Enquanto Maurício da Silva, 28 anos, morador da comunidade de São Sebastião, em Porto Velho, luta pela instalação de poços artesianos que possam prometer o chegada mínimo à chuva, que está minguando no Rio Madeira, Marisa Wassem sofre em Arroio do Meio (RS) com a espera da reconstrução da sua vivenda, destruída pela força das águas que atingiram o Vale do Taquari no último mês de maio. Ambos passam por situações de vulnerabilidade relacionadas às mudanças climáticas, que cada vez mais se intensificam e afetam, principalmente as populações periféricas das diferentes regiões.
Na Amazônia, dezenas de municípios já decretaram estado de emergência por conta dos rios em níveis baixos históricos. Há comunidades inteiras isoladas e com difícil chegada a víveres e chuva potável. O tempo sedento contribuiu, ainda, para a proliferação das queimadas, que destroem florestas e plantações e poluem o ar. Os extremos, porém, não estão restritos à região. Entre o Setentrião e o Sul, todas as regiões sofrem em qualquer nível com o calor desproporcional, tempestades, queimadas ou secas severas.
Segundo o Núcleo de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden), o Brasil vive a pior seca da sua história recente. Paralelo a isso, há três meses o RS registrou a pior enchente da história do estado.
De combinação com dados do Monitor de Secas, murado de 200 municípios continuam em exigência de seca extrema, com destaque para São Paulo (82 municípios), Minas Gerais (52), Goiás (12), Mato Grosso do Sul (8) e Mato Grosso. Conforme aponta o Monitor de Secas, o Amazonas lidera a superfície totalidade com seca de julho, seguido por Pará, Mato Grosso, Minas Gerais e Bahia. No totalidade, entre junho e julho, a superfície com o fenômeno aumentou de 5,96 milhões para 7,04 milhões de km², o equivalente a 83% do território brasílio. O Rio Grande do Sul se mantém livre de seca há dez meses consecutivos.
Eventos climáticos extremos: O novo “normal” do Brasil
Para a pesquisadora Nina Moura, a relação entre as inundações devastadoras no Rio Grande do Sul e o desmatamento na Amazônia faz sentido, tendo em vista que todas as dinâmicas atmosféricas estão conectadas. Professora do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federalista do Rio Grande do Sul (UFRGS), a profissional explica uma vez que os desastres do Sul, as queimadas do Sudeste e as secas do Setentrião do país estão interligadas.
A geóloga explica que estamos sob as variações climáticas do El Niño, que zero mais é do que o aquecimento das águas. Esse fenômeno ocorre normalmente duas vezes a cada 10 anos, tendo geralmente uma duração de 18 meses. “Porém, veja muito, se quando a chuva aquece mais rápido ela evapora, mais carregadas as nuvens ficam.” Portanto, segundo Nina, o El Niño teve suas características intensificadas pelos gases de efeito estufa. Isso somado aos eventos climáticos naturais, causou o resultado que vimos nos últimos meses.
“É tudo relacionado. Temos o El Niño e ao mesmo tempo uma frente fria, que normalmente vem do Sul em direção ao Setentrião, encontrou uma pressão extremamente quente no Sudeste e não teve força de continuar, ficando estabilizada no Rio Grande do Sul. Portanto, tudo que tinha que chover no Sudeste ou no Nordeste do país ficou barrado por uma grande tamanho de ar quente. Ou seja, a precipitação que deveria ter sido distribuída por outras partes do país se concentrou nessa região cá do Rio Grande do Sul.”
Isso explica porque os brasileiros têm vivido os eventos naturais de maneira tão violenta. A professora ainda alerta que essa tamanho quente de ar do Sudeste, que impediu o progressão da frente fria, é um exemplo dessa relação entre o aquecimento global no clima e a intensificação de desastres naturais. “O sistema atmosférico não cria uma situação individual para cada ponto, elas estão articuladas.”
Por isso, o desmatamento compromete a capacidade das florestas de regular o clima em todo o continente e não só na Amazônia. A consequência é a intensificação de eventos extremos, uma vez que as chuvas intensas que se transformaram em tempestade e, posteriormente, em enchentes, tirando a vida de centenas de pessoas.
Amazônia, a floresta que alimenta o mundo
Para Luciana Gatti, investigador de mudanças climáticas e coordenadora do Laboratório de Gases de Efeito Estufa do Instituto Pátrio de Pesquisas Espaciais (Inpe), existem grandes variações climáticas. Por isso, sua equipe de pesquisa se concentrou, nos últimos anos, em estudar os fatores que determinam essa diferença. “Analisamos o que aconteceu nos últimos 40 anos na Amazônia e calculamos quanto cada uma das áreas estava desmatada. E aí a gente viu uma reciprocidade muito estreita entre mais desmatamento e perda de chuva e aumento de temperatura, principalmente durante os meses de agosto, setembro e outubro”, explica Luciana.
Esses resultados, segundo a investigador, são a prova da conexão entre vegetação e controle do clima. “O desmatamento reduz a chuva. Isso é meio óbvio, porque a árvore joga vapor de chuva na atmosfera. A floresta joga pra atmosfera uma quantidade de chuva parecida com a que o rio Amazonas joga no oceano todo dia. É uma quantidade imensa de chuva. Você consegue imaginar o rio Amazonas desaguando pra cima?”
Para além da redução da chuva, Lúcia garante que o desmatamento é o grande responsável pelo aumento da temperatura na região. “A chuva, para trespassar do estado líquido (o estado em que ela está no solo) e se transformar em vapor na atmosfera, ou seja, para mudar de estado físico, ela precisa de robustez na forma de calor. Por exemplo: para ferver uma chuva, você precisa botar queima, tem que dar calor para ela. Portanto, quando a chuva está fazendo esse processo, ela está fazendo a temperatura esfriar, porque a chuva que está virando vapor, está consumindo robustez na forma do calor na Amazônia”, diz Luciana.
“Quando diminui a quantidade de árvores na floresta, consequentemente esse processo é desacelerado e a temperatura sobe. Portanto, assim, o Sudeste da Amazônia, em privativo, virou uma manancial de carbono, porque lá as temperaturas estão extremamente altas e tem um déficit de vapor de chuva muito importante concentrado em cima dessa região”, explica.
Para Luciana, as condições de vida no país dependem de uma transformação significativa no protótipo econômico e nas prioridades dos investimentos públicos. “A gente precisava declarar moratória da soja e priorizar projetos de restauração florestal lá, mas o governo do estado do Mato Grosso está fazendo o oposto. Está entregando pra desmatamento, pra mineração, pra soja. Os caras só querem saber de quantia. Só que o próprio agronegócio vai quebrar, porque não existe lavoura sem chuva, sem chuva”, destaca.
Qual é o caminho?
Luciana aproveita para mostrar um caminho seguro a ser seguido no combate a futuros desastres. Segundo ela, mais do que se conciliar às mudanças climáticas, é urgente combatê-las, com medidas imediatas de conservação ambiental e reflorestamento, tanto na Amazônia uma vez que nas encostas ribeirinhas do Rio Grande do Sul. Só assim é verosímil proteger não exclusivamente a sociobiodiversidade na floresta, mas também moradores de regiões mais vulneráveis.
A investigador também defendeu a teoria de que o agronegócio, que é o setor que se desenvolve com o desmatamento florestal, deveria indenizar o Brasil. “Na conta, só entra o tanto de quantia lá da balança mercantil. Se os caras colocassem na conta quanto que eles não pagam imposto, o quanto pegam de empréstimo a juros baixíssimos, o quanto custa para o Estado brasílio reparar os estragos dos eventos extremos, das secas e das enchentes, a gente veria que esse agro dá muito prejuízo pro Brasil. Fora as mortes, que não temos uma vez que precificar o que elas significam pra nossa sociedade. Portanto, por que insistimos em investir tantos recursos em monocultura?”, questiona.
Para Elisa, é esse tipo de questionamento que o MAB vai levar para as ruas nessa quinta-feira (5). “Queremos que o Poder Público, em suas diversas instâncias, olhe para a demanda da população e invista em projetos que protejam a vida dos atingidos”, afirma.
O que pensam os atingidos climáticos?
No dia 5 de setembro, que marca o Dia da Amazônia, atingidos de todo o Brasil vão às ruas para reivindicar a proteção de direitos fundamentais da população diante dos impactos causados pelo atual protótipo econômico e o desmatamento em diferentes territórios do país, de Rondônia (RO) a Porto Contente (POA).
Organizada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a jornada de lutas terá uma vez que lema “Salve a Amazônia! Somos todos atingidos!” para denunciar os impactos causados pela devastação da maior floresta tropical do mundo.
“O drama se repete a cada ano, mas agora parece que a situação está pior. Os pescadores já desistiram de tentar pescar. Na minha comunidade, os poços têm cada vez menos chuva e, em breve, o transporte já fica perigoso, porque o rio está com um pouco mais de um metro de profundidade”, relata Maurício, um dos atingidos que irá participar dos atos do MAB em Porto Velho (RO).
Segundo Elisa Estronioli, integrante da coordenação do MAB, a novidade veras a que os atingidos estão submetidos com a crise climática não só agrava a situação de instabilidade próximo às estruturas de barragens, mas também produz atingidos pela expansão dos projetos relacionados à transição energética e piora as condições de vida da classe trabalhadora diante das catástrofes ambientais.
“O protótipo econômico adotado no Brasil tem, ao longo dos anos, provocado uma enorme concentração de riqueza e ampliado as desigualdades socioespaciais, de classe, raciais e de gênero. As populações atingidas por barragens, por grandes obras em universal, historicamente são vítimas desse processo. Com as mudanças climáticas, essas populações são ‘duplamente atingidas’, pois estão em maior instabilidade devido a riscos de rompimentos, deslizamentos, enchentes e, também, sofrendo o drama das secas extremas”, afirma Elisa.
A dirigente reforça que as tragédias recorrentes em todo o território vernáculo demonstram que é urgente uma solução para a manutenção da vida dos atingidos, através de medidas de adaptação e enfrentamento das mudanças climáticas, mas também de políticas de reparação para as populações afetadas, com participação popular. Por isso, entre as ações previstas para o dia 5 de setembro estão atos, ocupações e assembleias públicas para se discutir diferentes tragédias em curso no Brasil que mudam radicalmente a vida de milhões de brasileiros.
Atingida pela enchente histórica de maio, no Rio Grande do Sul, Marisa Wassen, citada no início da reportagem, também está motivada para ir às ruas no dia 5 de setembro. No último mês de junho ela passou por uma experiência complicada. Marisa viu nascer seu segundo fruto sem vivenda, móveis, roupas ou enxoval, pois tudo que ela havia adquirido para receber sua párvulo foi levado pela limo. Há 34 anos, ela mora em Arroio do Meio (RS), no Vale do Taquari, e nunca havia presenciado uma inundação tão grave. Hoje, ela diz que vai lutar para erigir um porvir dissemelhante para a filha.
*Esta reportagem é resultado de parceria entre o Brasil de Vestimenta RS e o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)
Manadeira: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Katia Marko
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