O Observatório das Políticas Afirmativas Raciais (Opará), da Universidade Federalista do Vale do São Francisco (Univasf), tem se engrandecido uma vez que um grupo de pesquisa que realiza estudo da implementação da Lei nº 12.990/2014 de forma sistemática e profunda. Foi assim com a publicação do relatório “A implementação da Lei nº 12.990/2014: um cenário devastador de fraudes”, divulgado em março de 2024, em Brasília. Foram 3 anos de planejamento e realização deste trabalho, que se refere à suplente de vagas para pessoas negras em concursos.
O relatório traz evidências seguras de uma vez que mecanismos de burlas foram criados para depreender a máxima ineficácia da norma, o que de trajo aconteceu. Em 2021, o Relatório do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) já havia apresentado o oferecido emblemático que traduz muito a veras da ineficácia: de cada 1.000 pessoas negras potenciais beneficiária da suplente de vagas estabelecida na Lei nº 12.990/2014, somente 5 tomaram posse no incumbência mais almejado do concurso no período, Magistério Superior (docentes das universidades públicas federais). O racismo institucional venceu!
Uma (in)eficiência de 0,53% não pode ser endereçada ao casualidade, um triste casualidade. Houve método para se depreender esse resultado. O relatório do Opará detalhou os métodos e trouxe os elementos probatórios para evitar, em tempos de narrativas, a construção de argumentos que jogassem para o casualidade a responsabilidade pelo fracasso da implementação da lei. Considerando que a lei continua em plena vigência, por conta da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade nº 7654 (ADI 7654), ação que nasceu em uma discussão entre o Opará e a Educafro, é razoável afirmarmos que as fraudes continuam.
Um dos (seis) mecanismos de intrujice foi denominado de Fracionamento de Elegível (FE). No que consiste esse fracionamento que colabora, ao lado de outros 5 mecanismos, com a máxima ineficácia da norma? Sua inteligibilidade é juvenil, quase infantil. A Lei nº 12.990/2014 diz que todas as pessoas negras que se autodeclaram uma vez que negras, no ato da letreiro, têm recta de participar da suplente de vagas (art. 2º). O FE escolhe, geralmente por sorteio (termo sorteio grifada remete a vídeos do YouTube que registram a prática) aquela pessoa negra que terá e aquela pessoa negra que não terá o recta de participar da suplente de vagas. Uma ilegalidade abissal.
A outra forma de sentença do FE é também juvenil, já infantil. A Lei nº 12.990/2014 estabelece que todos que se autodeclaram uma vez que pessoas negras têm recta de participar da dupla porta de ingressão: ampla concorrência, concorrendo com os não cotistas, e a suplente de vagas, concorrendo somente entre as pessoas negras (art. 3º). No FE está estabelecido que as pessoas negras poderão concorrer somente à suplente de vagas.
Algumas análises do Opará têm percebido que, do ponto de vista prático, tem ocorrido 4 situações quando às instituições fazem sorteio: 1) a espaço sorteada tem candidatura negra, mas ela não é aprovada; 2) a espaço sorteada não tem candidatura negra inscrita, ela está em outra espaço não sorteada; 3) a espaço com candidatura negra inscrita e aprovada, não foi sorteada; 4) candidato sancionado da espaço sorteada, não é o destinatário legítimo da suplente (com a melhor classificação no incumbência – art. 3º da Lei nº 12.990/2014).
Pelo menos nos casos de 2, 3 e 4, essa situação poderia ter sido evitada, garantindo maior eficiência da norma, que é o que ocorre quando não se usa nenhum dos mecanismos de intrujice (ou fraude para escoltar o termo cunhado pelo Ministro Luís Roberto Barroso no julgamento da ADC 41). Por qual motivo chegamos até cá, explicando com didática essa fraude?
O que o Opará não imaginava é que o ministério responsável por prometer a máxima eficiência da norma se tornou coparticipe da manobra que garantiu a ineficácia da lei de cotas. Sim!
A término de orientar o Ministério da Ciência e Tecnologia sobre as melhores práticas de implementação da Lei nº 12.990/2014, o Ministério da Paridade Racial (MIR) orientou a realização de sorteio. Em outros termos, anunciou à branquitude que “Na hipótese de não possuir número de candidatos negros aprovados suficiente para ocupar as vagas reservadas, as vagas remanescentes serão revertidas para a ampla concorrência […]” (art. 3º, § 3º, da Lei nº 12.990/2014). Para o MIR, não basta o recta, é preciso sorte!
De forma estranha ao Estado Democrático de Recta e a racionalidade esperada de um ministério que deveria proteger os direitos da comunidade negra, a Diretoria de Políticas de Ações Afirmativas (DPA), da Secretaria de Políticas de Ações Afirmativas, Combate e Superação do Racismo (SEPAR), do Ministério da Paridade Racial (MIR) emite a Nota Técnica nº 62/2023 orientando o sorteio. Sim, o MIR orientou o sorteio ao MCTI. Sem nenhuma evidência (para o Opará ela importa), apontam que seguem um protótipo bem-sucedido de 2 universidades que, diante de cargos com especialidades, é melhor fazer o sorteio. Mesmo se isto fosse verdadeiro, deveria ponderar o fracasso desta ilegalidade nas outras universidades. Dez anos de fracasso, evidenciado em relatório do MMFDH, não foi o suficiente para imprimir lucidez ou justiça social, apreço ao Estado Democrático de Recta.
Também nos estranha que até o presente momento o MIR não tenha feito nenhuma sinalização a uma proposta defendida pelo Opará: a reparação de todas as vagas subtraídas pelo uso dos mecanismos de intrujice. Duas universidades já demonstraram que isso é provável e necessário. A Universidade Federalista de Pelotas (UFPel) e a Universidade Federalista do Vale do São Francisco (Univasf). Essa última teve teorema do Opará aprovada pelo Recomendação Universitário sem nenhum voto contrário. Se isto simbolizar um insulto para o MIR, importante ler o que a Advocacia Universal da União (AGU) respondeu a iniciativa da UFPel por meio do Parecer n. 00001/2024/CFEDU/SUBCONSU/PGF/AGU. O MIR poderia prestar atenção nas seguintes passagens:
“Além desses estudos, mais um relatório fundamentado em evidências, “A implementação da Lei nº 12.990/2014: um cenário devastador de fraudes” traz a estudo dos últimos editais publicados por 61 (sessenta e um) órgãos federais. Na tentativa de responder o que explicaria a baixa eficiência na implementação da Lei de Cotas Raciais, chegou-se a evidências que demonstram mecanismos de intrujice (intencionais ou não) à emprego da lei”. [relatório do Opará]
E finaliza o parecer dando a seguinte orientação:
“Pelo exposto, entende-se provável a oferta de vagas reservadas para negros nos concursos públicos seguintes realizados pela Universidade Federalista de Pelotas em percentual superior a 20% (vinte por cento), desde que não ultrapasse o percentual de 30% (trinta por cento), com o objetivo específico de recompensar a frustração de provimentos anteriores motivada pela equivocada emprego dessa política no contexto da referida Universidade, isso enquanto vigente a política pública em questão.”.
Se o MIR desejar saber nossa proposta de reparação e ouvir relato de nossas discussões com o Tribunal de Contas da União (TCU) e com outras instituições, que estão dispostas a reparar, nos colocamos à disposição. Mas, primeiro, precisam urgentemente revogar a Nota Técnica nº 62/2023 que, ao recomendar sorteio, sinaliza aos negros: ventura.
Para colaborar no entendimento, sugerimos a leitura da Recomendação nº 11/2021 – MPF/PRDC/SE, onde o Ministério Público Federalista (MPF) recomendou que a Universidade Federalista de Sergipe (UFS) deixasse “[…] de adotar método que submeta a efetividade da ação afirmativa de suplente de vagas a um critério de ‘sorte’ (…)”. O documento, assinada pela Procuradora Regional dos Direitos do Cidadã, Dra. Martha Roble Dias de Figueiredo.
A população negra não precisa de sorte, precisa que o MIR proteja todos os seus direitos!
* Anibal Livramento da Silva Netto é professor doutor na Univasf (Universidade Federalista do Vale do São Francisco) e integrante do Opará (Observatório das Políticas Afirmativas Raciais).
* Ana Luisa Araujo de Oliveira é professora doutora na Univasf (Universidade Federalista do Vale do São Francisco) e líder do Opará (Observatório das Políticas Afirmativas Raciais).
* Roberto dos Santos é estudante de mestrado na Univasf (Universidade Federalista do Vale do São Francisco) e integrante do Opará (Observatório das Políticas Afirmativas Raciais).
**Leste é um item de opinião. A visão do responsável não necessariamente expressa a risca editorial do jornal Brasil de Indumentária.
Edição: Nathallia Fonseca
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