O ano de 2023 foi marcado por extremos climáticos, que resultaram em desastres. Em graduação global, dia em seguida dia, as manchetes destacavam novos recordes, indicando o apressurado colapso climatológico e ambiental. No Brasil, de concordância com o Meio Pátrio de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), 2023 foi o ano com o maior número de desastres registrados no país, totalizando 1.161 eventos, sendo 716 associados a fenômenos hidrológicos e 445 de origem geológica.
Ao que tudo indica, o ano de 2024 não está sendo dissemelhante. Segundo dados do Observatório de Clima e Saúde do do Instituto de Informação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), de janeiro de a novembro de 2024 foram registrados 896 eventos extremos na natureza, sendo 416 meteorológicos, 386 climáticos, 76 hidrológicos e oito geológicos. Ainda segundo o Observatório, a região Nordeste foi a mais atingida, com 40,4% dos episódios extremos registrados, seguida das regiões Sudeste (27%), Sul (12,5%) e Meio-Oeste e Setentrião, ambas com 10,2% dos eventos extremos na natureza.
No país não faltam exemplos emblemáticos. O sinistro climatológico que atingiu o estado do Rio Grande do Sul entre abril e maio, com o cima volume e intensidade de chuvas, foi potencializado por uma má gestão política do território, ocasionando uma das maiores tragédias do Brasil em 2024. As enchentes atingiram principalmente as regiões de vales dos rios Taquari, Caí, Pardo, Jacuí, Sinos, Gravataí, Guaíba e da Lagoa dos Patos, abrangendo municípios uma vez que Pelotas, Caxias do Sul e Porto Prazenteiro. Diversas famílias perderam suas casas, móveis, eletrodomésticos, meios de transporte e, também, tiveram sua saúde física, emocional e mental afetadas. Em vários casos, até mesmo suas vidas foram levadas pela enchente.
Nos territórios do campo, observamos impactos e perdas terríveis, sobretudo nas em áreas de comunidades de agricultores familiares camponeses. As enchentes atingiram não somente as benfeitorias e maquinários das propriedades, mas diversas culturas agrícolas, prejudicando não exclusivamente a segurança fomentar das famílias diretamente atingidas, mas de toda a população que acessa seus provisões a partir destes circuitos produtivos. Um dos destaques é o impacto na produção de arroz agroecológico nos territórios do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terreno (MST), com alguns dos integrantes do movimento afirmando que perdeu 13 milénio sacas de arroz e R$ 1,5 milhões em colheitas e infraestrutura com a enchente.
Em nosso entendimento, não há uma vez que dissociar tamanho sinistro socioambiental com o contexto das mudanças climáticas, tendo em vista que um dos agravantes da situação foi o bloqueio atmosférico na região médio do Brasil, criando uma zona de subida pressão que abrangeu estados uma vez que São Paulo, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. Nesse contexto, por um lado, enquanto observamos o aumento da intensidade e o volume das chuvas no Rio Grande do Sul, por outro, na região médio, o progresso das ondas de calor e dos períodos de estiagem assolaram as comunidades. Essa proximidade de extremos é uma propriedade do progresso das mudanças climáticas, potencializando fenômenos uma vez que El Niño e intensificando seus impactos.
Na região médio do Brasil, tivemos a oportunidade de seguir os efeitos do aumento da temperatura e do período de estiagem no Pontal do Paranapanema, oeste do estado de São Paulo, observando seus impactos na produção de provisões nos territórios de camponeses assentados, organizados pelo MST. Os impactos atingiram sua segurança fomentar, geração de renda, condições de trabalho, qualidade de vida e a saúde emocional e mental das famílias. Ou por outra, com a perda dos provisões nos assentamentos, notou-se uma vez que o aprovisionamento das cidades foi prejudicado, atingindo os grupos mais vulneráveis do contexto urbano e evidenciando a relação indissociável entre campo e cidade.
Na região Setentrião do Brasil constatou-se uma das maiores secas da história. No estado do Amazonas, todos os 62 municípios decretaram emergência pública devido ao prolongado período de estiagem, isolando diversas cidades pelas baixas dos rios, prejudicando comunidades tradicionais e populações do campo e da cidade. Segundo a Resguardo Social do estado, entre agosto e setembro de 2024, o Rio Preto em Manaus diminiu mais de 10 metros. Demais, o período de seca favoreceu o aumento das queimadas na região, liberando ainda mais Gases de Efeito Estufa (GEEs) para a atmosfera.
Segundo dados do sistema Terreno Brasilis, do Instituto Pátrio de Pesquisas Espaciais (Inpe), tivemos entre novembro de 2023 até novembro de 2024, mais de 151 milénio focos de incêndio na região amazônica e a extensão de desmatamento no bioma corresponde a 4,6 milhões de hectares, maior do que o estado da Dinamarca. O queimada é o último estágio do desmatamento, favorecendo o processo de grilagem e a rombo de novas áreas de pastagens ao agronegócio, processo denominado uma vez que mudança de uso da terreno (MUT), um dos principais responsáveis pela emissão de gases do efeito estufa no Brasil segundo o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG).
O desmatamento, a queima da floresta e a poluição resultante não exclusivamente atingiu a região Setentrião, mas todo o Brasil, devido à dinâmica atmosférica dos ventos que, ao invés de trazerem umidade e chuvas do Setentrião-Sul, trouxeram, na verdade, fumaça, cinzas e porcaria, impactando a qualidade do ar e, também, modificando a coloração das chuvas, no fenômeno que ficou espargido uma vez que “chuva preta”, um novo marco da crise climática no Brasil em 2024.
Diante deste contexto multíplice e apressurado, é urgente debater os desafios para prometer a justiça climática. A justiça climática reconhece que os impactos das mudanças climáticas atingem diferentes grupos sociais de maneiras e intensidades desiguais, além de considerar a responsabilidade histórica, as desigualdades nas emissões, a justiça e a transição justa. A justiça climática é um recta humano que deve ser guardado pelo Estado e é uma tarifa reivindicada por movimentos sociais em múltiplas escalas, uma vez que a Via Campesina e o próprio MST. Os casos supracitados evidenciam a velocidade e a magnitude dos impactos decorrentes da mudança climática, que, embora diversos, promovem um mesmo resultado: violam direitos, destroem territórios e ceifam vidas.
O Brasil possui desafios ainda maiores, uma vez que o país de dimensões continentais tem na base de sua formação socioespacial desigualdades históricas, alicerçadas na trilogia exploração do trabalho-latifúndio-monocultura. A concentração fundiária — com um índice de Gini de 0,821 em 2019 de concordância com dados do Relatório DataLuta 2020; a altíssima concentração de renda, onde a renda dos brasileiros mais ricos cresceu três vezes mais rápido que a média pátrio e dobrou em exclusivamente meia dezena; e a elevada expansão do agronegócio, que desmata de forma vertiginosa e incorpora em seu portfólio de investimentos territórios naturais e tradicionais, fez com que, entre os anos de 1985 e 2022, a extensão ocupada por atividades do agronegócio crescesse 50%, são processos que contribuem para correr as mudanças climáticas ao mesmo tempo que dão classe, gênero e raça aos impactos decorrentes destas mudanças. Não é por casualidade que as mudanças climáticas atingem mais as mulheres, a população preta e parda, os pobres, as pessoas que vivem em periferias e as comunidades rurais.
O Estado brasílio reconhece a malignidade das mudanças climáticas. O país é subscritor da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, acrônimo em inglês) desde 1994. Durante a 21ª Conferência das Partes (COP21) o Brasil também assinou o Conformidade Climatológico de Paris, com metas centradas na redução da emissão de GEEs. O país já está na sua quinta versão da Taxa Nacionalmente Determinada (NDC, acrônimo em inglês), sendo estas apresentadas em 2016, 2020, 2022, 2023 e 2024. A mais recente NDC, apresentada na recém finalizada COP29 (Baku, Azerbaijão), possui 26 matérias prioritárias organizadas nos eixos: ordenamento territorial e fundiário; transição energética e desenvolvimento sustentável com justiça social, ambiental e climática.
Embora a novidade atualização apresente avanços em relação à justiça climática, a mesma ainda é fundamentada em soluções baseadas na tecnologia, na regularização fundiária e na transição energética, deixando de lado as reais causas da acelerada mudança climática. A título de exemplo, no eixo “desenvolvimento sustentável com justiça social, ambiental e climática”, que tem o maior número de ações, exclusivamente uma reconhece a justiça climática a partir da consideração de comunidades e regiões mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas. Ao mesmo tempo, as estratégias previstas ignoram que no Brasil, na contramão da tendência mundial, historicamente, as principais atividades emissoras de GEEs (GtCO2e) são a mudança do uso da terreno e da floresta (majoritariamente desmatamento e queimadas) e a agropecuária (mormente o agronegócio). Segundo o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (Seeg) do Observatório do Clima, em 2023, a mudança do uso da terreno e da floresta foi responsável por 46,2% das emissões de GEEs (GtCO2e) registrados no país, enquanto a agropecuária emitiu o correspondente a 27,5%.
A chamada transição energética, que zero mais é do que uma soma de fontes à matriz energética brasileira, é uma das principais agendas do Brasil quando o objecto é adaptação e mitigação à mudança climática. Contraditoriamente, a geração da dita pujança limpa, tem resultados em diversos impactos e conflitos nos territórios onde a instalação de usinas de pujança eólica e solar são territorializados. Com mais frequência as consequências negativas destes empreendimentos energéticos têm sido denunciadas por comunidades e movimentos, uma vez que pelo Movimento dos Atingidos pelas Renováveis (MAR). Pelos marcos regulatórios vigentes, no país há somente projetos eólicos em terreno e, em desacordo com o posicionamento das populações já e potencialmente atingidas, uma das ações previstas na novidade NDC é a aprovação de marco legítimo e regulamentação da produção de pujança eólica offshore.
Neste cenário de contradições entre a verdade e as propostas de adaptação e mitigação, o Brasil, que sediará a 30ª Conferência das Partes (COP30), enfrenta desafios não exclusivamente relacionados às lacunas deixadas pela COP29, conhecida uma vez que a “COP que não entregou”, mormente no que tange ao financiamento climatológico. O principal repto que o Brasil tem pela frente é a promoção de uma justiça climática que ligeiro em conta a verdade do país, sua volubilidade e sua formação socioespacial, além de fomentar a escuta ativa e a participação dos povos dos campos, das cidades, das águas e das florestas, que são as populações mais atingidas pelas mudanças climáticas. A prosseguimento do atual protótipo de adaptação e mitigação pode valer ainda maiores frustrações na COP da Amazônia.
* Wuelliton é licenciado e bacharelado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Presidente Prudente. Atualmente é mestrando em Geografia e desenvolve pesquisa sobre tecnologias para o enfrentamento às mudanças climáticas em territórios camponeses no Pontal do Paranapanema, financiado pela Instalação de Esteio à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
** Lorena é licenciada, bacharel e doutora em Geografia pela Unesp, campus de Presidente Prudente. Atualmente realiza pós-doutorado no projeto Transições Agroecológicas para Adaptação e Mitigação Climática (Atcam), financiado pela Fapesp.
* Nascente é um cláusula de opinião e não necessariamente expressa a risca editorial do Brasil de Indumento.
Manancial: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Vivian Virissimo