataram um traficante. Mataram nosso jovem Neri Ramos, que nasceu no território quase no início das retomadas, de 1998 para 1999. Foi aluno da escola, cresceu ali. Ele é brasiliano, tem documentação, deixou a esposa e um rebento pequeno. As famílias são dali”, afirma.
“Nós moramos próximo à fronteira com o Paraguai, sim. É o nosso território avoengo. O governo usa desse argumento preconceituoso contra os indígenas do estado do Mato Grosso do Sul”, avalia Nádia.
“E o governador defende Luana Ruiz, que trabalha no gabinete do governo né? Portanto eles colocam todo esse policiamento e nos chamam de traficante por lutar por nosso território avoengo. Nossos parentes, nossos avós, nossos ancestrais sempre moraram neste território”, salienta a indígena Guarani Kaiowá.
“Falam que trocaram tiro. Os indígenas não têm arma. A arma dos indígenas é a flecha”, ressalta Nádia. “É muito… é muito nojento… da secção do governo quando fala isso”, define.
Marco temporal
Encarregado do Executivo estadual, Eduardo Riedel lembrou, durante a coletiva, ser o representante dos governadores nas audiências de conciliação sobre o marco temporal criadas pelo ministro Gilmar Mendes no STF. Audiências que, agora, buscam conciliar exclusivamente uma das partes, já que os indígenas não as integram. Se retiraram por considerar as negociações uma “farsa” e um ataque a seus direitos.
“É um tema multíplice, difícil”, diz Riedel sobre o marco temporal, tese ruralista segundo a qual só podem ser demarcadas uma vez que terras indígenas aquelas ocupadas pelos povos originários até outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federalista.
“Mas o que estamos vendo cá”, seguiu o governador, se referindo ao conflito na cidade de Antônio João (MS), “foge completamente a essa discussão. Essa discussão acaba estando dentro de um outro contexto que também é muito sério no Brasil, que é uma relação não só internacional, mas de uma disputa aí. Tem partido criminosa no Paraguai, tem cá”, disse Eduardo Riedel.
A disputa em torno da TI Nhanderu Marangatu não só não foge, uma vez que está totalmente relacionada com o marco temporal. Os indígenas foram expulsos do território pelo Estado brasiliano nas décadas de 1940 e 1950 e, portanto, não estavam ali em outubro de 1988.
A espaço da Quinta Barra está dentro dos 9.570 hectares já delimitados da TI Nhanderu Marangatu. A TI foi demarcada em 2005 e, meses depois, atendendo a um mandado impetrado por fazendeiros, teve a homologação suspensa pelo Supremo Tribunal Federalista (STF). Desde logo, os indígenas lutam para a efetivação da demarcação já reconhecida pelo Estado brasiliano e, com retomadas, recuperam porções de seu território.
*Nome perturbado para a preservação da manancial.
Edição: Thalita Pires
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