Depois de décadas de conflito – que unicamente em setembro foi marcado pela morte de dois jovens indígenas – os fazendeiros Roseli Ruiz e Pio Queiroz se retiraram da propriedade sobreposta à Terreno Indígena (TI) Nhanderu Marangatu, em Antônio João (MS). A saída dos últimos produtores rurais que permaneciam no território ocorreu em seguida a União remunerar aos donos de todas as propriedades erguidas na dimensão o valor de R$ 27,8 milhões, estipulado em um tratado feito no Supremo Tribunal Federalista (STF) em 25 de setembro.
Também foi restaurado o decreto de homologação da terreno indígena, que já tinha sido demarcada em 2005 e, meses depois, suspensa por uma decisão monocrática do logo ministro do STF, Nelson Jobim. Agora, os Guarani Kaiowá dizem poder “respirar”.
“A comunidade tinha uma expectativa muito grande. Ficamos muito emocionados e ao mesmo tempo angustiados. Muito tempo de espera, né? Mais de 25 anos de luta”, descreve Jorge*, indígena Guarani Kaiowá de Nhanderu Marangatu.
“Hoje a comunidade está mais tranquila, cada um tem seu cantinho, começando a fazer a sua vivenda própria, ainda barraquinho. Nós estamos em um processo de recriação”, conta Jorge. “A nossa ficha parece que não caiu ainda, né? Portanto a gente está bastante ansioso ainda. Mas a luta continua”, diz.
Esta era a última propriedade ainda sobreposta aos 9.317 hectares que compõem a TI Nhanderu Marangatu que é, por sua vez, a única terreno indígena do município.
Anderson Santos, assessor jurídico do Cimi e da Aty Guasu, a Grande Parlamento Guarani Kaiowá, presenciou a assinatura dos documentos entre lideranças e fazendeiros, muito uma vez que a saída das caminhonetes e caminhões de mudança do território indígena.
“Para as lideranças foi um momento de alegria que não se expressava de forma tão explícita, era alguma coisa que ficava subentendido, uma alegria que não tinha sorriso”, relata Anderson. “Tem a conquista definitiva do território, mas tem também tudo o que passaram ao longo dessas décadas e tudo o que ocorreu neste ano”, destaca.
Mortes recentes
O assessor do Cimi se refere ao acirramento da violência contra os Kaiowá que ocorreu a partir do último 12 de setembro, quando um grupo de indígenas tentou retomar a segmento de seu território onde está a Herdade Barra.
Acionados pela família de Roseli Ruiz e respaldados por uma decisão judicial impetrada pela advogada Luana Ruiz, filha dos fazendeiros e assessora do governo do Mato Grosso do Sul, a comunidade indígena foi sitiada por tapume de 100 policiais militares (PM).
No primeiro dia, a PM alvejou uma indígena no joelho. Em 18 de setembro, um policial atirou contra a cabeça e assassinou o indígena Neri Ramos, de 23 anos. Dias depois, um juvenil de 15 anos, Fred Souza Garcete, foi encontrado morto na rodovia MS-384, que extremo a terreno indígena.
O tratado
Foi oriente cenário que pressionou pela realização de uma audiência de conciliação coordenada pelo gabinete do ministro do STF Gilmar Mendes em Brasília. Depois de sete horas de negociação, foi assinado o tratado de que a União pagaria esta indenização de R$ 27,8 milhões aos fazendeiros pelas benfeitorias feitas nos imóveis sobrepostos ao território indígena.
Outros R$ 102 milhões ainda serão pagos (majoritariamente pela União, mas também pelo governo do Mato Grosso do Sul) uma vez que indemnização pelos títulos equivocadamente cedidos pelo Estado. O montante foi calculado de tratado com o índice de valorização da Terreno Nua (VTN), ou seja, o preço de mercado do imóvel sem recontar construções ou instalações.
Esta segmento do tratado tem sido tema inexorável de debate, pelo risco de início de precedente. A indenização de fazendeiros por terreno nua é defendida por ruralistas e contestada por organizações uma vez que o Cimi, que a consideram inconstitucional.
Em nota, o Cimi defende que o tratado de Nhanderu Marangatu deve ser “exceção” e “não pode ser referência para a demarcação de terras indígenas”. Para a organização indigenista, o “tratado privilegia aqueles que se apropriaram das terras indígenas e evidencia urgência urgente do STF concluir julgamento sobre marco temporal”.
Edição: Thalita Pires