Diretamente da capital paraense, essa edição do Muito Viver, programa do Brasil de Indumento, traz uma entrevista peculiar com Fafá de Belém sobre o Vela de Nazaré, sintoma de fé e devoção à Nossa Senhora Aparecida, que, apesar de essencialmente católico, une o secular e o sagrado por meio de diversas manifestações populares.
“O Vela é uma procissão católica mariana, mas a fé em Nossa Senhora de Nazaré é de todos nós. Todos estão na procissão; a nossa fé é inclusiva e feliz. Isso junta o povo que sai da Sarau da Chiquita, com a turma que sai do Arraial da Pavulagem, com os babalorixás, ateus, judeus, muçulmanos, quem tem religião e quem não tem. Até a comunidade evangélica abre as igrejas para dar chuva e atender aos romeiros. Não conheço outra estirão de fé porquê o Vela de Nazaré”, conta a artista.
Realizado há mais de 200 anos, o Vela chega a reunir murado de duas milhões de pessoas e foi reconhecido porquê Patrimônio Cultural Intocável pelo Iphan e proferido Patrimônio Cultural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Instrução, a Ciência e a Cultura (Unesco).
As festividades acontecem anualmente, no mês de outubro, e a cada ano se renova, com atividades diversas porquê a Trasladação, a Romaria Rodoviária, a Romaria Fluvial, o Vela das Crianças, o Auto do Vela e o Recírio, dentre outras.
Idealizada e promovida por Fafá de Belém, a Varanda de Nazaré é uma das iniciativas que compõem a grande sarau e alcança, neste ano, a sua 14ª edição, na qual a cantora recebe seus convidados em uma espécie de torrinha, montado na Estação das Docas.
Confira a entrevista na integra:
Qual sua memória mais antiga do Vela de Nazaré? Uma vez que era a relação da sua família com a procissão?
Quando eu sentia o cheiro do organdi sendo pretérito com a goma que faz o tacacá, eu sabia que o Vela estava chegando. E não me pergunte se era aos três, aos quatro ou aos cinco anos, porque a mamãe fazia uma roupa de organdi para cada dia. Até os meus cinco ou seis anos, portanto, minha presente mais remota é o cheiro do organdi sendo engomado.
A partir de que momento você percebeu a dimensão da sarau, que é considerada a maior procissão católica do Brasil e uma das maiores do mundo?
Quando eu saí daqui, comecei a entender que as pessoas não sabiam que existia o Vela de Nazaré. Há 50 anos trago pessoas para testemunhar ao Vela. Comecei a trazer grupos de amigos, alugava andares inteiros, entrava na procissão e a acompanhava.
Logo, há 15 anos, tive a teoria de fabricar um lugar, porquê o torrinha da Bahia. Não sei exatamente porquê nem onde. A teoria não veio fechada, mas percebi que o atendimento era ruim e que não havia formação. O Pará não estava na tendência, não se falava no Pará, nem em Belém. Não existia a força da música do Pará reconhecida fora daqui, muito menos se falava da culinária do Pará, e nem havia uma possibilidade de COP.
As pessoas que trabalhavam durante o Vela o faziam para lucrar um dinheirinho para o Natal. Portanto, não havia formação de pessoal em restaurantes, hotéis, taxistas, não havia receptivo, e a Secretaria de Turismo não se preocupava com isso. Logo, ofereci para três agências de Belém que fossem parceiras, e eles acreditaram no projeto.
Eu queria mostrar a eles, publicitários, que ninguém tinha noção do que era o Vela de Nazaré, a não ser a comunidade paraense. Foi portanto que conheci um rosto chamado Maurício Magalhães, que tinha feito o primeiro torrinha de carnaval da Bahia. Ele estava cá fazendo o lançamento de um shopping e não sabia zero sobre Belém e nunca tinha ouvido falar no Vela de Nazaré. Assim, trocamos experiências e curadorias.
Ele trouxe informações que possibilitaram formatar o primeiro torrinha “Bom Dia, Belém” e, depois, a Varanda de Nazaré, que acontece há 13 anos.
Nós somos muito grandes. Influenciamos a tendência do Rio nos anos 20; cá no Pará foi desenhada a Semana da Arte Moderna de 22, de São Paulo. Vieram para cá grandes intelectuais e autores. Carlos Gomes montou cá o Conservatório, que até hoje forma novos músicos.
De repente, com a borracha indo para a Malásia, a cidade foi esvaziando, mas o Vela cada vez mais potente. Essa teoria de que nós nos bastamos é muito possante dentro do paraense. Ao mesmo tempo, nossas tradições mais regionais foram deixadas de lado por uma tendência estrangeira, “miamesca”, porquê vamos manifestar. E, portanto, a influência europeia foi substituída pela influência de Miami.
Quando saí daqui e coloquei o nome de Fafá de Belém, sempre levei pessoas daqui, compositores e músicos. Já são 50 anos fazendo essa fusão. A cada vez que descubro uma pessoa novidade ou que já existia no início, eu a trago para perto. Hoje, a Varanda virou essa potência e o Sarau se tornou um objeto de libido. Eu adoro.
Ele começou com cinco cantores locais e agora estamos com 40. Eu digo para o pessoal: “Arrumem mais espaço!” Pessoas desconhecidas, conhecidas, de todos os segmentos da música vêm para cá, e a gente recebe.
O Pará é um estado extremamente rico culturalmente, reunindo povos de diferentes etnias indígenas, comunidades quilombolas e diferentes origens. Porque, mesmo com essa pluralidade, você acredita que o Vela consegue unir tanto a população que atravessa o estado para se reunir?
O Vela é uma procissão católica mariana, mas a fé em Nossa Senhora de Nazaré é de todos nós. Todos estão na procissão; a nossa fé é inclusiva e feliz. Isso junta o povo que sai da Sarau da Chiquita, com a turma que sai do Arraial da Pavulagem, com os babalorixás, ateus, judeus, muçulmanos, quem tem religião e quem não tem.
Até a comunidade evangélica abre as igrejas para dar chuva e atender aos romeiros. Não conheço outra estirão de fé porquê o Vela de Nazaré. Todas as casas se abrem para receber amigos, vizinhos, e fica um entra e sai. O possessor vai dormir e outro fica recebendo os amigos.
O interessante é que ninguém pergunta qual é a sua religião, ninguém quer saber se você é rico ou pobre, qual a sua orientação sexual. Todos estão no Vela de Nazaré. Não existe nenhuma outra sintoma religiosa ou cultural com tamanho poder. O Leandro Karnal veio cá e disse: “Fafá, se um dia o mundo tivesse a pujança do Vela, as pessoas não pensariam nas guerras, porque tudo é confederado.”
Na corda, vão todos descalços, com a camiseta branca e a bainha da calça arregaçada; todos estão na procissão.
A comida do Vela é a mesma em qualquer mesa de qualquer família paraense. A família mais poderosa ou a mais simples come a mesma comida, seguindo o mesmo ritual. Logo, quem faz a melhor maniçoba é a Antônia? A maniçoba é dela. E o pato no tucupi é do João? E o vatapá é da Creusa? Cada um vai trazer o prato que melhor se identifica, feito para a família e os amigos degustarem.
Quando se fala em Vela, o Pará se transforma. A pujança de paixão do Vela, de união, de fraternidade, apaga qualquer rusga que você tenha no pretérito. É muito interessante: a pujança do Vela é tão poderosa que eu digo que é quase palpável. A pujança que se estabelece em Belém a partir do final de setembro faz com que você encontre pessoas com quem não teve tempo de se desculpar na puerícia, que brigou e nunca mais falou. Você prega uma esquina e vê amigos que não vê há 30 anos.
Essa é a pujança do Vela que nós cultuamos. Eu lembro de jornalistas ligados à música, ao futebol, à tendência que diziam que não iam redigir zero. Eu falava que não estava convidando para redigir, mas sim para deslindar esse país chamado Pará. Isso rendia cinco, seis artigos durante um mês e meio em jornais do Rio e São Paulo. Para mim, essa foi a grande semente, a grande viradela para o Vela se tornar um libido.
Uma amiga da minha filha, que é porquê uma filha para mim, fez todo tipo de tratamento para engravidar e perdeu sempre. Logo, ela veio ao Vela e não disse zero. Dez meses depois, o Max nasceu e vai estar cá no dia 13 comemorando natalício diante de Nazinha, que ele nunca viu. Esse é o milagre do Vela: é o poder de transformar nossas vidas, o empoderamento do nosso Deus interno e da nossa Divindade interno, que nos diz para não temer, para confiar que é provável.
Porque quando você está tomado por uma emoção desse tamanho, contaminado por uma fé desse porte, o etéreo se torna material, e essa material é curativa. O Paulo Vieira, que é um fruto para mim, diz que a grande mudança na vida dele aconteceu quando veio ao primeiro Vela, que ainda era híbrido. No segundo ano da pandemia, algumas procissões aconteceram na cidade, mas o Vela mesmo não aconteceu. Ele veio e disse que a partir daí a vida dele mudou. Ele entendeu a fé dessas pessoas que participaram de uma procissão com mais de 200 milénio pessoas, sem o comando de ninguém, mas que se comunicavam e atravessavam a cidade, e zero acontecia.
É uma experiência única, e a cada ano me assusto com o poder de transformação dessa procissão, dessa fé. Estava conversando com meu terapeuta e ele disse que o muito e o mal são material: eles existem. Quanto melhor você vibrar, confiar e apostar no muito, esse muito se fortalece dentro e fora de você. O Vela é isso: a transformação pelo paixão, pela fé e pela gratidão.
Por termo, os olhos do mundo estão voltados para a Amazônia e, de maneira peculiar, para o Pará. E nesse momento de reunião dos povos que é também o Vela, você aproveita para levantar a taxa da preservação ambiental na Amazônia. O que é Fórum Varanda da Amazônia e que desafios ele nos traz?
O grande repto é o paraense saber que ele é o anfitrião, que somos nós que recebemos. Não é ninguém de fora que vai nos manifestar quem devemos ser. O grande repto é nós dizermos as nossas mazelas e conhecermos nossas qualidades.
O repto é saber do nosso poder enquanto povo. É lembrar da Cabanagem, a nossa primeira grande revolução, que juntou escol e povo, tentando que nós fôssemos um povo uno, independente dos olhares ou da obediência do Rio de Janeiro ou da grinalda portuguesa. Por isso, o tema da Varanda de Nazaré deste ano é a Cabanagem.
Quando começaram a falar da possibilidade de a COP ser no Brasil, vi tanta gente falando besteira e tantas pessoas fantasiadas de amazônidas. Logo, eu disse: “Não, de alguma forma, eu quero colaborar para deixarmos de ser animadores de sarau de granfino.”
Dessa vez, a Amazônia precisa estar lá, debatendo com os de fora, mas sabendo quem somos. No ano pretérito, o Fórum foi tímido, mas, levante ano, temos um dia e meio de discussões, com painéis sobre jovens, mulheres, sustentabilidade, empreendedorismo, e empresas que precisaram se reconfigurar para sobreviver a esse novo momento do mundo.
E é isso que acredito: não precisamos estar de cocar para saber que somos índios, nem de saia de carimbó para falar do que gostamos de trovar e dançar. Podemos estar de jeans com uma camisa comprada na Lene e sermos paraenses, amazônidas, amazonenses, da Amazônia brasileira e não só.
E tem mais…
Outubro também é mês de comemorar as crianças! Do Pará, a programa mostra ainda que, a partir do segundo semestre de 2024, foram incluídas no cardápio da merenda escolar da rede pública estadual frutas típicas da Amazônia, a exemplo de açaí e cupuaçu, fortalecendo a cultura nutrir regional, a produção sítio e alegria para os pequenos.
Já na Venezuela, a juventude ganhou espaços culturais e esportivos.
Gema Soto traz uma receita deliciosa e saudável de um bolo de frutas para a pequenada e família toda.
E ainda tem uma dica peculiar do Radinho BdF.
Quando e onde testemunhar?
No YouTube do Brasil de Indumento todo sábado às 13h30, tem programa inédito. Basta clicar cá.
Na TVT: sábado às 13h30; com reprise domingo às 6h30 e terça-feira às 20h no meio 44.1 – sinal do dedo HD desimpedido na Grande São Paulo e meio 512 NET HD-ABC.
Na TV Brasil (EBC), sexta-feira às 6h30.
Na TVE Bahia: sábado às 12h30, com reprise quinta-feira às 7h30, no meio 30 (7.1 no aparelho) do sinal do dedo.
Na TVCom Maceió: sábado às 10h30, com reprise domingo às 10h, no meio 12 da NET.
Na TV Floripa: sábado às 13h30, reprises ao longo da programação, no meio 12 da NET.
Na TVU Recife: sábados às 12h30, com reprise terça-feira às 21h, no meio 40 UHF do dedo.
Na UnBTV: sextas-feiras às 10h30 e 16h30, em Brasília no Meato 15 da NET.
TV UFMA Maranhão: quinta-feira às 10h40, no meio desimpedido 16.1, Sky 316, TVN 16 e Simples 17.
Sintonize
No rádio, o programa Muito Viver vai ao ar de segunda a sexta-feira, das 11h às 12h, com reprise aos domingos, às 10h, na Rádio Brasil Atual. A sintonia é 98,9 FM na Grande São Paulo e 93,3 FM na Baixada Santista.
O programa também é transmitido pela Rádio Brasil de Indumento, das 11h às 12h, de segunda a sexta-feira. O programa Muito Viver também está nas plataformas Spotify, Google Podcasts, iTunes, Pocket Casts e Deezer.
Edição: Marina Duarte de Souza
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