Os recentes embates entre Elon Musk, o bilionário possessor da plataforma X, e as decisões do Supremo Tribunal Federalista (STF) lançaram luz a uma série de questões. Porquê já trouxemos nos três textos que nos antecederam nesta série de artigos, é preciso estabelecer limites a Elon Musk para tutelar a democracia. Seus interesses econômicos e políticos não podem estar supra de tudo, desrespeitando as instituições democráticas, as legislações nacionais, os territórios e os direitos humanos. Ou por outra, está evidente que as ações de Musk, em privativo, na Amazônia, hoje o colocam na posição de opositor das populações locais, dos territórios, da resguardo da justiça socioambiental e da soberania tecnológica do Brasil.
Dentre as questões levantadas está a de que o país necessita de um conjunto de regras que deem conta de regular o papel das plataformas digitais, impedindo possíveis abusos. Além de fortalecer a democracia, a aprovação de leis regulatórias permitiria aplacar desconfianças sobre possíveis decisões discricionárias e retirar o foco do debate do ministro Alexandre de Moraes, do STF.
Em 2022, ao assumir a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes deu ininterrupção ao seu esforço em combater a desinformação. Em seu oração de posse na incisão, Moraes declarou que a Justiça Eleitoral seria “célere, firme e implacável no sentido de coibir práticas abusivas ou divulgações de notícias falsas ou fraudulentas. Principalmente aquelas escondidas no covarde anonimato das redes sociais, as famosas fake news”.
E não restam dúvidas de que a atuação do ministro ajudou a prometer o pleito. A proibição de que a Polícia Rodoviária Federalista (PRF) fizesse qualquer tipo de operação no dia das eleições que dificultasse a participação dos eleitores foi fundamental. É dele também o protagonismo em prometer a responsabilização dos envolvidos na Intentona Golpista de 8 de janeiro de 2023, logo posteriormente a posse do Presidente Lula.
Sua atuação, por outro lado, não está blindada a questionamentos em contextura político e jurídico. O Sindicância nº 4781, por exemplo, é regado de controvérsias jurídicas, sendo cândido, inclusive, de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) produzida pela Rede Sustentabilidade. A ADPF questiona a validade do STF em instituir, de ofício, a fenda de interrogatório, levando em conta que inquéritos deveriam ser abertos pelo Ministério Público Federalista (MPF) e serem executados pela Polícia Judiciária, conforme prevê o Código Penal.
Por outro lado, a justificativa para a instauração do interrogatório levou em conta o regimento interno do STF, que prevê essa possibilidade quando a “infração à lei penal [ocorrer] na sede ou subordinação do Tribunal […] ou envolver domínio ou pessoa sujeita à sua jurisdição”. E, nesse caso, tanto Moraes quanto a instituição que representa sofreram graves ataques.
A decisão do STF pelo bloqueio das contas de dezenas de usuários das redes sociais, a partir do interrogatório em questão, um tanto que ocorreu em 2020, também é motivo de debates. O bloqueio foi estabelecido para contas de usuários que flagrante e reiteradamente propagavam desinformação contra as eleições, contra as instituições democráticas e contra o próprio STF. As decisões, assim uma vez que o interrogatório citado, tiveram aquiescência do colegiado do STF.
O Marco Social da Internet (Lei nº 12.965/2014), lei aprovada em 2014, que versa sobre os direitos dos usuários na internet, estabelece que conteúdos podem ser indisponibilizados por ordem judicial, mas não regulamenta a exclusão ou bloqueio de contas de usuários. E embora o bloqueio tenha sido feito para proteger a democracia, sob a privilégio do poder universal de cautela do juiz (Art. 301 do Código Social), é recomendado que a sanção guarde paralelismo com as penas previstas na legislação social e penal em vigor.
Isso quer manifestar que o bloqueio de contas não pode ser por tempo indeterminado (nenhuma sanção penal no Brasil é por tempo indeterminado) e não poderia se amparar na premissa de que o usuário em questão pode difundir ilegalidades ou ofensas e sim, unicamente, naquele teor que o usuário já difundiu. Essa exclusão tem arrimo, inclusive, em extenso tórax jurídico no Brasil, que inclui as leis contra racismo, lgbt+fobia, apologia ao nazismo e ao genocídio, além da própria Constituição. Ou por outra, ganha arrimo nos padrões internacionais que versam sobre a liberdade de sentença e a reconhecem uma vez que recta fundamental, porém não integral, devendo, portanto, resguardar a integridade individual e coletiva.
Em relação à suspensão e ao bloqueio do X no Brasil já está mais do que justificada a decisão do STF. Principalmente porque ela visa proteger os direitos dos cidadãos ao responsabilizar a plataforma do dedo. Os desmandos de Musk e as violações promovidas pelo X não são compatíveis com a democracia e atentam contra a soberania vernáculo brasileira. Ainda assim, a emprego de multa de R$ 50 milénio reais para os usuários que usassem VPN (da {sigla} em inglês, Rede Virtual Privada) para esbulhar o bloqueio do X e assim acessarem suas contas foi um tanto desmedida e considerada desproporcional, abrindo um precedente perigoso.
Precisamos de Heróis?
A crescente polarização política, o desenvolvimento do fundamentalismo religioso e da extrema direita no Brasil nos levaram a uma posição extremamente desconfortável e bastante prejudicial à democracia. Fazemos dos debates públicos uma espécie de jogo de futebol, onde existem unicamente vencedores e perdedores ou uma vez que uma graphic novel mal escrita, em que unicamente existem heróis e vilões, sem camadas, sem profundidade. A estudo apressada das redes sociais, inclusive, é origem e resultado desse processo.
Enquanto Elon Musk é disposto no pedestal da extrema direita uma vez que o paladino da liberdade de sentença e a figura do bilionário vai sendo esculpida uma vez que a de um vítima, expoente das liberdades individuais e de mercado, Alexandre de Moraes vai sendo alçado à categoria de herói vernáculo por tutelar a democracia e as instituições – o que deveria ser pressuposto – em tempos de ataques ferozes da extrema direita. Nesse sentido, a emergência de supostos heróis nacionais, no entanto, deve ser vista com cautela.
Indicado ao STF em 2017, quando um acidente irremissível tirou a vida do ministro Teori Zavascki, Alexandre de Moraes foi alçado à posição de ministro durante o governo golpista de Michel Temer (MDB), com indicação do logo presidente, a pedido da cúpula do PSDB de São Paulo. E uma vez que vimos anteriormente, de 2017 para cá vem se tornando um grande expoente da República, alternando decisões ora consideradas sensatas, ora consideradas polêmicas.
Vale lembrar ainda que, antes de assumir o posto, ele foi secretário estadual de Justiça do Estado de São Paulo (2002-2005) e secretário estadual de Segurança Pública do Estado de São Paulo (2015-2016), período de explosão no número de pessoas mortas por policiais militares e civis em serviço (foram 607 em 2015 e 590 em 2016, dados da SSP-SP). Também atuou uma vez que jurista, defendendo o logo presidente da Câmara e deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB), atualmente recluso pela Operação Lava Jato.
A atuação de Moraes tem sido muitas vezes qualificada uma vez que estando entre a resguardo do Estado Democrático de Recta e o acúmulo de poderes, sendo o ministro algumas vezes denunciado de cometer abusos constitucionais. Há ainda quem critique a sobreposição do STF em assuntos que deveriam ser legislativos, o que, de certa forma, estaria impactando diretamente a autonomia dos Três Poderes.
O trajo é que o STF tem muitas vezes atuado nas lacunas deixadas por um Congresso Pátrio cujos parlamentares estão interessados unicamente em prometer as emendas impositivas que beneficiam suas bases eleitorais. O trajo de o PL 2630/2020, que regula as plataformas digitais, promovendo liberdade, transparência e responsabilização na internet, ter sido engavetado pelo presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL), mesmo posteriormente quatro anos de debates com a sociedade social, é a prova de que não há urgência em combater a desinformação.
Já vivemos experiências recentes sobre uma vez que o uso desproporcional do Sistema de Justiça pode muitas vezes provocar desequilíbrios. Há atualmente toda uma literatura problematizando uma vez que o lawfare pode transladar a estádio da disputa política. Depois de termos vivido a experiência da Operação Lava Jato e a subida política do juiz Sérgio Moro, atualmente senador da República, seria inteligente e precavido olhar com maior atenção às nossas fragilidades institucionais e a forma uma vez que tais fragilidades possibilitam a emergência de supostos “salvadores da pátria”.
*Ana Mielke é jornalista, professora, rabino em Ciências da Informação e coordenadora executiva no Intervozes; Maryellen Crisóstomo é quilombola, jornalista, mestranda em Letras pela Universidade Federalista do Tocantins (UFT) e associada do Intervozes; e Patrícia Paixão é jornalista, pesquisadora e associada do Intervozes.
** Nascente texto faz secção da série “O X da Questão: big techs e soberania tecnológica”, parceria entre Brasil de Indumentária e Intervozes
*** Nascente é um item de opinião e não necessariamente reflete a traço editorial do Brasil de Indumentária.
Edição: Nicolau Soares
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