O Morro Santana, espargido por sua pedreira, é o ponto mais cimo de Porto Prazenteiro. Para os povos Kaingang e Xokleng, seus habitantes originários, é um lugar sagrado. Com resquícios dos biomas Pampa e Mata Atlântica, em meio à selva de pedras, é lar de animais, vegetação e nascentes. E, há pouco mais de dois anos, voltou a ter presença indígena.
Sob a liderança da cacica Kaingang Gãh Té, ou Iracema Promanação, a Retomada Gãh Ré nasceu ao pé do morro. Em outubro de 2022, um grupo de indígenas veio de localidades do Setentrião do estado para preservar o pouco que resta de mata nativa na região contra a especulação imobiliária.
“Entramos cá para cuidar da nossa chuva nascente. Porque eu vi que muitas empresas não estão respeitando isso, não estão respeitando as figueiras, principalmente as árvores grandes, que são nativas nossas cá. Isso me trouxe cá, é a chamada dos meus encantados”, conta a cacica.
Durante a entrevista, sentada dentro da moradia de reza, alertou para a relevância da ação de retomada. “Se nós não tivéssemos entrado cá, nós não estaríamos sentados cá conversando, ia ter mais prédios encostando o morro, as pedras”, afirma.
Os prédios a que Gãh Té se refere fazem segmento de um projeto de 11 torres, com 714 apartamentos, que o grupo empresarial proprietário da extensão pretende edificar. Alguma coisa impensável para os indígenas.
A cacica reforça a relevância da preservação para seu povo. “Na mata está a medicina tradicional. O que vai na farmácia também vem da mata. Não precisamos trabalhar 24 horas para estar buscando remédio. Para comprar remédio tem que fazer isso na farmácia. Nós não. Nós cuidamos e botamos na terreno, para na semana que vem a gente ter aquela folhinha e fazer um chá para tomar”, explica.
“Pra eles é só moeda, não é a vida”
Nesses dois anos de luta pela demarcação do território, a comunidade resistiu a intimidações e tentativas de lixo judicial. Gah Té chegou a fazer greve de rafa, quando a justiça emitiu uma ordem de reintegração de posse. E só a encerrou depois a suspensão da medida. Para ela, o progressão sobre a natureza não enxerga vida, só moeda.
“O marco temporal tá agredindo até a nossa Constituição, não estão respeitando a Constituição. O pessoal que entra e os que estão no Congresso sabem disso, mas aprovam para explorar mais a terreno. Para eles é só moeda, não é a vida, não é a sombra, não é a vida daquele povo. Por isso a rua tá enxurrada de morador de rua. Nem no povo, que é povo desse pessoal, eles nem estão importando. Nós, indígenas, lutamos juntos, porque a gente tem paixão no outro”, afirma.
Celebração de dois anos
Os dois anos da Retomada Gah Ré foram celebrados ao lado de apoiadores. Entre eles, está a Teia dos Povos em Luta do Rio Grande do Sul, uma confederação preta, indígena e popular, composta por comunidades, territórios, povos e organizações políticas rurais e urbanas. Eles estão organizados em núcleos de base e são elos na luta por autonomia e soberania de projetos de vida, saudação e zelo com a terreno e seus seres. E o coletivo Preserve Morro Santana, programa de extensão popular da Universidade Federalista do Rio Grande do Sul, formado por moradores da região.
Foi um final de semana de manejo do espaço, plantio da árvore sagrada araucária e de outras árvores nativas e frutíferas, rodas de conversa, apresentações culturais e confraternização. Uma das atividades foi o lançamento de sementes no topo do Morro Santana. No lugar, eventualmente, ocorrem queimadas e só resistem os pinheiros, vegetação invasoras que acabam se proliferando e destruindo a biodiversidade.
Morador da região e membro do coletivo Preserve Morro Santana, Vítor Kwiatkowski explica. “Indícios são de que os primeiros focos de pinho começaram nos anos 60, cá no Morro Santana. Ela é uma vegetal australiana e, por ser exótica, ela toma conta de tudo que está na volta, ela tem uma palhada seca.”
Com a proliferação dos pinheiros, prossegue, “os animais que ali se alimentavam antes de uma frutífera já não vão mais”. “Roedores e tudo mais por ali não circulam. E essa palha é extremamente inflamável, ela ajuda a dissipar esses incêndios, pega muito queimada, ela queima muito”, explica.
Vítor conta que mora próximo do Morro Santana desde 2019 e já presenciou diversos incêndios, que ameaçam também as casas de moradores de vilas próximas à mata na região. “Desde ali (quando vim morar cá), eu acho que todo ano eu vi uma queimada. Ao menos, de uma a duas queimadas por ano.”
Ao lado de um grupo de voluntários que subiu o morro por uma trilha, ele lembra que a cacica pediu para fazer o plantio de milho, girassol e feijoeiro na extensão. “Antes de mais zero, é pra dar o comida. Fortificar essa terreno que tá com erosão, essa terreno que foi queimada, que tá com falta de nutrientes, para, através dessas vegetação, nutrir esse solo”, conta.
Luta por demarcação e estrutura
Trinta e cinco famílias fazem segmento da retomada. Mas, segundo Gah Té, muitas não podem viver no lugar devido à estrutura precária dos barracos. Acabaram saindo para viver de aluguel. Por isso, a cacica reafirma a luta.
“Demarcação já! E fazer as casas também, que o governo mande as casas. (Estamos) cá debaixo da lona há dois anos. Não queremos todo o Brasil, unicamente (terreno) para morar e plantar nossas coisas, que precisamos: milho, feijoeiro, nossa batata guloseima e aipim. Que é comida saudável, não é com veneno“, observa.
A cacica pede que o exemplo oferecido pela retomada seja seguido. “(É preciso) preservar mais o meio envolvente, que muitos falam do meio envolvente, mas de vestuário não protegem. E florestar, florestamento”, afirma.
Assista ao programa na íntegra:
E tem mais…
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Reunião da Organização das Nações Unidas para Alimento e Cultura (FAO), em Cuba, procura alternativas para prometer a soberania fomentar dos povos.
Kammu Dan Wapichana, contador de histórias indígenas, ativista e educador socioambiental, explica o concepção de Justiça Climática.
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Edição: Nicolau Soares