No dia primeiro de outubro, a comunidade do Escola Estadual Amaro Cavalcanti, na Zona Sul do Rio de Janeiro, foi surpreendida por um ato administrativo da secretária estadual de ensino Roberta Barreto, renomeando a referida unidade uma vez que Escola Estadual Senor Abravanel, em homenagem ao célebre participador Sílvio Santos. O homenageado foi aluno da escola.
A licença da honraria acontece no contexto trágico de uma efeméride muito significativa: o prédio que abriga a escola completa 150 anos em 2024. Obra arquitetônica imponente e belíssima, sempre foi utilizado para fins educacionais. É uma das escolas construídas por D. Pedro II com recursos financeiros de comerciantes da capital do predomínio, que queriam homenageá-lo pela vitória na Guerra do Paraguai com uma estátua épica. Porém, registre-se, o próprio imperador converteu a teoria do monumento em oito escolas pela cidade, impulsionando a ensino pública no país.
Na contramão dessa origem distinta, a data e a homenagem não poderiam encontrar o espaço em pior estado. Nesse legítimo templo da ensino brasileira figura um cenário de terreno arrasada. A desimportância dada à Instrução pelo governador Claúdio Castro tem inviabilizado o ensino público e tornando a sua oferta um pouco meramente formal.
As portas das escolas estão abertas, zero outrossim. A última avaliação externa do ensino médio promovida pelo Ministério da Instrução por meio do IDEB – índice de desenvolvimento da Instrução básica – atribuiu ao doutrinado e rico estado do Rio de Janeiro a segunda pior nota entre todos os outros sistemas estaduais de ensino. Esse resultado reitera o que nós da escola sabemos de cor: a Instrução oferecida à juventude popular do Rio de Janeiro é indigna e viola o recta constitucional que a institui, em razão de sua péssima qualidade.
Há diferentes concepções sobre o que é qualidade em ensino e de uma vez que verificá-la. O índice em questão reflete unicamente uma delas. No entanto, em qualquer significação provável, é evidente que estamos diante de um apagão, de um colapso. Essa trágica condição é manancial segura de desesperança para os estudantes. Os sinais recorrentes e abundantes desse fracasso levam a um número cada vez maior a crer que os esforços empenhados no estudo são vãos, que a precariedade da escola não os habilitará a uma vida melhor.
Salta aos olhos o propagação de um desinteresse contagiante entre os alunos. Sinais semelhantes os cercam em seus locais de moradia, quase todos periféricos, atravessados por uma violência cotidiana incrível e pelo empobrecimento da cidade. A escola não é mais o lugar da esperança, de realizar sonhos. Precisa voltar a ser!
A escola pública é a nossa melhor chance. Ela é um pilar-chave da democracia e do desenvolvimento do país. Mesmo entre os professores a esperança se esvai dia a dia, mas ainda resistem e persistem contra tudo e contra todos. Mas isso não basta. Uma vez que esperar um resultado dissemelhante com o que nos é oferecido? Em nosso caso, que é típico, não há um único ar-condicionado sequer na unidade. Praticamente não há recursos pedagógicos e tecnológicos na escola. Não há inspetores nos corredores. A merenda oferecida aos alunos é insatisfatória e todos os profissionais são proibidos de manducar. A conservação do prédio é insuficiente e temerária. Entre todas as redes estaduais do país, o Rio de Janeiro paga os piores salários. Paga aquém do piso vernáculo.
E, subjacente a tudo, não há uma política educacional consistente que nos inspire, unicamente iniciativas erráticas, desconexas, perdulárias e autoritárias; mais identificadas com propaganda abstrata do que com o conhecimento científico em Instrução. A homenagem ao Silvio Santos é uma síntese dessa política. Prioriza-se ações com efeito midiático a despeito da veras das escolas. E as impõe de cima para inferior.
Na ingressão principal da escola, tem gravada na sua frontaria a letreiro: “Ao povo o governo”. Em reverência aos 150 anos desse espaço, homenageando as ideias que inspiraram a sua construção, deveria ser assegurado a comunidade escolar o recta de resolver que nome quer dar a instituição. Escolher entre o novo e o velho nome, ou ainda, aproveitando o ensejo mudancista, se prefere um terceiro, escolhido com autonomia.
À primeira vista, retirar uma homenagem em obséquio de outra pode parecer deselegante e inapropriado. Porém, num envolvente de produção de conhecimento e ensino uma vez que é a escola, há legitimidade para rever seus símbolos e discuti-los no cumprimento de sua missão.
A esse propósito, a minha proposta é que, por ocasião da celebração dos 150 anos, construamos a muitas mãos um projeto pedagógico para escolher o nome. Ao longo desse tempo, já se chamou Escola da Freguesia Nossa Senhora da Glória, Escola José de Alencar, Amaro Cavalcanti e agora Senor Abravanel. Que mal faz mudar novamente para permitir que a própria comunidade decida? A teoria é promover um bimestre de debates sobre biografias de personalidades brasileiras relevantes, sobre a história da escola e do país, sobre ideias uma vez que representatividade e reparação histórica e simbólica, entre outros temas afins, em torno de um seminário com aulas, saraus, debates e sarau. Tendo uma vez que culminância a escolha do nome da escola por voto.
Não pode possuir comemoração melhor do que poder pensar a Instrução e a democracia no país e em uma vez que transpor do buraco em que fomos jogados por uma trágica sucessão de governos e políticas educacionais impopulares. Façamos da efeméride dos 150 anos celebração, aprendizagem e luta pela ensino pública.
Concluo por onde comecei. Aparentemente a nossa escola não importou muito a Sílvio Santos. Pois não há notícias ou evidências que tenha estabelecido qualquer contato ulterior a sua passagem por cá. Por que seria um bom nome? Que valores agregaria ao nosso patrimônio simbólico? De sua segmento, Amaro Cavalcanti tem trajetória distinta. O seu compromisso com ideias republicanas e abolicionistas é uma credencial. Entretanto, em termos da representatividade e da possibilidade de nos inspirar, acho que um varão branco da escol imperial não diz muito a uma escola em que a grande maioria de seus estudantes é preta e favelada. Que nome dar a Escola da Freguesia Nossa Senhora da Glória em seus 150 anos? Ouvi expor que o Paulinho da Viola estudou cá.
Que comecem os debates!
*Fabio de Barros Pereira é Professor de sociologia do Escola Estadual Amaro Cavalcanti, de onde foi diretor-geral eleito. É também doutor em Instrução pela UERJ.
**Oriente é um item de opinião. A visão do responsável não necessariamente expressa a risco editorial do jornal Brasil de Traje.
Edição: Nathallia Fonseca
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