Seguindo os passos do pai, o guerrilheiro da Revolução Cubana Ernesto Che Guevara, Aleida cursou medicina em Cuba, se especializando em pediatria. Mas antes de tudo, ela é uma revolucionária comunista, porquê gosta de se descrever. Presente na Cúpula Social do G20 no Rio de Janeiro, Aleida Guevara, de 63 anos, concedeu uma entrevista exclusiva ao Brasil de Traje, na qual falou sobre o bloqueio econômico contra Cuba, seus efeitos, a mudança de governo nos Estados Unidos e sobre a posição do Brasil em relação às eleições na Venezuela.
Confira:
Brasil de Traje: as últimas notícias que chegaram de Cuba no Brasil foram precisamente sobre a passagem do furacão Rafael e toda a situação gerada, principalmente sobre a escassez de robustez. Qual é o peso do bloqueio econômico sobre esse tipo de situação?
Aleida Guevara: Os Estados Unidos impedem que navios com petróleo cheguem a Cuba. No ano pretérito, eles sancionaram mais de 25 empresas de navegação e mais de 60 companhias. Ou seja, é uma coisa impressionante que de alguma forma essas empresas vinham nos vender o petróleo, não para doá-lo, para vendê-lo, mas mesmo assim não conseguimos porque os Estados Unidos impõem milhões de dólares em multas. E eles têm susto disso. Logo o petróleo não chega a Cuba. O petróleo está chegando da Venezuela, do México e da Rússia, sobretudo.
Você mencionou um dispêndio universal do bloqueio à economia cubana. Qual é esse dispêndio?
Enorme. É tremendo porque depois da pandemia esgotamos as reservas que o Estado tinha porque tínhamos que produzir as vacinas. Quem iria vender vacinas para nós? Ninguém. Logo tivemos que produzir e isso significa que consumimos toda uma série de recursos que tínhamos em suplente.
Ou por outra, é simples, fizemos a população permanecer em morada por meses e o salário integral foi pago ao povo. O Estado ficou sem recursos, ficou em uma situação muito ruim. O turismo diminuiu significativamente porque todos sofreram com a pandemia e a crise econômica é internacional.
Mas também há muita pressão dos Estados Unidos, inventando argumentos falsos, inventando coisas contra o turismo. Por isso, desculpa susto e muita pressão econômica sobre as empresas que trazem turismo para Cuba. Há um exemplo que deve ser mencionado que é uma empresa espanhola, a Meliá, que começou com dois hotéis em Cuba e hoje tem muitos hotéis porque conquistou esse recta. Sim, foi a primeira empresa que enfrentou os Estados Unidos e disse: ‘não vou deixar de fazer negócios com Cuba. Se você quiser, você fecha os dois hotéis que tenho em Miami, você me paga os milhões que me deve e essa é a sua decisão’. Os Estados Unidos portanto perceberam que não era tão fácil, mas só porque o Meliá teve a honestidade de tutorar seus direitos porquê empresa. Ele não é socialista ou um pouco assim, mas tem pundonor. E isso tem sido muito importante para nós. Hoje o Meliá não tem dois hotéis, hoje tem, sei lá, muito mais de 20 hotéis no país e se puder ter mais, terá, porque realmente conquistou esse recta.
Logo, ao perder essa quantidade de turistas, de certa forma, os cofres do país ainda estão meio vazios. Logo, porquê pagamos pelas coisas? Porque você já viu que o bloqueio encarece todos os produtos em Cuba. Temos que ter três ou quatro intermediários para que alguém nos venda um pouco. E esses intermediários aumentam o preço, e quando chega até nós, está muito mais elevado. E temos que remunerar pela questão do bloqueio simplesmente por isso. Nós dizemos que se os Estados Unidos se não querem comercializar com a gente, devemos respeitar, porque essa é uma decisão de um país. Mas o que não podemos concordar é que esse país tente agir para que nenhum outro povo no mundo comercialize livremente com Cuba.
O povo cubano consegue imaginar porquê seria esse país se o bloqueio não existisse?
É simples! Todos os dias da vida, mas até quando? Ou por outra, imagina a quantidade de possibilidades que teríamos, porque os Estados Unidos estão a 90 milhas de Cuba. Eles seriam nosso parceiro mercantil mais proveniente, é lógico. E tem uma grande produção de provisões no Sul, às vezes superprodução que não pode vender, e seríamos compradores magníficos, seria um negócio rotundo. Mas também venderíamos nosso tabaco que eles adoram, nosso moca, nosso rum. Poderíamos fazer milhares de trocas, mas eles não têm vontade de fazê-lo.
E a mudança de governo que ocorrerá nos Estados Unidos, os democratas estão de saída, os republicanos voltando ao poder. Alguma coisa muda para os cubanos?
Dizemos que é o mesmo cachorro com uma coleira dissemelhante. O que acontece é que esse varão [Donald Trump] é louco, manifesto? Portanto, não sabemos o que ele pode fazer. Talvez ele venha com a notícia de que, porquê é mercante, quer fazer um pouco com Cuba, quem sabe… Porque oriente varão é assim, ele é imprevisível. Mas, em todo caso, é um transe, um transe grave, não só para Cuba, para a humanidade, porque esse país [Estados Unidos] tem um poder destrutivo e agora esse poder estará nas mãos de uma pessoa que não raciocina, o que pode ser muito perigoso.
É verosímil traçar um paralelo entre o que Cuba experimentou nos últimos 65 anos e o que está acontecendo agora na Venezuela, Nicarágua, Irã e tantos outros países sancionados unilateralmente pelos Estados Unidos?
Sim, simples que podemos confrontar, porque é o mesmo problema. É a mesma técnica tentando nos ladear, mas isso não é de agora. Veja, há um memorando de um almirante norte-americano do século 19 que já diz que Cuba deveria ser completamente bloqueada com seus navios, fechar a possibilidade de negócio, suscitar lazeira e com isso, doenças, dizimar a população, para que portanto eles pudessem governar. E essa é a técnica que eles usam há séculos e que tem sido usada hoje para qualquer país que diga não, que mantenha esse não, e que pense em seu país, seu povo e sua pundonor. Isso é o que acontece.
A posição do Brasil depois as eleições na Venezuela tem sido muito questionada pelos movimentos populares cá no Brasil e na América Latina, porque questiona a segurança do processo eleitoral. Porquê você avalia essa posição?
Isso só serve ao inimigo. Isso me deixa muito triste. Eu fico realmente muito envergonhado por Lula ter derribado nessa situação. Em primeiro lugar, porque ele acaba de reconhecer que ele não tem o recta nem mesmo de opinar sobre um problema de outro país, porque ele não gostaria que nós, nem nenhum outro país do mundo, opinássemos sobre o Brasil. Logo, se você não gosta de um pouco, porquê vai fazer isso com outra pessoa? É um princípio substancial de convívio, puro e simples. Ele pode ter seus critérios e sua maneira de ver o mundo, que devem ser respeitados. Eu não tenho o que proferir nesse sentido. Mas é preciso respeitar, é preciso aprender a respeitar o seu vizinho, que está cá ao lado, mesmo que você não goste. Nós, por exemplo, queremos ter relações com os Estados Unidos, embora não tenhamos zero a ver com seu governo. Mas podemos fazer um esforço e ser solidários, e respeitar o outro país, desde que ele nos respeite, porque esse é um princípio reciprocamente. Se você quer saudação, você tem que aprender a respeitar. Isso é simples assim.
É por isso que dói muito. Também dói muito a posição do Brasil em relação aos Brics, pois o Brasil se recusa a permitir que a Venezuela entre nos Brics. Isso é inédito, verdadeiramente inédito. E está simplesmente fazendo o jogo dos Estados Unidos da América, o inimigo de todos os nossos povos. E Lula não é um presidente qualquer, Lula é um presidente que vem das bases, que vem da luta sindical. Portanto, Lula tem que saber o que está fazendo. Isso é muito doloroso para nós, realmente, digo sinceramente. Isso nos doeu muito e nos deixou profundamente decepcionados com a atitude de Lula em relação à Venezuela.
Finalmente, qual é o papel dos movimentos populares das organizações populares diante de todas essas contradições e dessa verdade de que acabamos de falar?
Os movimentos sociais são essenciais no momento em que vivemos. Muitas vezes, os partidos, mormente os de esquerda, perdem seu esteio popular porque deixam de trabalhar com os movimentos sociais. Isso é irremissível, porque nós, que nos consideramos de esquerda, existimos para o mercê do povo, e se esse povo não nos reconhece, eu sempre digo: esquerda tem que ter o esteio e a compreensão do povo, porque lutamos por ele.
Mas é simples que as pessoas também estão cansadas de ouvir coisas que não se concretizam. Eu digo que a única coisa em que as pessoas acreditam sem ver são as religiões, o resto precisa ser demonstrado. É por isso que temos de trabalhar nessa direção. Se estamos dizendo a uma população humilde que estamos lutando pela saúde pública, muito, senhores, vamos tentar fazer com que essas pessoas sintam o que é saúde pública. O hospital que temos que edificar, que vamos trabalhar nesse hospital e melhorá-lo, e vamos fazer da saúde pública um recta do ser humano, que é isso que queremos, esse é o nosso objetivo. Temos que encetar pelo trabalho de base com nossa gente, com nosso povo. É por isso que a ensino popular é muito importante, realmente, principal.
Cá [no Brasil] temos homens únicos, únicos nesse sentido, portanto temos que ser guiados por eles, temos que trabalhar com eles junto com as pessoas. Eu sempre digo que oriente é um país invejável por desculpa da quantidade de seres humanos bonitos que possui. Estou falando, por exemplo, do meu camarada e irmão João Pedro Stedile. Para mim, ele é um dos homens mais completos que já conheci. E ele não é comunista, veja muito, eu sou. Mas ele é mais do que um comunista para mim, porque ele é um varão consistente, que dedicou toda sua vida ao seu povo.
Mas muito, em suma, eu realmente acredito que você tem homens e mulheres maravilhosos e extraordinários cá neste país. Temos que tornar essas histórias de vida mais conhecidas para as pessoas, para as novas gerações, para que elas se sintam orgulhosas de serem brasileiras. Não é exclusivamente a música e o carnaval, que são importantes, mas é muito mais profundo. São aqueles seres humanos que dedicaram o melhor de suas vidas a tentar fazer um Brasil mais digno, mais completo, mais bonito.
Quando vim ao Brasil pela primeira vez, havia um susto tremendo nas ruas, uma violência tremenda em São Paulo, com as janelas fechadas, todas essas coisas. Fiquei chocada e disse: é melhor morrer tentando mudar isso do que morrer de lazeira. Logo eu comecei a pensar e disse: muito, eu sou de uma ideologia comunista, eu venho de um país dissemelhante, com uma cultura que é um pouco, digamos, regular, portanto é verosímil que eu seja a única a pensar assim. Erro! Quando fui ao Rio Grande do Sul, havia uma placa na parede que dizia: é preferível morrer conquistando terras para nutrir meus filhos, do que morrer de lazeira. Rosa, uma mulher do Movimento dos Trabalhadores Sem Terreno, disse isso. Ela não era comunista, talvez nem tivesse o segundo intensidade de escolaridade. Mas isso não importava. Ela era tão mulher e tão mãe quanto eu, e ela reagiu diante da vida por desculpa disso. É por isso que eu te digo que tem muitas histórias de vida, de homens e mulheres simples desse povo, que te enchem de orgulho, que te enchem de força e que devem ser resgatadas para as novas gerações, para que um Bolsonaro nunca mais volte, por exemplo.
Edição: Nathallia Fonseca