“Vamos dar golpe em quem quisermos! Lide com isso”. Uma chave para compreendermos que ameaças o projeto político-econômico de Elon Musk representa e alguns dos significados da suspensão do X no Brasil está nesta publicação feita por Musk, no portanto Twitter, em julho de 2020. Mais do que uma prenúncio, as palavras do multibilionário foram uma recordação do papel cumprido por Musk no golpe contra Evo Morales, ex-presidente da Bolívia, um ano antes de sua intrusão interessada e dirigida na geopolítica mundial. A Bolívia, vale lembrar, tem a maior suplente de lítio do mundo. E esse recurso é fundamental para a produção de baterias de eminente rendimento para os carros elétricos, resultado importante na era da chamada transição energética. Também por isso, Musk, proprietário da Tesla, uma das principais empresas do ramos dos automóveis elétricos do mundo, nunca escondeu o seu libido de controlar a exploração de lítio naquele país e em outros territórios do Sul Global, custe o que custar.
São muitos os desmandos autoritários de Elon Musk por meio de suas empresas e subsidiárias, seja na exploração de minerais, nos sistemas aeroespaciais da Space X, na oferta de serviços de conectividade da Starlink ou na plataforma do dedo Twitter/X. O projeto de lucro e poder de Elon Musk procura, porquê um trator, passar por cima das leis nacionais, das garantias democráticas, dos direitos humanos ou de qualquer valor ético-político comprometido com a vida. Vale a máxima do lucro supra de tudo. Na concepção colonialista do proprietário do Twitter/X, o mundo é um jogo de tabuleiro onde ele se comporta porquê o player que vira o tabuleiro, reinicia a partida e reinventa as regras ao seu bel-prazer. Mas essa história de “proprietário da esfera” tem começado a esbarrar em algumas e ainda incipientes resistências.
Onde entra o Brasil nessa história? À era da enunciação de Musk sobre o golpe na Bolívia, o nosso país era (des)governado por Jair Bolsonaro, que sempre abriu as portas para os interesses de Musk. Por cá, não era preciso “dar golpe”, enfim o golpe era o próprio presidente da República. Tanto é que, num encontro entre eles, em maio de 2022, Bolsonaro disse: “contamos com Elon Musk para que a Amazônia seja conhecida por todos no Brasil e no mundo, para mostrar a exuberância desta região, porquê a estamos preservando e o quanto nos prejudicam aqueles que espalham mentiras sobre esta região”.
Porquê não há almoço gratuito entre os poderosos, a enunciação do ex-presidente foi uma espécie de contrapartida para a permissão de ingresso da Starlink na oferta de conectividade do dedo na região. Não podemos olvidar, ainda, que Bolsonaro mentiu, porquê sempre: sob seu governo, a Amazônia viveu um projeto de devastação, intrusão em terras indígenas, violência no campo e expansão de projetos de mineração e do agronegócio.
Naquele momento, Musk ainda não havia comprado o Twitter, mas as negociações já estavam avançadas. Tanto que Bolsonaro já dizia que o negócio representava “um sopro de esperança” e que o multibilionário seria “uma mito da liberdade”. Ou seja, entre Bolsonaro e Musk, não houve atritos – ao contrário, apertos de mão e paparicos de segmento a segmento que dizem muito sobre as novas formas do colonialismo do século XXI.
Sob Musk, o Twitter/X passou por um aumento significativo da difusão de discursos de ódio, numa guinada pró-extrema direita que impulsionou o cenário de violação do recta humano à informação na era do dedo. Os discursos de ódio silenciam grupos socialmente vulnerabilizados e violam direitos humanos, criando um envolvente de informação com menos liberdade de frase para todas as pessoas e menos direitos. Um levantamento da organização estadunidense Meio de Combate ao Ódio Do dedo apontou que, a partir da compra por Elon Musk, o Twitter/X teve 99% dos conteúdos com exposição de ódio mantidos. Posteriormente a divulgação, o que o multibilionário fez? Processou a organização, tentando silenciá-la. Mas a justiça estadunidense lhe impôs uma guia.
A obtenção do Twitter/X reflete os interesses econômicos e políticos de Elon Musk, que se retroalimentam. A plataforma do dedo tornou-se, assim, correia de transmissão de Musk, ecoando interesses ideológicos e econômicos do novo proprietário e servindo porquê arma de ataque contra quem ousasse apresentar obstáculos ao seu projeto de dominação. A utilização das plataformas digitais porquê espaço para resguardo dos interesses das próprias big techs, porém, não é exclusiva de Elon Musk. Basta lembrar das campanhas desinformativas feitas pelo Google, pela Meta e pelo Spotify contra o projeto de lei 2630/2020, que objetiva instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.
Padroeiro da carência do Estado na regulação dos direitos, dentre eles a liberdade de frase, Musk vem reiteradamente descumprindo ordens judiciais, desrespeitando a legislação brasileira e atacando o Poder Judiciário e as instituições democráticas. Coloca-se diretamente no jogo político, defendendo candidatos da extrema-direita e disparando mensagens com desejos de golpe contra o governo Lula. Num post no X, em abril deste ano, posteriormente ser incluído pelo STF no questionário das milícias digitais, Musk chamou Alexandre de Moraes de “ditador” e disse que o ministro teria o presidente Lula “na coleira”.
Diante desse cenário, em que Musk coloca seus interesses supra de qualquer coisa e age porquê uma metralhadora contra instituições democráticas, coube ao Supremo Tribunal Federalista (STF) expressar a urgência de limites à atuação de plataformas digitais estrangeiras no território brasílio. Tal postura do STF vem porquê resposta também às alianças escusas entre os congressistas e as plataformas digitais que não permitiram avanços na regulação das big techs ou mesmo a aprovação de medidas basilares de promoção da transparência e de responsabilidade dessas empresas. E a letargia do Congresso – que protege as plataformas de qualquer responsabilização e de qualquer escrutínio público – tem a ver tanto com o pesado lobby que essas empresas fazem na Câmara e no Senado porquê com o vestimenta de muitos dos parlamentares federais utilizarem da desinformação e dos discursos de ódio porquê uma estratégia política de devastação dos seus adversários políticos, portanto de fragilização da democracia.
Vale lembrar que a principal iniciativa legislativa para a material é o Projeto de Lei 2630/2020, que foi apresentado originalmente em maio de 2020 e teve porquê relator o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). Desde portanto, tivemos as eleições municipais daquele ano, uma pandemia, eleições estaduais e nacionais em 2022, levantes golpistas contra o Estado e suas instituições, caminhamos para mais um pleito municipal e, até cá, o PL não foi autenticado. Portanto, até quando deveria-se esperar por deputados e senadores profundamente comprometidos com a desinformação, com os discursos de ódio e com as ameaças democráticas que se voltassem contra a permissividade do X?
Apesar de nossas críticas históricas à atuação de personagens que estão no Supremo Tribunal Federalista e aos limites intensos que a lance impõe sobre a democracia ampliada que efetivamente desejamos, cabe reconhecer que a suspensão do X – que não tem mais representante permitido no Brasil – representa uma tentativa da instituição em estabelecer limites às plataformas digitais e preservar o estado democrático de recta.
Por outro lado, preocupa a proporcionalidade das decisões e os precedentes criados, porquê no caso da decisão de multa de usuários de rede virtual privada (VPN, em inglês) para entrada à plataforma. A previsão de multa de 50 milénio para quem utilizar VPN para acessar o X não é razoável por duas razões: a punição deve ser para o X e não indiscriminadamente para qualquer cidadão que nem faz segmento do processo; e não há previsão permitido que proíba o uso de VPN.
O que vem a seguir?
Com a suspensão da plataforma, o debate público viu-se dividido entre aqueles que apoiaram e celebraram a decisão do ministro Alexandre de Moraes e aqueles que se bandearam para a resguardo do indefensável Elon Musk usando das já conhecidas estratégias de desinformação, exposição de ódio e ameaças. Muitos migraram para outras plataformas, que se apressaram em atrair os usuários. Mas o debate vai além da rede social Twitter/X. Entre as preocupações importantes, destaca-se também a resguardo da soberania tecnológica e os desafios dela diante do controle concentrado da conectividade. Por fim, a Starlink, também de propriedade de Musk, segue, porquê suporte do Estado, invadindo espaços de conexão que deveriam ser ocupados por uma política pública. Segundo dados da Anatel de julho de 2024, a empresa tem 224,5 milénio clientes no Brasil, a maior segmento na região Setentrião, onde se concentram também os interesses das mineradoras.
Em meio a esse imbróglio, cumpre tutorar que, daqui em diante, é ainda mais fundamental reafirmar a urgência tanto de uma regulação das plataformas digitais, que defina limites e responsabilidades não somente para o X, mas para todas as empresas atuantes no setor, quanto da construção de um projeto de soberania popular do dedo, pautado pela centralidade do recta à informação e pelo protagonismo da sociedade brasileira na produção de tecnologias e na governança do envolvente do dedo.
É pensando em contribuir com esse debate público que o Intervozes lança, em parceria com o Brasil de Roupa, a série O X da questão: big techs e soberania tecnológica. Nos próximos dias, exploraremos porquê a soberania tecnológica está rendida aos interesses da Starlink de Musk, que avança sob a Amazônia. Relembraremos outros episódios de porquê os três poderes têm ou não têm agido para estabelecer responsabilidades, transparência, regulação de processos e limites de mercado às plataformas digitais. Ainda, discutiremos os precedentes abertos pela decisão do STF e porquê isso está implicado na disputa de poder e dos limites do Estado brasílio e da nossa democracia. No último item da série traremos proposições coletivas à provocação: para além do X, das grandes plataformas digitais e seus interesses de lucro, há soluções tecnológicas que contribuam para a democracia e para o muito viver no planeta?
* Paulo Victor Melo é pesquisador do Instituto de Notícia da Universidade Novidade de Lisboa e integrante do Intervozes. André Pasti é professor da Universidade Federalista do ABC e integrante do Intervozes. Iara Moura é jornalista, mestra em Notícia pela UFF e coordenadora executiva do Intervozes. Olívia Bandeira é jornalista, doutora em antropologia e coordenadora executiva do Intervozes.
** Nascente é um item de opinião. A visão do responsável não necessariamente expressa a risca editorial do jornal Brasil de Roupa.
Edição: Nicolau Soares
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